SANTOS, SP (FOLHAPRES) - Luan Carlos tinha apenas 22 anos quando se sentou pela primeira vez no banco de reservas como treinador profissional de futebol.

Preparador físico do Novo Horizonte, pequeno time de Ipameri, município de 27 mil habitantes do interior de Goiás, ele foi convocado às pressas para substituir o técnico Filinto Holanda, que havia deixado o clube. Surpreendeu ao vencer o América-GO por 1 a 0.

Uma semana depois, repetiu o mesmo placar diante do Itaberaí-GO, mas acabou preterido por outro técnico, 27 anos mais velho. Mesmo assim, a oportunidade foi como um marco para ele.

"Vi ali que poderia mesmo ser um técnico profissional. Era algo que alimentava todos os dias desde os 14 anos", conta à Folha de S.Paulo.

Sete anos depois do episódio de 2015, o treinador assumiu no último dia 16 de maio o Brusque-SC como o mais jovem entre todos os 124 que disputam as quatro principais divisões nacionais -60 deles nas séries A, B e C e outros 64 na D.

Na Série B, onde o clube catarinense ocupa a 12ª colocação, Bruno Pivetti, 38, do Tombense-MG, é quem mais se aproxima de Luan. Ele é 43 anos mais jovem do que Felipão, o mais experiente da elite com 73.

"Foi uma oportunidade única, não tinha condições de rejeitar. Chegar à Série B com essa idade não estava nem nos meus melhores planos", explica.

No clube, o técnico comanda ao menos 15 jogadores mais velhos do que ele. Na lista estão nomes conhecidos, como o zagueiro Wallace, 34, ex-Corinthians e Flamengo, o lateral-direito Pará, 36, ex-Santos, Flamengo e Grêmio, e o meia Guilherme, 33, ex-Atlético-MG, Corinthians e Cruzeiro

"Vejo a minha situação como uma motivação para outras pessoas que não foram jogadores ou nasceram no meio. O treinador que foi jogador tem algo que nunca vou ter, então preciso preencher de alguma forma. Tenho uma limitação e preciso diminuí-la, por isso busco muito conhecimento", completa.

Luan já havia dirigido equipes na Série D. Estreou em 2019 pelo Atlético-CE e, nos dois anos seguintes, passou por Goianésia-GO e Brasiliense-DF. Começou a atual competição pelo Caxias-RS, mas chegou ao maior estágio da carreira até aqui.

A obsessão por virar treinador começou cedo e foi melhor compreendida aos 15 anos, após uma grave lesão no joelho. Impossibilitado de seguir jogando, resolveu abrir uma escola de futebol, enquanto conciliava a função de auxiliar de roupeiro no Novo Horizonte.

No período, uma conversa com a mãe expôs a ele a verdade incômoda e surpreendente sobre quem era o pai que não conhecia até então: o ex-zagueiro e também treinador Paulo Marcos, que atuou no Internacional na década de 1970 e comandou diversas equipes do país.

"Para mim foi chocante e impressionante, mas tudo passou a fazer sentido. A minha família não tinha envolvimento algum com futebol e eu tinha uma ligação que não compreendia. Temos hoje um bom relacionamento, não é um relacionamento entre pai e filho, mas cultivamos uma boa amizade", relata.

A carreira precoce foi forjada na sala de aula. Ele entrou para o curso de educação física aos 16, na UFG (Universidade Federal de Goiás). A primeira chance no banco foi no Novo Horizonte, mas a transformação aconteceu na chegada ao Uniclinic, atualmente Atlético-CE, clube arrendado pela empresa do atacante Ari, que atuou durante toda a última década no futebol russo por equipes como Spartak Moscou, Krasnodar e Lokomotiv Moscou.

"Foi uma oportunidade incrível, sou muito grato. Ele [Ari] me levou para estágios no Benfica, no Sporting e na Rússia. Consegui ainda fazer um curso da Uefa e, principalmente, mergulhei muito no que se escreve em Portugal", conta.

Dois nomes passaram a exercer enorme influência em suas ideias, o principal deles o professor e filósofo português Manuel Sérgio Vieira, considerado um dos principais mentores de José Mourinho e de Jorge Jesus. O outro nome é Júlio Garganta, professor da Universidade do Porto e respeitado estudioso do esporte.

"Tudo o que pesquiso e estudo me fez ver que a teoria só faz sentido se for determinada a prática. Ela precisa estar alicerçada em ações práticas, ser acessível", diz.

Foi no clube cearense que Luan entendeu que poderia ir além na carreira ao superar o Fortaleza de Rogério Ceni em pleno Castelão. Após sofrer um gol logo aos 20 segundos de partida, virou o ainda no primeiro tempo. Ceni foi ao vestiário para entender o feito do jovem treinador.

"Foi marcante porque ele me disse que ser um líder como jogador era diferente de ser um líder como treinador, que estudar o jogo era fundamental. Ele queria entender como consegui vencer, como conseguimos prever certas jogadas", conta.

Estudioso, Luan Carlos conta ter lido biografias de técnicos como Jürgen Klopp, Carlo Ancelotti, Pep Guardiola, Marcelo Bielsa, Carlos Carvalhal, Abel Ferreira, além de estudos científicos. Fez ainda pós-graduação em fisiologia do exercício e psicologia do esporte.

"Em Portugal há muitos treinadores vindos do mundo acadêmico, que não são atletas. O conhecimento pode, sim, abrir muitas portas".

Apesar do início meteórico, chegou a parar com o futebol e voltar para a própria cidade em 2018 para ficar perto de sua tia, que morreu por complicações de um câncer ao final daquele ano.

"Não andamos só para frente. Voltei para casa, ainda dirigi o time da minha cidade e conquistei o acesso para a primeira divisão. Isso foi ótimo, claro, mas vê-la na arquibancada e estar ao lado dela foi o meu maior presente. Não tem porque ser cego profissionalmente", conta.

"Não sei quanto tempo vou ficar no futebol, mas quero fazer tudo com intensidade. Não tenho medo, pouca idade jamais será pressão", conclui.

Na estreia pelo novo clube, Luan venceu a Tombense-MG em casa por 1 a 0.