TÓQUIO, JAPÃO (FOLHAPRESS) - Chefe da delegação brasileira nos Jogos de Tóquio, Marco La Porta, 54, diz em entrevista à reportagem que a condução inadequada do governo brasileiro na pandemia causou temor de que o grupo enviado ao Japão fosse alvo de discriminação.

Militar da reserva e vice-presidente do Comitê Olímpico do Brasil, ele define a entidade como "apolítica" e defende a livre manifestação dos atletas durante a Olimpíada, seja para falar bem ou mal do governo, nos momentos autorizados pelo evento.

"Cada um se manifesta da maneira que achar melhor e assume as consequências", afirma.

La Porta diz concordar com a decisão da realização da competição neste momento e afirma que os atletas já se acostumaram a competir sem torcida.

Sobre a principal polêmica do Brasil nos Jogos até agora, o veto ao credenciamento da modelo Yasmin Brunet, mulher de Gabriel Medina, como sua treinadora, o dirigente tenta minimizar, mas deixa recado ao surfista: "Não vai dar para colocar na conta do COB [se ele perder]".

Ele também demonstra preocupação com o futuro do esporte olímpico diante da queda abrupta de recursos e da fuga de patrocínio das estatais.

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Pergunta - Esta Olimpíada é muito diferente de tudo. Quais são suas primeiras impressões?

Marco La Porta - Muitas dúvidas no início, principalmente com o "contato próximo", algo que muito nos preocupava. Se alguma pessoa é infectada e o atleta estivesse próximo precisava entrar numa quarentena de 14 dias. Houve mudança. No restante, estamos com muito rigor com o protocolo. Preocupa agora é que começa aumentar o número de atletas na Vila. Temos conversado muito com os atletas. Todos que chegam passam por reunião de boas-vindas, quando a gente dá todas as recomendações.

A gente não vê clima na cidade para a Olimpíada. O sr. tem percebido a mesma coisa?

MP - Ainda convivo muito nas instalações esportivas. As cidades que receberam nossos atletas estão à vontade, felizes de a gente estar ali. Fui a Sagamihara para agradecer ao prefeito, e eles estavam muito exultantes.

Era o momento para ter Olimpíada?

MP - Acho que sim, a partir do momento em que tem competições acontecendo no mundo inteiro. E acho que passa uma mensagem de que, daqui para frente, passando esse problema, vamos superar e retomar pouco a pouco a normalidade. O COI tem nos passado uma tranquilidade. Eles têm conversado com autoridades japonesas. As medidas são importantes, vão prevenir. Mas zerar o risco, a gente não vai zerar nunca. É tentar ao máximo evitar os problemas para ter os Jogos mais seguros possíveis.

Qual o impacto da falta de público para o Brasil?

MP - Estava preocupado com essa falta de público antes de chegar aqui, porque alguns atletas reagem diferente. Alguns se motivam mais com o público, outros sentem um pouco a pressão da torcida. Aqui, quando conversei com atletas, eles passaram que é indiferente, que já se acostumaram com a situação. Desde o ano passado estão competindo sem torcida, então não vai ser novidade.

O COB anunciou que houve atleta que não quis vacinar. Causou desconforto na delegação?

MP - O que passou a impressão errada, talvez da forma como foi tratado, é que vários atletas teriam se negado a vacinar. Não foi isso. Alguns não conseguiram tomar as duas doses, por questões logísticas. Alguns no exterior, e conseguimos com o comitê de lá fazer a vacinação, outros não. E aí, sim, tem alguns que, realmente, não quiseram tomar.

O esporte olímpico ainda usufrui do investimento feito desde os Jogos Rio-2016, mas vemos uma debandada de patrocínios das estatais. Que impacto isso vai ter?

MP - A maior parte do investimento no ciclo anterior estamos colhendo agora. E acho que vamos usufruir até Paris-2024. Permitiu que as confederações pudessem investir desde o alto rendimento até a base. Quando as estatais saíram, outros patrocinadores também saíram, a base começou a perder muito e isso vai impactar em 2028. O COB depende dos recursos das loterias, que não mudaram. Então a parte do alto rendimento não teve perda de receitas. Mas isso é alto rendimento. Se não tiver a base, não tem alto rendimento. Quando o Paulo Wanderley assumiu [o COB], a verba da área de desenvolvimento era de R$ 1 milhão a R$ 2 milhões e hoje está em R$ 14 milhões. A gente percebe que, se não cuidar da base, não vai ter alto rendimento.

Qual o impacto do doping do Fernando Reis, uma das principais chances de medalha do país?

MP - Tivemos uma decepção muito grande, a gente não está aqui pré-julgando qualquer situação. Fizemos um investimento muito grande. Muito chato perder um atleta desse numa reta final. Será que a expectativa de resultado era porque tinha potencial mesmo, ou porque estava fazendo uso de substância ilícita? Isso é, para imagem do esporte, sempre muito ruim.

O Gabriel Medina ainda está reclamando por não trazer a Yasmin Brunet. É injusta a crítica?

MP - Sim, até porque a gente conversou com ele. Explicamos a situação, aparentemente entendeu, porque o COB jamais vai prejudicar um atleta que tem uma chance de medalha de ouro. Não faríamos isso. Agora surgiu uma comparação de um caso com a atleta do atletismo que é totalmente descabida. É um profissional de educação física, um treinador, e ela não pode levar o treinador dela e está levando o treinador que a acompanha também, que é o marido dela. São casos totalmente diferentes. Mas assim que o Medina chegar, tenho certeza que vai estar focado na competição e trazer uma medalha para a gente.

Essa relação ficará estremecida?

MP - Acho que não, fomos bem transparentes com ele. Sei que a Yasmin não entendeu, passou uma impressão que o COB estava perseguindo. Se no início do ano, quando pedimos para indicar os nomes, e ele indicou o técnico australiano [Andy King], mas tivesse indicado a Yasmin, talvez não tivesse esse problema.

Se o Medina não ganhar medalha, a culpa será do COB?

MP - Uma boa dúvida, né. Pode ser que ele ache que atrapalhou a performance dele. Mas a gente espera que não, que ele ganhe a medalha, seja de ouro, prata e bronze, e a gente comemore muito. Não vai dar para colocar na conta do COB [se não ganhar].

O Brasil está marcado pelo negacionismo. O presidente negou vacinas, chamou o vírus de gripezinha. Vocês sentiram algum impacto em relação a isso?

MP - Era algo que me preocupava. Até pela questão do número de casos, a média móvel no Brasil hoje é muito alta, e acho que não houve uma condução adequada dessa questão. E nos preocupava que a gente chegasse aqui e houvesse algum tipo de discriminação, mas de forma alguma, até agora não senti isso. O tratamento que está sendo dado para nós é igual ao de todo o mundo, não está tendo nenhuma diferenciação, até porque trabalhamos bastante.

Qual é a sua principal crítica e do COB sobre a condução do governo?

MP - É uma crítica pessoal, não do COB. Acho que as vacinas poderiam ter vindo antes [para a população do país] e poderíamos estar com mais gente vacinada neste momento.

Esse ciclo foi muito marcado pela questão da manifestação dos atletas. Como estão enfrentando esse tema, principalmente com as mudanças de regras divulgadas recentemente?

MP - Hoje está bem claro como tem que funcionar, a hora em que o atleta pode se manifestar. Essa aqui é a hora em que ele pode se manifestar, na entrevista, com a imprensa, na coletiva, mídia, redes sociais. Isso o presidente Paulo Wanderley desde o início colocou bem claro e a gente segue o que ele fala, que nunca vai impedir o atleta de se manifestar. Mas existe uma regra, um regulamento que é a Regra 50, que ele não pode se manifestar no pódio, na área de competição [com as exceções recém-estabelecidas], e isso tem de ser seguido.

Não há nenhum problema para o COB em se manifestar nos locais permitidos, seja a favor ou contra o governo?

MP - Sem problema nenhum, o atleta tem direito de manifestação, aí cada um se manifesta da maneira que acha melhor e assume a consequências.

O que significou para o Brasil a saída do Carlos Nuzman (ex-presidente do COB) e qual o clima nesta Olimpíada?

MP - Foi uma mudança de mentalidade. Tínhamos uma forma de gestão até aquele momento e quando aconteceram todos aqueles problemas o esporte como um todo entendeu que precisava mudar, ser mais transparente e ter uma participação maior dos atletas. Nisso o COB foi pioneiro. Desde que o presidente Paulo Wanderley assumiu, e me juntei a ele, ele tomou as medidas necessárias, ampliou a participação dos atletas, aumentou a transparência. Hoje temos programa de gestão, ética e transparência. Talvez se não tivesse acontecido o que aconteceu a gente estaria repetindo os mesmos erros que foram cometidos.

Vocês não visitaram o presidente no Palácio do Planalto. Tem a ver com a percepção que vocês têm em relação ao governo?

MP - O comitê olímpico é apolítico, não tem uma posição política. O secretário [de Esporte] Marcelo Magalhães informalmente me procurou, me perguntou se a delegação poderia visitar o presidente Bolsonaro antes de vir para Tóquio, e eu expliquei para ele que não seria adequado. Não por questão política, mas porque queríamos evitar o risco de pegar um voo [até Brasília]. Estávamos isolando os atletas o máximo possível. Mas depois dos Jogos eu não via problema, porque é tradição de uma delegação que volta dos Jogos ir lá, agradecer ao presidente o apoio que o governo dá através do Bolsa Atleta ou outros programas. Então, provavelmente, se formos convidados, estaremos lá.

Qual controle estão fazendo em relação a atletas?

MP - Primeiro é a educação, conversar com eles o tempo inteiro. Do jeito que está montado aqui, se alguém, acredito que ninguém vai ter essa ideia, quiser sair, não vai conseguir.

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RAIO-X

Marco Antonio La Porta, 54

Vice-presidente do COB desde 2018, foi presidente da Confederação Brasileira de Thriatlon. É formado em Ciências Militares na Academia das Agulhas Negras e em Educação Física na Escola do Exército. É chefe da delegação brasileira em Tóquio-2020, função que também exerceu no Pan-2019.