GOIÂNIA, GO (FOLHAPRESS) - Há nove anos e onze meses, o radialista e comentarista goiano Valério Luiz de Oliveira foi surpreendido com seis disparos de revólver calibre 38. Quatro dos projéteis o atingiram à queima-roupa em 5 de julho de 2012, como indicam as manchas de pólvora encontradas pela perícia.

O ex-presidente do Atlético Goianiense Maurício Sampaio foi denunciado como suposto mandante do homicídio duplamente qualificado pelo MP (Ministério Público) e chegou a passar 94 dias preso. Após tentativas da defesa de Sampaio de adiar o julgamento pela quarta vez, o tribunal do júri começou nesta segunda-feira (13). Os sete jurados ouvirão 30 relatos de testemunhas -cinco de cada réu além de cinco selecionadas pelo Ministério Público.

Hoje empresário do ramo imobiliário, Sampaio era vice-presidente do Dragão e titular de cartório em Goiânia no ano em que ocorreu o crime. Com o clube no último lugar na tabela do Brasileirão, o ex-cartorário deixou o quadro diretivo e ouviu a seguinte declaração de Oliveira, então comentarista da PUC TV de Goiás: "em filme de aventura, quando o barco está afundando, os ratos são os primeiros a pular fora".

Torcedor assumido da equipe goiana, o jornalista, por causa das duras críticas que fazia, chegou a ser considerado "persona non grata" pelo clube em carta assinada por Sampaio. Também foi processado quando disse que jogadores do Dragão estavam usando drogas no vestiário. Acabou assassinado pelo exercício da profissão, defende o MP.

Chamado pelo empresário em depoimento à Polícia Civil de "segurança voluntário" durante os jogos do Atlético, o policial militar Ademá Figueiredo Aguiar Filho foi quem atirou contra Oliveira. É, ao menos, o que afirma o Ministério Público.

Outros três réus são acusados de colaborar com o planejamento do assassinato do radialista: o sargento da PM Djalma Gomes da Silva, também segurança de Sampaio; Urbano Carvalho Malta, funcionário de Sampaio; e o açougueiro Marcus Vinícius Pereira Xavier.

Representante de Silva, Malta e Aguiar Filho, o advogado Thales Jayme declarou que deseja que o caso seja julgado. "O caso é relativamente bom para defesa. A falta de provas é gritante." Defensor de Xavier, o advogado Rubens Alvarenga Dias afirmou que não vai comentar o caso.

Para chegar ao cartola, a Polícia Civil quebrou o sigilo telemático de dois telefones supostamente registrados por Carvalho Malta com dados de laranjas e encontrou ligações para Sampaio momentos após o crime. Os CPFs cadastrados constavam em um cheque em posse do funcionário de Sampaio.

A defesa do empresário, encabeçada pelo advogado Luiz Carlos da Silva Neto, contestou a tese do MP em manifesto divulgado na última segunda-feira (6). O texto ressalta, entre outras críticas à investigação, que não é possível ligar os números telefônicos com as provas disponíveis.

Mas o foco da defesa não tem sido as provas a serem apresentadas aos jurados, e sim na tese de que o presidente do júri, o juiz Lourival Machado da Costa, é suspeito. "Não posso deixar que o sr. Maurício seja julgado por esse magistrado que o condena antes do veredito", disse Silva Neto à reportagem.

Desde que assumiram a defesa do empresário em abril, após o advogado anterior renunciar a quatro dias do início do tribunal do júri, os atuais representantes de Sampaio têm ajuntado ao processo diversos recursos de suspeição do juiz. Alegam que Machado da Costa nutre inimizades com o réu desde os anos 1990.

Em nota, o Ministério Público afirmou considerar a estratégia da defesa de Sampaio injuriosa e disse que "provas forjadas têm sido anexadas ao processo".

O magistrado recusou todos os pedidos. Em relação ao último, assentado em declarações de 2012 feitas por Machado da Costa a um programa de TV, o juiz respondeu em sentença que "não foi feita referência ao processo". Ele destacou que o material da defesa passou por "uma edição grosseira e grotesca".

Ainda sob o argumento da inimizade, Silva Neto entrou com uma queixa contra Machado da Costa no Conselho Nacional de Justiça. Encaminhado à Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás, o pedido foi considerado improcedente. A defesa de Sampaio declara que vai recorrer.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, Valério Luiz Filho, que se tornou assistente de acusação na ação criminal do assassinato do pai, faz um apelo para que a Justiça tenha andamento. "São dez anos de trabalho que eu poderia ter passado com minha família."

O também jornalista Mané de Oliveira morreu em 2021 sem ver um desfecho para a investigação da morte do filho.

O inquérito policial que apurou o assassinato foi aberto em 2012. Sampaio foi detido temporariamente pela Polícia Civil em fevereiro de 2013 e liberado por habeas corpus cerca de um mês depois. Em março do mesmo ano, com a ação criminal em andamento, Machado da Costa decretou prisão preventiva do cartola, solto por novo habeas corpus em maio seguinte.

A Justiça considerou que havia provas para instalar um tribunal do júri para julgar os acusados em 2014, o que foi seguido de recursos dos réus nos tribunais superiores. O júri popular foi confirmado em 2018 pelo Supremo Tribunal Federal.

Com os recursos esgotados, um dos acusados ingressou em 2018 com uma petição alegando insanidade, o que garantiu mais um ano de espera.

Em março deste ano, sete organizações ligadas à defesa da liberdade de expressão e de imprensa divulgaram nesta uma nota conjunta para pedir justiça.

Mesmo em meio às acusações, Sampaio foi aclamado duas vezes presidente do Dragão entre 2015 e 2018. Depois, presidiu o conselho diretor do time, do qual continua a fazer parte. Em entrevista ao site Mais Goiás, disse que é recebido como um "pop star" nas dependências do Atlético.

Procurada, a assessoria do clube declarou que não se pronuncia sobre assuntos que correm na Justiça.