Às vésperas da abertura, ativistas ainda buscam cancelamento da Olimpíada
PUBLICAÇÃO
terça-feira, 20 de julho de 2021
ALEX SABINO
TÓQUIO, JAPÃO (FOLHAPRESS) - Separados por 7.800 km, o professor Jules Boykoff e o advogado Kenji Utsunomiya partilham o mesmo objetivo: parar a Olimpíada. Pouco importa que a abertura oficial dos Jogos esteja marcada para esta sexta-feira (23) e a primeira competição aconteça antes disso, na terça (20, quarta-feira em Tóquio).
"Temos de questionar tudo: o desperdício de recursos, o problema da saúde pública e os japoneses que não estão sendo vacinados enquanto atletas estrangeiros estão", afirma Utsunomiya, 74, candidato derrotado ao governo da capital nas últimas eleições e ex-presidente da Associação de Bares do Japão.
De seu escritório do centro da cidade ele comanda a campanha "Cancele a Olimpíada de Tóquio para proteger nossas vidas", cujo abaixo-assinado já havia recebido 456.478 assinaturas até domingo (18).
Utsunomiya capitaliza a raiva crescente da população contra o evento esportivo. Pesquisa de opinião realizada em maio pelo jornal The Asahi Shimbun aponta que cerca de 80% dos japoneses desejam ver o evento, programado para acontecer inicialmente em julho de 2020, cancelado ou adiado por mais um ano.
"A decisão do governo de insistir com os Jogos desafia a lógica e desperdiça todo o esforço já feito pela população para conter a pandemia", afirma o advogado, que iniciou a campanha no ano passado, mesma época em que o americano Boykoff, professor de política na Universidade Pacific, no estado do Oregon, escreveu escrito artigos pedindo o cancelamento da Olimpíada.
Mesmo agora, às vésperas do início do evento, ele segue com a postura, já que o "COI [Comitê Olímpico Internacional] deseja apostar com as vidas dos atletas e da população japonesa". "Se começarmos a ver um aumento exponencial nos casos, a decisão mais responsável seria cancelar. A Olimpíada é opcional, na verdade. Não é um serviço essencial para a humanidade", defende o professor, um ex-jogador de futebol da seleção olímpica dos EUA que, em seu primeiro jogo, marcou Cafu em amistoso contra o Brasil.
Boykoff e Utsunomiya promoveram um encontro virtual no último dia 21 para discutir a realização dos Jogos e em que situação eles poderiam ser cancelados. Segundo a Universidade Johns Hopkins, 3.065 novos casos de Covid foram registrados no Japão no domingo (18) --há um mês, eram 1.636 infecções.
Ainda que o professor e o advogado sejam as faces mais visíveis e barulhentas da oposição à Olimpíada, eles não são os únicos. No mês passado, o sindicato de médicos, liderado pela Associação Médica de Tóquio, divulgou um documento pedindo que o governo do país considerasse a possibilidade de cancelar.
"Há um claro sinal de aumento de casos na capital. O sistema de saúde será colocado sob um estresse muito grande. Não podemos esperar que a população aceite restrições de movimento em um evento que vai receber milhares de pessoas do exterior", queixava-se Haruo Ozaki, presidente da Associação Médica de Tóquio. Duas semanas depois, o comitê organizador anunciou que as competições não teriam público.
Ativistas como Boykoff e Utsunomiya dizem que fazer a Olimpíada com ou sem espectadores não faz diferença nenhuma para o COI, já que a entidade vai receber o dinheiro dos direitos de transmissão de TV de qualquer maneira. O maior perdedor é o comitê organizador e as cidades que vão receber as competições. Elas deixarão de faturar US$ 800 milhões (cerca de R$ 4,2 bilhões) na venda de ingressos.
Na última quinta (15), o presidente do COI, Thomas Bach, defendeu que o risco de a Olimpíada espalhar casos de Covid-19 pelo Japão é "zero". Boykoff, que afirma não escutar o que o comitê olímpico diz sobre coronavírus, discorda. "Na vida, você precisa saber abrir mão de algumas coisas em nome da vida das pessoas. Os Jogos são uma delas. Eu escuto o que os médicos e a comunidade científica dizem."
Mas ele, Utsunomiya e outros ativistas sabem que, por contrato, a única entidade que tem a prerrogativa de adiar ou cancelar o evento é o COI, e não o governo japonês. "A lição que fica para outras cidades é perceber que o COI olha para si antes de tudo. Paris [sede em 2024], Los Angeles [2028] e Brisbane [possível escolhida para 2032] deveriam estar muito preocupadas com o que acontece em Tóquio."