A Olimpíada delas
Tóquio 2020 e a equidade de gênero no esporte
PUBLICAÇÃO
sábado, 07 de agosto de 2021
Tóquio 2020 e a equidade de gênero no esporte
Tamiris Anunciação - Especial para a FOLHA
Daiane Dos Santos, Marta, Formiga, Rebeca Andrade, Rayssa Leal ou fadinha do skate, Simone Biles e outros inúmeros nomes do esporte feminino que têm ganhado destaque neste e em outros jogos olímpicos têm em comum o fato de serem mulheres, cada uma em sua modalidade e nacionalidade, em um meio estruturalmente machista.
Dizer que os jogos olímpicos são dominados por homens não é exagero. Nas primeiras competições da era moderna do evento esportivo, em 1896, em Atenas, na Grécia, 14 países participaram, contabilizando 241 atletas, todos homens, porque as mulheres eram proibidas de competir e até mesmo de assistir. “Isso acontecia porque eles acreditavam que as mulheres eram frágeis, podendo levar até mesmo a condenação à morte para mulheres que assistissem aos jogos”, conta a Juliane Cristina Leme, professora mestre do Departamento de Ciências do Esporte da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e doutoranda em Educação Física.
A Olimpíada de Tóquio chega ao fim neste domingo (8) deixando como grande legado não só as histórias de atletas jovens e inspiradores, mas a quase equidade de mulheres e homens na competição. Segundo o Comitê Olímpico Internacional (COI), em Tóquio 2020 as mulheres representam 49% do elenco atlético da edição, um número expressivo e que surpreende, quando comparado com a porcentagem de apenas 2% de mulheres nos jogos de 1900. E no caso do Brasil, a maior participação de mulheres nos Jogos deste ano demonstrou que a força está com elas. Das 20 medalhas já garantidas pela delegação brasileira em Tóquio - sem contar as possibilidades de bronze do vôlei masculino e de um pódio para Isaquias Queiroz na canoagem de velocidade C1 1000m -, quase metade (9) foi conquistada nas modalidades femininas, sendo três delas a de ouro (Rebeca Andrade no salto sobre a mesa na ginástica artística, Ana Marcela Cunha na maratona aquática e a dupla Martine Grael e Kahena Kunze na vela). Rebeca ainda foi prata na individual geral, assim como a menina Rayssa Leal no skate street. Ficaram com o bronze a judoca Mayra Aguiar, medalhista em duas olimpíadas seguidas, e a dupla de tenistas Laura Pigossi e Luisa Stefani. A pugilista Beatriz Ferreira e o time feminino de vôlei ainda brigam pelo ouro na madrugada deste domingo (8).
OBSTÁCULOS
O aumento da representatividade feminina nas Olimpíadas foi gradativo e cheio de obstáculos. “A partir dos anos 2000 houve uma melhora, chegando a 40% das participações femininas, isso considerando todos os países. No Brasil também houve melhora, no entanto, nunca houve mais mulheres competindo do que homens ou até mesmo a igualdade”, explica Juliane Leme.
Da representação feminina zero à expectativa da marca de 50% de atletas mulheres para 50% de atletas homens nos jogos de Paris 2022. Essa conquista é toda delas, daquelas que lutam por espaço e criam suas próprias oportunidades, mesmo sem o reconhecimento que merecem. O caso da camisa 10 da seleção brasileira de futebol feminino, Marta Silva, que em protesto joga sem patrocínios desde a última copa do mundo.
Apesar dos números que apontam para um futuro com mais igualdade de gênero no esporte, muitas coisas ainda estão longe do ideal, como o incentivo, patrocínio, marketing esportivo e a representação nas comissões técnicas e outros postos de trabalho. “Em 2018 o prêmio geral da Copa do Mundo masculina foi de R$ 400 milhões, enquanto para a feminina foi de R$ 30 milhões. A gente já percebe aí uma diferença muito grande, além das diferenças salariais enormes. Aí vêm outras questões como o marketing esportivo, que é voltado em grande parte para as modalidades masculinas”, destaca a professora. De toda a cobertura esportiva mundial, apenas 4% é dedicada às modalidades praticadas por mulheres.
A batalha das mulheres por igualdade de gênero no esporte vai além das oportunidades em competições e por espaço. A batalha é por igualdade dentro e fora dos campos, quadras, piscinas, tatames, tablados; é por igualdade no esporte e na vida, por um mundo em que nenhuma mulher precise provar sua capacidade de realizar algo. Porque se tem algo que Tóquio 2020 tem mostrado é que o que não falta para as mulheres é capacidade e vontade de vencer.
Protagonismo londrinense
Márcia Menezes e Adelly Brito são duas atletas londrinenses cheias de garra e com histórias motivadoras de força e protagonismo de quem se dedica a viver do esporte. Adelly Brito descobriu o talento para os esportes, ainda mais para o atletismo, adolescente, nas aulas de educação física da Escola Estadual José de Anchieta. Incentivada pelo professor, a atleta foi competir nos jogos escolares da época e das cinco provas que competiu ganhou três. “Me descobriram.” O próximo passo foi treinar e competir para o campeonato paranaense, onde também foi pódio das três provas que disputou.
A decisão definitiva de dedicar a vida ao esporte e ao atletismo só veio alguns anos depois dos campeonatos em que participou. “Com 17 anos fui na UEL, me aceitaram e não parei mais”, conta a atleta.
Aos 34 anos, a londrinense mora e treina em São Paulo, e acumula os títulos de recordista paranaense dos 100 metros com barreiras, é a 7ª mulher mais rápida do Brasil, medalhista de ouro no Troféu Brasil de 2015, 3º lugar no campeonato sul-americano, além de ter disputado em Toronto, alcançando sua melhor marca, e o mundial na China.
A trajetória brilhante de Adelly também é marcada por situações em que o machismo e o racismo foram outros obstáculos vencidos, como conta. “Quando você é mais nova você acha que a diferença é só por causa do resultado, e depois começa a pensar ‘e se eu fosse um menino?’. Também existem situações em que você é julgado pelo seu tom de pele, mas nós, mulheres negras, temos muito a oferecer, nós temos uma história.”
Adelly se sente orgulhosa de tudo o que conquistou até aqui, mas principalmente pelo legado que ela e outras atletas construíram para as novas gerações. “Esse é o nosso legado: plantar uma semente para que o nosso esporte não morra. A nova geração é excepcional e isso tem um pouquinho de nós.”
Campeã mundial de halterofilismo
Quem também tem deixado um legado de muita motivação dentro e fora do esporte é a paratleta de halterofilismo londrinense Márcia Menezes. Antes de encontrar a modalidade que pratica, Márcia passou pela natação e pelo atletismo, mas o halterofilismo a encontrou: 10 minutos antes de uma competição em São Paulo. Sem nunca ter treinado, a atleta fez três movimentos válidos no esporte. Desde então, Márcia vive do esporte e para ele. “Eu comecei com 40 anos, aos 43 estava na seleção brasileira, aos 46 conquistei minha segunda medalha internacional e a primeira medalha inédita para halterofilismo, no mundial em Dubai. Em 6 anos foram 11 medalhas”, conta Márcia.
Aos 54 anos, ela reside em Londrina e encontrou ainda mais motivação para continuar por meio do Instituto Pernas Preciosas, aqui do município, que oferece incentivo e apoio a paratletas. “O negócio é não desistir e fazer o que você realmente gosta. Eu estou aqui até hoje. Vejo muita garra mas mulheres, muito mais foco e dedicação, a nossa representatividade é enorme e muito importante,” destaca.
A representação de atletas femininas nos jogos paralímpicos também tem crescido. Desde a criação do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), a presença feminina nos jogos cresceu quase 10 vezes. O aumento do número de mulheres em todas as modalidades paralímpicas é um objetivo do planejamento estratégico da CPB até 2022. A principal meta é ocupar todas as vagas femininas que houver na delegação brasileira para a disputa dos Jogos.