PORTO ALEGRE, RS (UOL/FOLHAPRESS) - O Campeonato Brasileiro está repleto de treinadores estrangeiros. Oito já passaram por times da Série A desde o início da disputa, mas um deles não se sente de fora no país: trata-se do uruguaio Diego Aguirre, treinador do Internacional, que, em seis oportunidades diferentes, já morou em três cidades do Brasil.

Agora em Porto Alegre, o técnico "metade brasileiro", como ele mesmo diz, falou, em entrevista exclusiva à reportagem, que aceitou a oferta colorada antes mesmo de ver os detalhes, tudo pela identificação com o clube.

"Quando eu recebi a proposta do Inter, falei 'vou' antes de falar de qualquer coisa, dinheiro, nada", disse Aguirre ao explicar sua segunda passagem no reservado vermelho. Ele já tinha comandado o time em 2015, quando conquistou o Gauchão e só deixou a Libertadores nas semifinais, em eliminação que determinou também sua demissão do time, vista como uma decisão questionável da diretoria da época.

Mas a ligação à equipe colorada não fica apenas no comando. Diego foi atacante do clube entre 1988 e 1989. "Estou em casa no Inter. Estou integrado, perto da minha casa no Uruguai, da família, conheço a cidade há muito tempo, tenho muitas lembranças, bons amigos, a torcida sempre me tratou com muito respeito. São coisas que eu valorizo muito. A proposta veio, a decisão já estava tomada", completou.

Aguirre vive sozinho na capital gaúcha. A família ficou no Uruguai e visita o treinador eventualmente. No pouco tempo livre que a rotina do futebol autoriza, ele se divide entre alguns jantares, caminhadas e academia. "Me sinto feliz com o trabalho. Para mim, ficar quatro, cinco, seis horas no clube trabalhando em coisas sobre o time me faz feliz", contou.

Aos 56 anos, Diego Aguirre foge ao padrão de treinadores de fora do país. Normalmente avessos a entrevistas —alguns não falam nem antes dos jogos— ríspidos, cheios de exigências, os treinadores de outras nacionalidades preferem o isolamento do campo —Diego não. Solícito, educado e calmo a cada manifestação, Aguirre diz entender cada parte do processo do futebol e se sentir até pertencente ao Brasil.

"Em 2015, eu era o único estrangeiro no Brasileiro [Osorio assumiu o São Paulo com o campeonato em andamento] e se dizia em programas esportivos que treinadores estrangeiros não dão certo no Brasil, não se adaptam. Era uma coisa que o tempo mostrou que não era verdade. Para mim é muito bom que as portas se abriram para os estrangeiros. Há um intercâmbio cultural de futebol, como acontece na Inglaterra, Espanha e Itália. Por que não no Brasil?", questionou.

"Mas eu não me sinto estrangeiro. Já joguei no Brasil [em Inter e São Paulo], comandei três times [Inter, São Paulo e Atlético-MG], morei em São Paulo, Belo Horizonte, e em Porto Alegre é minha terceira vez. Me sinto metade estrangeiro, metade brasileiro, essa é a verdade", disse com um sorriso.

Quando Aguirre assumiu o time, o Inter lutava contra a linha de rebaixamento, era criticado por vazar em bolas aéreas e recebia pressão da torcida até com protestos violentos pela conduta dos jogadores. Edenilson e Guerrero chegaram a admitir a intenção de deixar o clube, e até a preparação física era alvo de reclamações. Agora, o dia a dia não lembra em nada a tempestade que passou.

"Quando os times mudam de treinador, é que alguma coisa não está bem. Havia muitas críticas, se falava que o time não tinha personalidade, que defensivamente estava muito mal, que era psicologicamente abatido, muitas coisas ruins. Pouco a pouco fomos melhorando, passamos confiança para os jogadores. Hoje o time é organizado, luta muito, acredita, e estamos evoluindo a cada jogo", disse.

São sete partidas de invencibilidade no Brasileiro, sequência que o time tenta ampliar ao receber o Bahia às 16h deste domingo (26). Há quase dois meses sem conhecer derrota, a equipe está firme na briga por uma vaga na próxima Libertadores. Lutar contra o rebaixamento —a realidade na chegada de Aguirre— passa longe da pauta colorada atualmente.

"É verdade que havia algumas dificuldades de pressão, os jogadores não estavam muito felizes, mas são coisas que acontecem. Sei que peguei um time com dificuldades. Mas sempre achei um elenco muito bom", disse. "O mais importante é que os jogadores voltaram a ter confiança, a sentir identificação com seu futebol, passa por aí. O principal que fizemos é com que se sintam felizes novamente", comentou.

Taticamente, a mudança foi nítida: de um time que sofria muitos gols para uma defesa sólida que ficou nove jogos sem ser vazada. O objetivo agora é também crescer na fase ofensiva. "Gosto de construir meu time de trás para frente. Tem que segurar, fechar, não levar gols, para as coisas acontecerem. É verdade que recebemos algumas críticas e sei que temos que melhorar na construção do jogo e na fase ofensiva, mas, sobre as críticas defensivas, sobre emocional, já não se fala mais, ficaram para trás", pontuou.

Aguirre ainda traz lembranças de sua passagem pelo Inter em 2015, um bom trabalho interrompido de forma abrupta por problemas que não diziam respeito diretamente ao campo. A direção da época, cujo presidente era Vitório Píffero, criticava publicamente o treinador e não deu respaldo para sequência.

O uruguaio acabou demitido em agosto daquele ano. Na temporada seguinte, o Inter foi rebaixado para Série B. Anos mais tarde, a gestão da época foi excluída do clube por gestão temerária e é alvo de ação do Ministério Público.

"É verdade que se interrompeu um trabalho que foi bom. Sabemos que no Brasil é assim, se interrompe muitas vezes o trabalho. Eu sentia que tinha muito a dar ainda. Recomeçamos neste ano o que deixamos há seis anos. O caminho é longo, temos muitas coisas pela frente, mas pensamos e acreditamos em fazer um bom ano", contou.

"A demissão... Nós estávamos muito iludidos de ganhar aquela Libertadores. Eu senti que era injusto porque o ano tinha sido bom. Mas eu não gostaria de falar do que aconteceu depois. São coisas feias, tristes", acrescentou.

Em sua volta, Aguirre assinou com o clube colorado até o fim de 2022. Hoje, se vê mais maduro, experiente e pronto para dar continuidade ao trabalho que tinha ficado interrompido em 2015. Ele mira solidificar um modelo de jogo que traga a essência do Inter vencedor de novo ao gramado.

"Não existe nada melhor que a experiência. A experiência não se compra, você tem que viver para pegar. Depois do Inter, eu estive em grandes clubes: San Lorenzo, São Paulo, Atlético-MG... No Qatar se amadurece muito também como pessoa. Hoje meus filhos estão maiores, eu estou mais calmo, aprendi a conviver melhor com a pressão, e não tenho dúvida que sou melhor treinador."

"Obviamente, temos muito a melhorar dentro do nosso modelo de jogo. Eu gostaria que o Inter jogue melhor. Os jogadores não tiveram dificuldades de entender nosso modelo porque é um modelo identificado com o Inter. Joguei no Inter, treinei o Inter, e isso facilitou muito", continuou.

"Hoje o clube vive uma realidade diferente [de 2015]. Eu sei que não podemos fazer grandes contratações. A parte financeira é importante, e o Inter tem dificuldades. Mas a direção me disse isso lá no começo, eu sempre soube que seria assim. Peguei o time e sabia o que aconteceria. Eu me adapto ao momento do Inter e tento ajudar colocando os jovens para jogar. Obviamente que alguma contratação vamos fazer. O que não muda é o objetivo de ser protagonista. O Inter é um clube gigante que deve sempre estar olhando para cima", finalizou.

Estádio: Beira-Rio, em Porto Alegre (RS)

Horário: 16h (de Brasília) deste domingo (26)

Árbitro: Bruno Arleu de Araújo (RJ)

VAR: Carlos Eduardo Nunes Braga (RJ)

Transmissão: TV Globo e Premiere