SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O jornalista Mario Risoli já escreveu vários livros sobre o futebol e jogadores históricos de País de Gales. Um deles foi um diário sobre a única campanha do país na história da Copa do Mundo, em 1958. O título é "When Pelé broke our hearts" (Quando Pelé partiu nossos corações, em inglês, sem lançamento no Brasil).

Será possível escrever outro em 2022 sobre como a seleção fez o mesmo, mas com a maioria dos torcedores não galeses. Com a vitória por 1 a 0, neste domingo (5), em Cardiff, avançou para o que será o segundo Mundial. Desta vez, às custas da Ucrânia.

Isso significa que a história de superação ucraniana, nação invadida pela Rússia e em guerra, com jogadores que passaram seis meses sem atuar profissionalmente e que contou com simpatia ao redor do planeta, não vai ao Qatar.

"País de Gales na Copa são palavras que cheguei a pensar que jamais ouviria na minha vida. É uma sensação que não tenho como descrever", disse o meia Aaron Ramsey após o resultado.

Assim como em 1958, Gales se classificou pela repescagem, mas de um jeito diferente. Agora, pelo regulamento das eliminatórias da Uefa, estava previsto que os segundos colocados de cada grupo disputariam mais uma vaga para o torneio em sistema eliminatório. Há 64 anos, não.

A seleção não deveria ter ido para a Suécia. Com uma equipe de poucos jogadores profissionais e maioria amadora caiu pelo caminho, mas a Fifa decidiu que algo teria de ser feito a respeito de Israel, que não teve adversário. Os rivais árabes se recusaram a enfrentá-lo. A entidade decidiu que aquela vaga teria de ser decidida entre os israelenses e um país europeu: Gales.

Na Copa do Mundo, o time que tinha John Charles, um dos maiores nomes da história da Juventus (ITA), empatou suas três partidas na fase de grupos, com Hungria, México e Suécia. Classificou-se com vitória no desempate diante dos húngaros.

Foi quando enfrentou o Brasil nas quartas de final. Sem John Charles e na retranca, resistiu por 66 minutos, até que Pelé fez seu primeiro gol na história dos mundiais.

País de Gales tem elenco bem mais forte desta vez, uma geração que na Eurocopa de 2016 chegou às semifinais. Conta tem Ben Davies (do Tottenham Hotspur-ING), Aaron Ramsey (ex-Arsenal e hoje no Rangers-ESC), Joe Allen (chamado na época do Liverpool de Pirlo galês) e, principalmente, Gareth Bale.

Uma das maiores referências da história do futebol nacional, Bale chega enfim à Copa do Mundo, quando terá 33 anos. Possivelmente, será sua única chance no torneio. Oportunidade que outros grandes jogadores que o país teve no passado, como Ryan Giggs, Mark Hughes e Ian Rush, não tiveram.

Para a Ucrânia, foi o fim do sonho. Como país independente, tentava chegar ao segundo Mundial. Havia sido eliminado pela Itália nas quartas de final em 2006.

Por causa da invasão, o futebol no país está paralisado. O último jogo disputado na liga nacional aconteceu em 12 de dezembro de 2021. O campeonato foi interrompido por causa do inverno e seria retomado em fevereiro, o que não aconteceu. Foi declarado o encerramento do torneio no final de abril, já que não existe perspectiva de retomada.

Da lista de 23 jogadores convocados, 15 atuam na Ucrânia. O meia Taras Stepanenko, do Shakhtar Donetsk, se mudou com a mulher e três filhos para um abrigo de guerra em Kiev. O goleiro Georgiy Buschan foi fotografado em uma estação de metrô, em busca de proteção contra bombardeios.

Serhiy Sydorchuk, capitão do Dínamo de Kiev, dormiu em seu carro com os filhos e a mulher grávida em um estacionamento.

Mesmo atletas que atuam no exterior tiveram de continuar em atividade e aguardar notícias de familiares que continuam na Ucrânia. É o caso dos laterais Oleksandr Zinchenko, do Manchester City, e Vitaliy Mykolenko, do Everton; e o atacante Andriy Yarmolenko, do West Ham (todos os times da Inglaterra).

Após a derrota, eles foram agradecer aos torcedores ucranianos que foram Cardiff. Alguns tinham lágrimas nos olhos. Os galeses também, mas por motivo bem diferente.