A bola parada
Esse tipo de jogada virou a salvação dos que não produzem algo diferente, dos que querem transferir responsabilidade de criação
PUBLICAÇÃO
segunda-feira, 01 de agosto de 2022
Esse tipo de jogada virou a salvação dos que não produzem algo diferente, dos que querem transferir responsabilidade de criação
Julio Oliveira
O tempo de vida vai fazendo com que tenhamos mais rigidez nas análises cotidianas. Para alguns, ranzinzice; para outros, experiência. Mas tudo é apenas um processo natural do acúmulo de informações que vamos processando e transformando. O olhar muda naturalmente e cria novas maneiras de enxergar o que se constrói.
Neste processo de evolução ainda tenho dificuldades em entender uma prática extremamente recorrente no futebol de hoje: a bola parada. Desde quando comecei a acompanhar futebol, entendi o esporte como movimento, agilidade, velocidade e improviso. Futebol sempre foi o ato da surpresa para superar o adversário. E neste contexto, não há nada mais previsível do que “a bola parada”.
Às vezes, temos mudanças que são positivas, e outras, apenas nomenclaturas trocadas. Já tivemos os ponteiros que chegavam à linha de fundo e hoje temos os extremos, com pés “invertidos”, que também jogam pelos lados. Mas é jogo pelos lados. Podemos ainda dizer que o antigo “8” virou um segundo “5”, já que se diz que muitos jogam com dois volantes.
Mas nada ganhou tanto “poder” e espaço nestas mudanças quanto a “bola parada”. Virou a salvação dos que não produzem algo diferente, dos que não conseguem furar bloqueios, dos que querem transferir responsabilidade de criação, dos que não têm treinamentos eficazes. A “bola parada” virou arma ofensiva, virou chance clara de gol, virou tática. Sempre haverá a possibilidade do cruzamento, que é parte do jogo, mas atualmente qualquer falta no campo ofensivo é bola pra área. Até em lançamentos frontais, que favorecem completamente zagueiros e goleiros para o corte, a bola é lançada na área.
Mas minha irritação vem também com uma dúvida: se a “bola parada” virou uma arma – defendida por técnicos – por que se erram tantos cruzamentos numa jogada tão importante? Por que se cruza tão mal?
O melhor técnico do mundo na última década, Pep Guardiola, fez seus times superar os adversários com a bola em movimento, aproximação de jogadores e superioridade em partes do campo. Hoje, no Brasil, vemos técnicos defendendo ferozmente a força da “bola parada”, como uma superioridade fatal sobre os adversários. Aí, um time treina a bola parada defensiva porque o outro treina a bola parada ofensiva, e vamos vendo jogos horríveis só de cruzamentos na área.