Você se considera uma pessoa viciada em trabalhar? Existe um nome para isso: workaholic (trabalhador compulsivo). Trago esse termo para contextualizar um fenômeno que tomou conta do ambiente profissional.

Sabe aquilo de ler email, responder demandas do trabalho no WhatsApp ou preparar apresentações fora do seu horário de trabalho? Se você repete com frequência, sinto em lhe dizer mas pode estar fazendo 'hidden overwork.'

Hidden o quê? Seria algo como trabalho oculto ou sobrecarga invisível do trabalho.

São pessoas que realizam atividades do seu emprego em momentos de descanso. Leva esse nome de oculto ou invisível porque não são tarefas vistas pela chefia e não são jornadas estendidas ou hora extra remunerada.

Por que isso acontece?

Esse fenômeno é uma "obrigação velada" em que a pessoa trabalha mais porque se cobra em dar seu melhor para não comprometer sua carreira, afirma Renata Tavolaro, líder da equipe de psicólogos da orienteme, plataforma de gestão de saúde corporativa;

O profissional quer mostrar que está presente. Isso pode acontecer até quando ele está de férias.

Exemplos: manda email sobre um assunto que leu para mostrar ao chefe que ainda está ligado na empresa, diz Lucas Toledo, diretor executivo do PageGroup, empresa de recrutamento e seleção de executivos.

'Mas, e se for um investimento na minha carreira?' Até aí tudo bem, contanto que não gere um desgaste mental e comprometa seu descanso. Vamos aos exemplos: a pessoa faz algum curso, lê livro, ouve podcast em busca de aprimoração.

Desde que seja uma atividade que traga um significado ou propósito e que te ajude a alcançar alguma meta, diz Patricia Ansarah, psicóloga organizacional e fundadora do IISP (Instituto Internacional em Segurança Psicológica).

Quando trabalhar muito traz prejuízos:

Vira um comportamento tão nocivo e automático que o profissional não consegue parar de trabalhar;

Desgaste mental e físico como perda de concentração e estresse;

Distúrbios do sono como insônia;

"Quando você faz mais do que deveria e não tem retorno, isso gera frustração: 'Faço tanto pela empresa e não sou reconhecido'", diz Toledo.

As consequências são desmotivação e tomada de decisões erradas como pular de um emprego para outro.

A pandemia intensificou o trabalho oculto? Sim, especialmente pela adoção do home office.

"É como se você morasse no trabalho. No presencial, tinha momentos de conversa com os colegas e eram nessas situações que o profissional se desconectava do emprego. Em casa, o computador está sempre ligado. As pessoas não conseguem separar a vida profissional do trabalho", diz Tavolaro.

Como mudar isso?

Mude seu estilo de vida. Não só a alimentação, mas também os seus pensamentos. "Você alimenta seu cérebro do quê?", questiona Tavolaro.

Converse com seu líder ou com a equipe de RH da companhia para negociar suas atividades a fim de não te sobrecarregar.

Alô, empresas: Ansarah afirma que isso só é possível quando o profissional está em ambientes psicologicamente seguros em que o colaborador pode pedir ajuda e trazer suas inseguranças.

Onde buscar ajuda profissional?

Rede de Atenção Psicossocial

CVV (Centro de Valorização da Vida)

Voluntários atendem ligações gratuitas 24 horas por dia no número 188:

Falando em fenômeno do trabalho... 'hidden overwork' vai na contramão do 'quiet quitting' (demissão silenciosa) em que o intuito do movimento é colocar limites entre o pessoal e o trabalho. A ideia é não resumir sua vida apenas ao emprego.

O trabalho oculto pode desencadear um burnout? É o caminho. Explico como isso pode acontecer. Primeiro, a pessoa entra em um estado automático de ter que entregar resultados. Isso causa um sofrimento emocional que não é evidente, acontece de forma silenciosa e consome a energia psíquica do profissional. Aos poucos desencadeia os sintomas físicos, emocionais, relacionais e mentais. De repente, a pessoa está numa vida completamente disfuncional, que acarreta a improdutividade e impacta nas relações pessoais. Quando a gente vê, a pessoa pifou. Esse conjunto de sintomas que vai se estabelecendo leva ao esgotamento mental.

Sinais de desgaste provocado pelo excesso de trabalho: dores de cabeça, insônia e tremores, e sintomas emocionais como falta de motivação, baixo autoestima e perda de concentração.