SUZANO, SP (FOLHAPRESS) - Para Ricardo Costa, 40, futebol não existe como distração. Não importa onde esteja. Pode ser em casa, de férias, na concentração, em churrasco com amigos. Se na TV estiver uma partida de futebol, ele busca o que aprender.

Quem sabe pode acrescentar mais um jogador ao seu banco de dados pessoal com mais de mil atletas.

"É impossível ver a partida como entretenimento. Pode acontecer de parar tudo para anotar o nome de um atleta, uma jogada ensaiada. Se não tiver papel e caneta, posso mandar mensagem pelo celular para mim mesmo ou gravar um áudio", afirma.

A obsessão, o banco de dados, as informações acumuladas, servem-lhe bem por trabalhar na base da pirâmide do futebol paulista. Desde 2016, Costa se transformou no rei do acesso do futebol estadual.

Neste sábado (23), ele pode conquistar a quinta promoção em seis anos e pelo quinto clube diferente na segunda divisão. Ele dirige o União Suzano que recebe o Grêmio Prudente às 15 horas, no estádio Suzanão, pelo segundo jogo da semifinal.

A partida terá transmissão pela plataforma Paulistão Play e pelos canais Eleven e NSC.

O Suzano venceu a ida, em Prudente, por 3 a 2. Pode perder até por um gol de diferença que se classifica para a final e garante o acesso.

Na outra semifinal, a Matonense enfrenta no domingo (24) o Vocem, um time de Assis, fundado por um padre italiano em 1954.

Antes disso, Costa já obteve o mesmo sucesso pela Portuguesa Santista (2016), EC São Bernardo (2017), Marília (2019) e São José (2020). Apesar do nome, a segunda divisão é o quarto e último patamar do futebol paulista.

"A vida do técnico aqui é mais complicada. O contrato é por campeonato, não por temporada, e na Bezinha [apelido da segunda divisão] você tem de modificar o elenco todos os anos porque é um campeonato sub-23. A Série A1 [a elite] movimenta o dinheiro. Aqui a gente só sobrevive", completa.

É mais do que isso. Reconhece ser preciso fazer além do papel de treinador. Costa se preocupa com a alimentação do elenco, com os cuidados com o transporte para os jogos. Não há psicólogo, então, quando percebe algo errado com o atleta, é ele quem tem de ir conversar para entender o que acontece.

São características impensáveis em divisões superiores. Isso apesar de o União Suzano ter comissão técnica completa. Em outros clubes que Ricardo Costa passou, foi bem pior.

Nas horas vagas, ele estuda o mercado. No próximo ano, em qualquer time em que esteja, talvez na chamada "Bezinha", vai precisar de novos jogadores. Nenhuma equipe que disputa o campeonato contrata treinador com o elenco já formado.

Ser especialista na última divisão de São Paulo é uma trajetória inusitada do técnico que não foi atleta profissional e, ao contrário do que é o padrão da profissão hoje em dia, nunca fez estágio com colegas mais famosos. Ele jamais teve tempo.

A partir do momento em que se formou na PUC-Campinas, começou a trabalhar com futebol de maneira incessante.

Primeiro como preparador físico. Passou a ser técnico de categorias de base em em 2007 e, dois anos depois, no profissional. Nem sempre deu certo, claro. Ele já foi a clubes em que a estrutura não foi a prometida.

Ou onde empresários tentaram forçar a escalação de determinados atletas. E se trata da divisão na qual um time só tem dinheiro por causa de agentes. Ou investidores, como os dirigentes definem.

Foi neste campeonato que Costa se encontrou. Se é uma base para jogadores jovens se projetarem para voos maiores, por que seria diferente para ele?

"A gente tenta ver qual a diferença [em treinos e posicionamentos táticos] para os times que estão em divisões acima e não vê tanta assim. É a mesma coisa. Futebol é o mesmo. Todo mundo tem estudado."

As promoções são seu cartão de visitas. Por isso o apelido de "rei do acesso" não o incomoda. Durante alguns anos, quando começava na carreira, foi rejeitado por clubes que o consideraram jovem demais para o cargo. Algumas dessas equipes, ele afirma, depois o procuraram para contratá-lo.

Ricardo Costa é cauteloso com as palavras. Não gosta de citar equipes nas quais teve problemas. A mesma palavra que usa para seus times, o define: equilíbrio. Seu jeito lembra, de certa forma, o de Tite. Até na maneira de falar.

Que ninguém se surpreenda então ao saber que sua referência na profissão é o técnico da seleção brasileira.

"Ele é uma inspiração. Consegue tirar o máximo dos atletas e, para mim, é o cara que vai conquistar a próxima Copa do Mundo. Você vê o time do Tite, as entrevistas, ele dá ensinamentos. Os jogos dele você não tem como assistir apenas como torcedor. Precisa aprender o máximo", elogia.

Ao assistir aos jogos da seleção, ele não se preocupa em anotar nomes de jogadores para engordar o seu banco de dados. Pelo menos por enquanto.

"Vejo espaço para chegar à primeira divisão do país e para trabalhar no exterior. Mas tem tempo. Primeiro, vamos atrás de mais um acesso na Bezinha."