<p>SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Há 12 anos, Chiquinho tem um sonho: ver o campo da Palmeirinha, no coração de Paraisópolis (zona sul de São Paulo), bem iluminado e de alambrados novos.

</p><p>Francisco Luiz da Silva, 61, trabalhou na construção do espaço, então de terra batida, na década de 1980. Hoje presidente do time de várzea da Associação Palmeirinha Paraisópolis, pode ver o desejo realizado por um caminho inusitado e que cruza o Atlântico.

</p><p>Em 2021, a associação venceu um edital do consulado da República Tcheca em São Paulo para realizar as reformas.

</p><p>"Nunca tivemos condições de dar uma melhoradinha. Sempre comentava [sobre a vontade] com minha filha, a Mônica, e o Bruno [filho]", afirma. Com o auxílio internacional de cerca de R$ 80 mil, eles pretendem, além de trocar os refletores e o alambrado, pagar um ano de manutenção da grama sintética.

</p><p>O projeto de reforma concorreu no programa Pequenos Projetos Locais, parte de uma iniciativa mundial do governo tcheco em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. O Brasil passou a ser contemplado em 2018.

</p><p>O consulado paulista costuma atuar em locais com alguma herança do país europeu, por exemplo uma escola em Batayporã (MS) —cidade fundada pelo tcheco Juan Antonín Bata— e uma creche em Lídice (RJ) —município batizado em homenagem a um vilarejo tcheco dizimado por nazistas em 1942.

</p><p>Em 2021, o consulado contou com ajuda da Cufa (Central Única das Favelas) para procurar projetos. Selecionou o da Palmeirinha e enviou para aprovação do governo tcheco, dentre outras coisas, pela proximidade geográfica entre a sede da representação e Paraisópolis —menos de 15 minutos de carro.

</p><p>"Foi mesmo o melhor projeto. Uma coisa decisiva foi poder ajudar um pouco a melhorar as condições de vida das crianças. É uma atividade ligada ao esporte, e adoramos esporte. Não é só atividade física, fortalece o espírito, você aprende disciplina, a fazer parte de uma equipe, a não se sentir só", afirmou V&#283;ra Matysikova, chefe do gabinete do cônsul-geral, Miloš Sklenka.

</p><p>Ela explica que o programa do governo tcheco apoia também projetos mais caros nos chamados países preferenciais, muitos dos quais ficam na África ou próximos geograficamente da República Tcheca.

</p><p>"[Para ser selecionado], o projeto tem que gerir algumas atividades [sociais], não é apenas uma ajuda humanitária."

</p><p>O campo da Palmeirinha é uma das únicas alternativas de lazer para os mais de 100 mil moradores de uma das maiores favelas de São Paulo e fica aberto ao público em vários horários.

</p><p>Previsto por lei desde 2008, o Parque Paraisópolis (que homenageará Lourival Clemente da Silva, falecido cunhado de Chiquinho) seria uma nova alternativa de lazer, mas ainda não foi entregue pela Prefeitura de São Paulo.

</p><p>Hoje, o campo abriga projetos sociais, como o Rugby Para Todos, o Um Passe para a Educação e o Pró Paraisópolis.

</p><p>O time de várzea também tem escolinha de futebol e gere equipes de diversas faixas etárias, da base aos mais velhos. "Ainda inventei mais um, o 'sessentão', para eu jogar, né", brinca Chiquinho.

</p><p>Ele lembra que assinou a primeira ata da associação quando tinha 11 anos. Hoje aposentado, toma conta da entidade com sua família.

</p><p>Bruno, 34, começou como jogador quando tinha 7 anos. Virou treinador e acumulou funções administrativas. É quem gere as equipes e organiza os torneios. O mais famoso deles é a Copa da Paz, que reúne equipes de toda a cidade.

</p><p>Mônica, 34, é professora, chegou a jogar na equipe feminina, mas assumiu o posto de treinadora. Em 2019, comandou a equipe até a final da badalada Taça das Favelas, televisionada na Globo.

</p><p>"Eu já nasci no Palmeirinha", brinca. "Meu papel sempre foi de torcida, da turma do amendoim, criticava muito. Sempre quis jogar bola e enchia a paciência para fazerem o time feminino. Em 2016, o Bruno iniciou o projeto."

</p><p>A esposa de Chiquinho, Quitéria, 62, e a filha mais nova, Bianca, 27, também auxiliam no bar da entidade ou na loja de artigos esportivos, recém-inaugurada. Sua criação foi uma maneira de tentar diversificar as fontes de renda, que secaram na pandemia sem o aluguel do campo para jogos e com a saída dos patrocinadores, que já eram poucos.

</p><p>"A gente tinha uma ideia de trazer um pessoal para reforçar o time, mas aí parou tudo. Tivemos que cortar gastos e dar prioridade para a molecada do sub-20. Pode não ganhar nada por dois anos, mas isso acontece até investindo pesado", diz Bruno.

</p><p>Ele conta que, antes da pandemia, o projeto era ter um time com investimento de R$ 1.500 a R$ 2.000 por jogo. Agora a quantia gira em R$ 500, e mal há partidas para disputar. De gastos: aluguel, luz, água e poucos funcionários. Nesse cenário, a sonhada reforma parecia distante.

</p><p>Chiquinho afirma que sobrevive no vácuo do poder público e das promessas políticas nunca concretizadas. O interesse de empresas privadas também é aquém do desejado por eles. Nos últimos anos, a associação ainda conseguiu ganhar um edital, válido até dezembro, para gerir uma praça na comunidade. Com esse dinheiro, consegue empregar nove funcionários, todos com carteira assinada.

</p><p>Foi uma dessas funcionárias, Cláudia (que integra também a Cufa), quem descobriu o edital tcheco e ajudou o time com a burocracia.

</p><p>Em 2020, a associação distribuiu mais de 3.000 cestas básicas. Chiquinho lembra com orgulho que o campo não teve o mesmo fim de muitos outros em Paraisópolis, que deram lugar a barracões. Comemora ao ver a família ativa por sua paixão e já projeta a hora de passar o bastão. Mas daqui a bastante tempo. "Vou ficar até uns 90 anos lutando, depois deixo para eles."

</p><p>A expectativa é que a reforma termine até agosto. O prazo final é outubro. Talvez, no meio disso, em setembro, quando Chiquinho fará 62 anos, a festa possa ser comemorada sob novos holofotes.</p>