SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Existem casos de atletas que chegam às Olimpíadas com amplo favoritismo e parecem sucumbir diante da própria importância que adquirem dentro de suas modalidades. Uma pressão que pesa demais sobre os ombros e os empurra para baixo.

Mas a metáfora do "empurrar para baixo" definitivamente não serve para o sueco Armand Duplantis, 21, que conquistou nesta terça-feira (3) a medalha de ouro no salto com vara.

Em sua primeira participação olímpica, o atleta já havia garantido o título depois que o norte-americano Christopher Nilsen não conseguiu ultrapassar a marca de 6,02 m. Mesmo assim, pediu para subirem o sarrafo. A partir daí, iniciou-se uma competição particular: Duplantis contra Duplantis.

Tentou saltar 6,19 m para estabelecer um novo recorde mundial, cuja marca vigente (de 6,18 m) pertence a ele. Caiu na primeira tentativa, caiu na segunda. Não conseguiu.

De qualquer forma, o Estádio Olímpico de Tóquio foi palco da vitória e do espetáculo de um fenômeno do esporte, candidato a sucessor de Usain Bolt como o principal protagonista do atletismo global.

E como tantos outros atletas neste último ciclo, teve sua preparação para as Olimpíadas acidentada pela Covid-19.

Armand Duplantis tinha acabado de saltar 6,18 metros em uma competição indoor em fevereiro de 2020, estabelecendo o recorde mundial no salto com vara (que antes pertencia ao francês Renaud Lavillenie, seu ídolo), quando a pandemia forçou o mundo a entrar em quarentena. Não deu nem tempo de aproveitar o sucesso.

De março até a primeira semana de junho de 2020, Mondo, como é conhecido, precisou permanecer em casa, no estado norte-americano da Louisiana, sem poder usar instalações esportivas para treinar. A solução para não voltar fora de ritmo foi viajar até a casa dos pais, na Suécia, e adaptar uma pista de salto no quintal.

Foi exatamente assim, saltando no quintal desde criança, que ele começou sua relação com a modalidade. Seu pai, Greg, também foi atleta do salto com vara e o introduziu no esporte.

"Eu nunca achei que fosse voltar a usar aquele quintal de novo, não o usava desde os 15 anos de idade. Foi ali que descobri o amor pelo salto com vara, e essa repetição constante me ajuda no meu salto hoje. Usar aquelas instalações foi nostálgico. Eu havia acabado de conquistar um recorde mundial, e percebi que fui do recorde para o quintal de casa", disse Duplantis em entrevista à Folha no ano passado.

A adaptação e as limitações impostas pela pandemia, entretanto, não foram capazes de frear a curva de crescimento do sueco, que nasceu e cresceu nos Estados Unidos.

Em setembro, depois de treinar na pista montada com a ajuda do pai, o atleta viajou a Roma para disputar uma etapa da Liga Diamante. Saltou 6,15 metros e estabeleceu a maior marca da história em competições outdoor, superando os 6,14 m da lenda ucraniana Sergei Bubka, estabelecidos em 1994.

Nesta terça-feira, em Tóquio, Duplantis subiu o sarrafo para tentar bater as marcas que ele mesmo estabeleceu como a nota de excelência para o salto com vara. Já não havia mais adversário na pista. Apenas a própria vontade de se superar.

Essa competitividade, cada vez mais contra si mesmo, é um traço de personalidade forjado dentro de casa. Sua mãe, Helena, foi heptatleta na Suécia. Aos 20 anos de idade, mudou-se para os Estados Unidos e estudou na Louisiana State University, onde praticou atletismo e vôlei. Foi lá que conheceu Greg, o pai de Armand, atleta da universidade no salto com vara.

Do matrimônio entre os esportistas nasceram Andreas, Antoine, Armand e Johanna, a caçula dos quatro. Incentivados pelos pais, todos se envolveram com o esporte em algum momento.

"Quando eu era mais novo pratiquei futebol, beisebol em Louisiana, atletismo também. Você constrói esse espírito competitivo ao crescer entre atletas, como foram meus irmãos. Desenvolve essa atitude competitiva e esse estilo de vida. Vencer se torna muito importante, e essa base que eu tive quando criança me ajudou muito", disse Mondo.

A maior referência entre os irmãos é o mais velho, Andreas, que também seguiu para o salto com vara. Representando a Suécia, ele disputou mundiais nas categorias sub-18 e sub-20 e deixou de competir no ano de 2015.

Assim como sua grande inspiração, Duplantis decidiu competir pela terra natal da mãe. Quando tomou a decisão, há seis anos, ele sentia que a concorrência nos Estados Unidos provavelmente seria maior e poderia atrapalhá-lo. Mas ainda não sabia que seria capaz de saltar além dos 6 metros --barreira representativa do esporte e que para ele passou a ser uma formalidade.

"Eu não acho que ninguém consiga saltar mais que eu. Mas há um caminho a ser percorrido, existem alturas mais altas e eu vou continuar tentando subir a barra até onde as pessoas acharem que é possível", afirmou Duplantis, no ano passado, à Folha.

Ainda não há ninguém que consiga saltar mais que Armand Duplantis. Às vezes, como aconteceu nesta terça em Tóquio, nem ele mesmo.