SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Daqui a um ano, em 21 de novembro de 2022, o Qatar espera que centenas de milhares de pessoas estejam em Lusail, a cidade que a família real quer ver como símbolo da mudança de imagem do país. Dentro do Lusail Iconic Stadium deverão estar 86.250 torcedores para o jogo de abertura da Copa do Mundo.

Neste domingo (21), a mesma Lusail receberá o primeiro GP de F1 do país, às 11h (de Brasília - Band e Bandsports transmitem). Embora os números não tenham sido revelados, a estimativa é que o governo pague US$ 65 milhões (R$ 361 milhões pela cotação atual) ao ano pelo direito de receber a prova.

O Qatar terá seu GP em 2021, mas não em 2022, quando será realizado o Mundial de futebol. A corrida será retomada a partir de 2023, quando entrará em vigor o contrato de dez anos com a F1. O valor total, já computado o montante deste ano, chegará a US$ 715 milhões (R$ 4 bilhões).

A prova será disputada no Lusail International Circuit que, após reformas, poderá receber 25 mil pessoas. Construído em 2004, tem recebido a MotoGP todas as temporadas.

A chegada da F1 manteve viva a discussão sobre a falta de democracia no Qatar, os direitos humanos e as condições dos trabalhadores das obras espalhadas pelo país -da população de cerca de 2,7 milhões de pessoas, apenas 320 mil são qataris.

"Nós estamos cientes de que existem problemas nesses lugares [Qatar e Arábia Saudita, dois países árabes que vão receber provas] para onde vamos. Mas é claro que [o Qatar] parece ser considerado um dos piores nesta parte do mundo. Quando esportistas vão para esses locais, têm o dever de colocar em foco esses problemas. Esses lugares precisam de escrutínio. Direitos iguais são uma questão séria", disse o sete vezes campeão mundial de F1 Lewis Hamilton.

Ele não foi o primeiro a se manifestar. Em outubro, Sebastian Vettel, quatro vezes vencedor da categoria, disse se preocupar com os rumos que o esporte estava tomando.

Entidades de direitos humanos reclamam das condições de trabalho análogas à escravidão dos operários. Havia também a kafala, denominação dada ao sistema de trabalho reservado aos trabalhadores migrantes. Entre outras coisas, previa que o patrão poderia reter o passaporte de um funcionário. Após pressão internacional e da Fifa, algumas reformas começaram a ser feitas nos últimos anos.

Há dois anos, quando recebeu o Mundial de Clubes, o Qatar aprofundou sua ofensiva de relações públicas para mudar sua imagem. A realização de eventos esportivos é uma das pontas da estratégia.

"Não há nenhum problema com a liberdade de expressão no Qatar. Os pilotos de F1 são livres para dizerem o que quiserem. O Qatar está aberto às críticas e nos últimos anos tem trabalhado duramente para melhorar a situação dos seus trabalhadores", disse Abdelrahman al-Mannai, presidente da federação de autovelocidade do Qatar, em entrevista à agência AFP.

Segundo o diário britânico Guardian, de dezembro de 2010 a março de 2021, cerca de 6.500 trabalhadores morreram durante a construção de estádios ou obras de infraestrutura para a Copa do Mundo de 2022. A organização do torneio contesta esse dado.

Apenas a construção do estádio em Lusail, iniciada em 2017, envolve 40 mil trabalhadores divididos em turnos diurnos e noturnos sete dias por semana. As únicas exceções são os feriados religiosos.

A cidade é parte de um plano muito maior do Qatar do que apenas competições esportivas. As obras foram aceleradas a partir do momento em que o país recebeu o direito de sediar a Copa, em 2010.

Lusail foi idealizada pelo antigo emir xeque Hamad bin Khalifa al Thani para receber 200 mil habitantes. As obras, estimadas em US$ 45 bilhões em 2005 (R$ 250 bilhões) foram entregues à Qatari Dier, uma construtora estatal. A ideia não é apenas desafogar Doha, centro comercial, econômico e populacional do país, mas também encabeçar um projeto de transformação geopolítica.

O Qatar quer se desprender da dependência da extração de petróleo e gás natural e se tornar um centro de turismo internacional até 2030. Precisa, para isso, encontrar uma forma de melhorar sua complicada relação diplomática com os vizinhos, especialmente Arábia Saudita e Emirados Árabes. Ambos acusam a família real qatari de financiar atos terroristas, o que o país nega.

Bloqueio comercial e de fronteiras imposto por sauditas e emiradenses foi abandonado neste ano graças, em parte, aos esforços da Fifa. A entidade vê a liberdade dos turistas para circular entre as três nações como fundamental para o sucesso econômico do Mundial.

O projeto de construção de Lusail, que deverá receber como moradores qataris e elite imigrante de países europeus e da América do Norte, funcionários de empresas turísticas ou petrolíferas, engloba 175 km de tubos. Estes vão formar um sistema de refrigeração em toda a região durante o verão, quando as temperaturas podem ultrapassar 50º C.

Não será um problema para o GP da F1 nem para a Copa do Mundo, que pela primeira vez não será disputada entre junho e julho, verão no Oriente Médio. Para evitar o calor, foi transferida para novembro/dezembro, quando as temperaturas costumam não ultrapassar os 30º C.