SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - É comum que sua equipe tenha menos posse de bola que o adversário. Em alguns casos, a diferença é bastante considerável, como nos duelos contra Brighton e Tottenham, que aconteceram em fevereiro, quando ficou apenas 31% e 34% do tempo com a bola no pé, respectivamente.

Para Sean Dyche, porém, a estatística que menos importa é justamente essa. Afinal, o Burnley, que ele comanda desde 2012, venceu as duas partidas em questão, resultados fundamentais na briga pela permanência na Premier League.

Neste sábado (2), o time do treinador inglês, 19º colocado e vice-lanterna na classificação, recebe no estádio Turf Moor o líder Manchester City, de Pep Guardiola. Um técnico que concebe o futebol, em linhas gerais, a partir da bola e da rápida recuperação dela quando a perde.

Dyche caminha na direção oposta quanto à estratégia para chegar ao gol adversário. Seu goleiro troca poucos passes com os companheiros, seus zagueiros não se privam de dar chutões para frente e ele gosta de centroavantes grandalhões capazes de disputar e ganhar pelo alto dos defensores rivais.

Se o Manchester City é o time que completa mais passes nesta edição da Premier League (20,006), o Burnley é o último no quesito (8,638). Por outro lado, é quem mais aposta nos lançamentos longos (1.914).

"É um mito que apareceu há uns cinco anos essa ideia de que a posse vence jogos", disse Sean Dyche após uma vitória sobre o Liverpool, no início da temporada 2016/2017. Sua observação muito provavelmente indicava como ponto de partida o sucesso do Barcelona de Guardiola e da seleção espanhola no começo da década passada.

Levantamento do jornalista John Muller no site The Athletic escancara o desprezo que o técnico tem por um futebol de passes curtos, triangulações e bola no chão.

Com o campo dividido em 30 quadrantes, cada um dos espaços mostra quem tem mais posse nessa região específica do gramado. De acordo com o exibido no diagrama, o Burnley perde em 26 deles. Até mesmo na própria grande área, dividida em apenas três quadrantes, há um deles (no lado direito da defesa do Burnley) no qual rivais conseguem trocar mais passes do que o time de Dyche.

Além dos outros dois quadrados de sua área defensiva, a equipe só toca mais na bola nas zonas de escanteio ofensivas. "Em parte graças aos escanteios", escreve Muller, e o técnico do Burnley adora a possibilidade de alçar a bola na área, "mas também por que uma equipe gostaria de ter a bola na própria bandeirinha de escanteio?".

Em uma liga cosmopolita que reúne, além de Guardiola, nomes como Jürgen Klopp, Thomas Tuchel, Antonio Conte e, até pouco tempo atrás, contava com Marcelo Bielsa, a forma como Sean Dyche enxerga o jogo pode parecer anacrônica. Mas seu perfil respeita uma tradição inglesa de futebol, algo que se perdeu à medida que a Premier League abriu gradualmente suas portas para profissionais estrangeiros e suas influências.

Formado nas categorias de base do Nottingham Forest no fim da década de 1980, Dyche foi um zagueiro central que fez carreira nas séries inferiores do futebol inglês. Defendeu clubes como Chesterfield, Bristol City, Luton Town, Millwall e Watford.

Se a primeira divisão do país (em uma época anterior à Premier) já não era o palco do futebol mais vistoso do planeta, as divisões de acesso exibiam um espetáculo ainda mais rústico. Bolas longas, entradas duras e gols de cabeça representavam a norma.

Esse estilo (ou a falta dele, dependendo do ponto de vista) foi muito influenciado por Charles Hughes, diretor técnico da Football Association nos anos 1970. Ele criou, com base no uso seletivo de dados estatísticos, o conceito das "posições de máxima oportunidade", isto é, a necessidade que as equipes tinham de tentar lançar a bola na área adversária para, supostamente, gerar mais chances de gol.

É o que faz Sean Dyche no Burnley, um tipo de estratégia da qual ele não abre mão e que tem tido relativo sucesso à frente do time, comandado por ele desde 2012, o que o torna o treinador com o trabalho mais longevo entre seus colegas da Premier.

Em 2014, conseguiu o acesso à primeira divisão, mas foi rebaixado em sua estreia na elite. Apesar disso, teve o contrato renovado e subiu novamente em 2015/2016, dessa vez como campeão da Championship. Desde então, tem mantido o Burnley no escalão de cima, incluindo um sétimo lugar na temporada 2017/2018 que levou o clube à disputa da Europa League.

Depois de fugir do rebaixamento com a 17ª colocação na Premier 2020/2021, Dyche, que vê o Burnley a quatro pontos do Everton, o primeiro fora da zona de rebaixamento, tenta evitar um novo descenso. Com chutões, bolas longas e disputas pelo alto, ao velho estilo britânico que aprendeu como jogador e que hoje, sem constrangimento algum, reproduz como técnico.