SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Agora que passaram as dores nas pernas, Casagrande só tem boas recordações de 14 de dezembro de 1983. Foi nesse dia que o Corinthians conquistou o Campeonato Paulista, há 40 anos, em empate por 1 a 1 com o São Paulo, e alcançou o ápice esportivo do movimento Democracia Corinthiana com o então importantíssimo bi estadual.

Em troca de posição com o meia Sócrates -uma estratégia de Jorge Vieira diante da marcação individual no Doutor-, o atacante tocou bastante na bola no irregular gramado do Morumbi, péssimo para os padrões de hoje. Não estava fácil executar os domínios, e a partida teve muitos choques e faltas duras.

"Foi um jogo duríssimo", resumiu à reportagem o ex-jogador, que sofreu a mais dura dessas faltas. Aos 32 minutos do segundo tempo, levou um pontapé na canela em jogada desleal do zagueiro uruguaio Darío Pereyra, com quem vinha se estranhando. O beque foi expulso pelo árbitro Dulcídio Wanderley Boschilia, e Casagrande precisou ser substituído, saindo de maca.

A decisão, àquela altura, estava indefinida, com o placar zerado. Derrotado por 1 a 0 no primeiro duelo, o São Paulo tinha de vencer para forçar um terceiro confronto. Sócrates, nos acréscimos, recebeu de Zenon e definiu o campeão, com invasão de campo. Tirados os invasores, o rival empatou, no último lance, em cabeceio de Marcão, mas o título já era alvinegro.

Nenhum desses lances é tão lembrado quanto a entrada em campo do Corinthians, um time que tinha votações internas para decidir questões como horários de treinos e até a contratação de atletas. Os jogadores exibiram uma faixa com a frase "ganhar ou perder, mas sempre com democracia", confeccionada às pressas.

"Na hora do almoço, veio na minha cabeça que precisávamos fazer algo mais forte pela democracia à noite", disse Casagrande, reconstruindo aquela quarta-feira. "Foi quando procurei o Adilson [Monteiro Alves, diretor de futebol], e ele me disse que seria difícil, estava em cima da hora. Então, falei: 'Vamos fazer uma faixa'. E um jornalista da Folha estava ao lado e deu a ideia da frase."

O Corinthians estava concentrado no antigo hotel Hilton, na avenida Ipiranga, no centro de São Paulo. Acompanhava o time o repórter Luiz Fernando Rodriguez, que, no jornal do dia seguinte, detalhou a preparação alvinegra para a final. Relatou reclamações de Leão com jornalistas, a marcação cerrada do técnico Jorge Vieira contra o jogo de baralho. E a conversa sobre a faixa.

De acordo com o texto, Casagrande sugeriu inicialmente que a equipe atuasse com a camisa usada em partidas anteriores, com a inscrição "Democracia Corinthiana". Até hoje se produzem réplicas do icônico modelo, porém o Conselho Nacional de Desportos havia vetado que os atletas continuassem vestindo-o em campo.

O Brasil vivia um processo de abertura política, mas ainda estava em um regime de ditadura militar. O Corinthians abraçava a democracia e colhia resultados esportivos, porém sofria duras críticas nas derrotas, com questionamentos à liberdade oferecida aos jogadores. Até a torcida chegou a exibir uma faixa com a frase: "Democracia sim, bagunça não".

"Nós passamos o ano inteiro tomando pancada por causa da defesa da democracia, dos nossos princípios de trabalho. Agora que chegamos à final, está na hora de mostrar que foi pela democracia que chegamos a isso", afirmou Adilson, segundo o relato de Luiz Fernando Rodriguez.

"E se entrássemos com uma faixa falando do Natal, da Democracia, juntando as duas coisas?", sugeriu Casagrande. "É que Natal é coisa meio elitista, Casa. Vamos sair pela democracia, sem o Natal", respondeu Adilson.

O texto de Rodriguez, então, tem sequência em primeira pessoa.

"'Por que não a faixa dizendo vencer ou perder, mas sempre com Democracia' - sugiro eu. 'Pois é isso aí' - concordam Adilson e Casagrande."

"Depois, Casagrande pensa em cortar o cabelo, vê que está chovendo, desiste e vai para seu quarto 'ver o filme do Jerry Lewis' - 'O Rei do Circo', com Dean Martin, feito em 1954."