SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Enquanto se prepara para tentar uma histórica terceira medalha olímpica seguida (foi ouro em Londres-2012 e prata na Rio-2016), Arthur Zanetti busca se isolar. Se dentro do ginásio ele diz não pensar em nada que não seja sua prova nas argolas nos Jogos de Tóquio, fora dele sofreu um corte de salário e vê sob ameaça um centro de treinamento de ginástica que leva seu nome.

Zanetti, 30, treina em São Caetano do Sul desde os 7 anos. Para 2021, a Secretaria de Esporte e Lazer da cidade da Grande São Paulo estipulou novo teto de pagamento para profissionais do esporte: oito parcelas de R$ 7.000 por ano.

Três pessoas, entre cerca de 500 (atletas, treinadores e outros profissionais contratados), foram afetadas por essa medida: o ginasta, seu treinador, Marcos Goto, e um supervisor da natação, que recebem acima do máximo estipulado.

"Eu não vou ficar por esse salário. Vou continuar treinando na cidade, mas não pela prefeitura. Vou treinar na estrutura que o COB [Comitê Colímpico do Brasil] me deu, que a Agith [uma associação de ginástica local] me deu, que a Rexona [marca da empresa Unilever] me deu. Pela população de São Caetano, mas não pela prefeitura", afirma Zanetti.

Pessoas próximas ao atleta reclamam que há um direcionamento nesses cortes e relatam que ele já recebeu sondagens para deixar a cidade. Goto, no entanto, sustenta que o foco é seguir em São Caetano até a Olimpíada e voltar a pensar na questão depois dos Jogos, que têm início marcado para 23 de julho.

Como publicou o jornal Folha de S.Paulo no último dia 16, a prefeitura contingenciou cerca de R$ 2,5 milhões do orçamento do esporte em 2021, 6% do total. Isso ameaça, segundo pessoas da ginástica, um importante berço de atletas da modalidade.

Reportagem da Globo mostrou no dia 19 que Zanetti estava entre os afetados pelo corte e que a redução não foi só no valor mensal, mas também no número de parcelas (que caiu de 10 para 8). Portanto, o teto de R$ 7.000 representa R$ 4.666 por mês, em 12 meses.

A secretária municipal de Esporte, Renata Trevelin, confirma as reduções. O treinador foi o mais afetado, perdendo 70% do que recebia. O ginasta viu seu pagamento cair pela metade.

Goto e Zanetti reclamam que não houve conversa e que o valor lhes foi imposto. Com a dupla, a secretaria pode economizar quase R$ 160 mil no ano. A medida deverá entrar em vigor por volta de maio.

"Hoje nossa discussão nem é só pelo valor, mas pelo desrespeito. As pessoas falaram pelas nossas costas, questionaram por que a cidade continuava mantendo a gente até hoje. Mantém porque nós damos resultado. Não estamos aqui de favor", afirma Marcos Goto.

"Não foi apenas no esporte. Todas as secretarias tiveram seu contingenciamento, obviamente beneficiando a da Saúde", diz Trevelin, ressaltando que os cortes vêm desde 2020, em razão da pandemia.

Segundo ela, houve também redução de mais de R$ 1 milhão na manutenção de equipamentos esportivos, e esse dinheiro deve ser voltado à compra de vacinas.

"Hoje, o Zanetti não está ligado diretamente à prefeitura, e sim a uma entidade desportiva, o Santa Maria [que recebe verbas estatais e repassa aos atletas]. Eu tenho por ele apreço e carinho, é um ícone mundial, adoraria que permanecesse na cidade. Mas é preciso que haja sensibilidade", completa a secretária.

Ela afirma ainda que, antes, 45% do orçamento da ginástica era destinado ao treinador e ao campeão olímpico. Também alega que a equipe do ginasta faz parte da oposição política ao grupo que comanda a prefeitura.

A atual gestão municipal vive incerteza. José Auricchio Jr (PSDB), que assumiu a prefeitura em 2016, foi reeleito no ano passado, mas tem a candidatura questionada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Anacletto Campanella Junior (Cidadania), vereador e presidente da Câmara Municipal, está como interino no cargo. Um novo pleito deverá acontecer em 2021, a não ser que o segundo colocado, Fabio Palacio (PSD), tenha parecer favorável no tribunal e seja empossado, ou que o tucano consiga reverter a decisão por meio de recurso.

Trevelin cobra do atleta "equilíbrio", já que ele tem outras fontes de renda --recebe bolsa por desempenho do governo federal, da Marinha e possui patrocinadores.

"A gente não é jogador de futebol. Tenho [renda] para conseguir pagar minhas contas e pôr comida em casa, mas para manter a estrutura, montar um grupo de trabalho, impossível", responde ele.

Zanetti atualmente treina no ginásio da Agith, em terreno cedido pelo município. A maioria dos equipamentos do local está no nome dele e do treinador por serem concessões do COB, da Confederação Brasileira de Ginástica, ou permutas conseguidas pelo atleta. Ele dispõe da equipe multidisciplinar que atende aos projetos esportivos de São Caetano e é bancada pela prefeitura.

Além dos problemas em sua cidade natal, o medalhista também vê ameaçado um centro de treinamento que leva seu nome, uma parceria com a Federação de Ginástica de Sergipe (estado onde fica a confederação nacional) na cidade de Carmópolis.

"Na gestão passada [da prefeitura], já houve um corte de verbas grande, e essa nova gestão quer finalizar [o projeto]. É triste. Não sei o que passa na cabeça desse pessoal. O esporte não é só saúde. É integração social, educação, desenvolvimento da criança, igualdade, respeito e disciplina. Não entendem isso, é uma pena", afirma o campeão olímpico.

Em 2020, em razão da pandemia, o Centro de Treinamento de Ginástica Artística Arthur Zanetti teve corte de pouco mais de 10% da verba repassada pela Prefeitura de Carmópolis, recebendo um total de R$ 7.500.

O orçamento para 2021 ainda não foi definido, mas, segundo a coordenação do projeto, o valor informado por Hyago França (presidente do clube de futebol Confiança e vice-prefeito da cidade na chapa de sua mãe, Esmeralda Cruz) é de R$ 5.000. Os profissionais entendem como insustentável.

O centro atendia, até 2019, cerca de 300 alunos de 5 a 17 anos, com um coordenador, três professores e três modalidades: ginástica rítmica, artística e de lazer. A população da cidade é de cerca de 17 mil habitantes.

Procurada pelo email informado em seu site, a prefeitura não respondeu.

O projeto foi criado em 2013, no início do ciclo olímpico da Rio-2016, para o qual Arthur Zanetti esperava contar com um novo centro de treinamento em São Caetano, mas que não ficou pronto nem sequer para a preparação de Tóquio, cinco anos depois.

A expectativa da Secretaria do Esporte do governo federal é de que o local seja inaugurado em março. Renata Trevelin, que assimiu o cargo em 2021, relata que a entrega deve atrasar ainda mais porque uma visita ao local no início de fevereiro identificou problemas na construção --a construtora terá mais 90 dias para resolvê-los.

O orçamento inicial da obra era de R$ 7,8 milhões. Após aditivos ao contrato, ultrapassou R$ 9 milhões. A prefeitura ainda terá que importar todos os equipamentos de ginástica para o local, o que além de aumentar o custo final da operação pode atrasar sua inauguração.

A cinco meses da Olimpíada de Tóquio, Zanetti afirma que seu foco é tentar conquistar uma terceira medalha em Jogos, o que seria um feito inédito nas argolas.

Marcos Goto diz que ele está 70% preparado para o principal evento do esporte. A única competição da qual deverá participar até lá será o Pan-Americano de Ginástica, em junho.

"Eu trabalho com uma psicóloga esportiva e ela me pergunta muito sobre problemas fora do ginásio. Eu falo que quando a gente sai da porta do ginásio, tem que resolver nossos problemas, mas quando entra, da porta para dentro, temos que esquecer tudo, focar no treinamento, porque qualquer desvio de atenção a gente pode causar uma lesão", conta Zanetti.

O ginasta afirma ainda não pensar em aposentadoria e espera competir nos Jogos de Paris-2024. Depois, pretende atuar mais na gestão esportiva (já integra o Conselho de Atletas do COB) e intensificar o trabalho em iniciativas de fomento à modalidade, como o projeto de Carmópolis ou o ginásio onde cresceu em São Caetano.