SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Estava combinado pelo casal Cecília e Alex: se o filho nascesse menino, jogaria basquete, como o pai.

Se fosse menina, iria para o vôlei, como a mãe. Assim, Ana Cristina de Souza teve o destino traçado ainda na maternidade. Dezessete anos depois, é a mais jovem jogadora a integrar a seleção brasileira de vôlei, que estreia nas Olimpíadas de Tóquio-2020 neste domingo (25) contra a Coreia do Sul, às 9h45.

"Desde pequenininha a Ana sempre gostou de vôlei. Ela ficava do lado da quadra comigo. Acabava os treinos, e ela queria ficar brincando na quadra. Assistia aos jogos nas arquibancadas", lembra a mãe, Cecília. "Eu acompanhava minha mãe nas quadras. Gostava muito", confirma a filha.

Conhecida como Ciça, a mãe atuou como ponta e oposta nos anos 1990 e 2000. Revelada pelo Flamengo, atuou por clubes como Pinheiros e São Caetano. Assim como a filha, Ciça chegou à seleção brasileira. Foi campeã mundial sub-20 em 2001, na República Dominicana.

Chegou ao time adulto e disputou o Grand Prix em 2002, quando a seleção dirigida pelo técnico Marco Aurélio Motta ficou em quarto lugar. No ano seguinte, chegou a ser convocada, mas não apareceu na relação que foi ao Mundial da Alemanha. Com Ana Cristina se destacando, Ciça não se incomoda com as poucas chances que teve na seleção adulta. "Ver a filha na seleção brasileira é uma felicidade que não sei nem como descrever", afirma ela, que não esconde uma frustração na carreira.

"Meu sonho era ter jogado com a minha filha. Mas não aguentei fisicamente", conta ela, que deixou de atuar em 2017. O período curto entre a aposentadoria e o início da carreira da filha foi suficiente para ter atuado ao lado de alguns dos destaques da seleção brasileira atual.

"Joguei com a Fê Garay, a Macris, a Roberta, a Camila Brait. A maioria em São Caetano. Não sei se cheguei a dar conselhos a elas. A Fê Garay sempre foi muito cabeça, e conversava bastante com a Macris", conta.

Hoje, essas atletas são as mentoras de Ana Cristina. " Talvez minha mãe tenha ajudado elas no crescimento da carreira, e hoje são elas que me ajudam", conta a caçula da seleção brasileira.

O papel de protagonismo na área, porém, ainda é da mãe, que além de tudo atuou na mesma posição. "Dei bastante dica sobre fundamentos, esquema de jogos. A gente conversa bastante", afirma Ciça.

Ana Cristina pode ser a caçula da equipe em Tóquio, mas é também a mais alta, com 1,93 m. Está um centímetro acima da experiente Carol Gattaz, que, aos 39 anos, tem a mesma idade de sua mãe.

"Acho que a ficha ainda não caiu, mas estou imensamente feliz", conta a jovem, usando uma expressão antiga para sua geração conectada. "Não esperava estar aqui tão nova. Estou me dedicando ao máximo e ajudando meu time da melhor forma que eu posso."

O início da carreira, porém, não foi numa quadra de vôlei. Quem entrega é Natália Kohatsu Quintilio, 38, professora de educação física que teve Ana Cristina como pupila. "Ela competiu nos Jogos Escolares de São Caetano na queimada. Inclusive a gente ficou em segundo lugar no ano em que ela participou", conta Natália, que tinha um problema adicional para inscrever a espigada menina nas competições.

"O pessoal pedia o RG para comprovar a idade. Ela sempre foi a mais alta da turma."

Como a jovem logo descobriu que queimada não é um esporte, mudou de modalidade. Começou então em São Caetano, passou pelo Pinheiros e disputou o primeiro ano de adulto no Sesc-Flamengo sob o comando de Bernardinho. A equipe foi eliminada, mas Ana Cristina ganhou destaque na campanha. Foi a nona maior pontuadora da Superliga, com 3,66 pontos por set, e a 12ª melhor sacadora, com 18 aces.

A visibilidade, além de render a convocação precoce, gerou interesse do exterior. Após Tóquio, a ponteira vai defender o Fenerbahçe. Como é menor de idade, a transferência fará com que toda a família se mude para a Turquia. Com tudo acontecendo tão rápido, ainda não teve tempo de se preparar para a mudança.

"Só sei falar 'günayd?n', que é bom dia", brincou a jogadora.