Junte caldo de cana, ovos de Páscoa, água de coco e um cachecol. Não, não é uma receita, nem sugestão para um programa. Os itens citados guardam consigo outra característica que os agrupa: a sazonalidade. Em razão da estação do ano, data comemorativa ou costume, há produtos que são consumidos com maior adesão em determinadas épocas e, do outro lado da ponte, o profissional que atua com essas realidades, precisa ter bastante disciplina para lidar com as finanças. O planejamento é uma regra nessas áreas e os que atuam nessas atividades reconhecem as peculiaridades de suas escolhas, assim admitem que andam na linha para não passar por apuros nos outros meses do ano - e viver com segurança financeira.

Roberto Barroso vende água de coco e caldo de cana: "Sem empolgação", para equilibrar as contas nos meses frios
Roberto Barroso vende água de coco e caldo de cana: "Sem empolgação", para equilibrar as contas nos meses frios | Foto: Walkiria Vieira - Grupo Folha

O negócio do comerciante Roberto Barroso é vender caldo de cana e água de coco nas proximidades da barragem do Lago Igapó. Barroso adianta que no verão vende mais e no outono, o movimento já cai significativamente. E vai direto ao ponto: "No verão são 300 cocos por semana, com a queda da temperatura, se vender 50 cocos é muito", afirma. Já as 50 dúzias de cana semanais contabilizadas no verão se limitam a dez após a temporada de altas temperaturas.

De acordo com o comerciante, é preciso ter freio nos gastos. "Maio e junho são os piores meses e tem que reservar o dinheiro recebido no verão para poder passar pelo inverno com paz", já sabe. "Eu sou de uma família de sitiantes, pago tudo à vista e tenho as despesas fixas que chegam o ano todo, então tenho os pés no chão."

Feito a formiga das fábulas que se antecipa e dedica-se ao trabalho, Barroso reconhece ainda outras intemperies e por isso não vacila. "Na pandemia, ficamos um mês inteiro sem trabalhar e houve um verão que a cidade sofreu muito com as chuvas, houve destelhamento e muita destruição até aqui no entorno do lago, então eu sei que é preciso cautela, pois só a queda de temperatura já reduz bastante o consumo de líquidos e atrai menos pessoas para a rua", expõe.

QUANDO O INVERNO CHEGAR

Celi Lisboa de Oliveira, artesã de artigos de inverno: "Temporada de maior venda é de dois ou três meses apenas"
Celi Lisboa de Oliveira, artesã de artigos de inverno: "Temporada de maior venda é de dois ou três meses apenas" | Foto: Walkiria Vieira - Grupo Folha

A artesã Celi Lisboa de Oliveira é especializada em artigos para o inverno. Sapatos de lã, cachecóis, gorros e outras encomendas compõem o seu mix de produtos feitos à mão. Auxiliar de Enfermagem aposentada, Oliveira atua no projeto Economia Solidária, vinculado à prefeitura de Londrina sob a chancela da Secretária de Assistência Social. Pronta para o seu melhor período de vendas, a artesã trabalha com metas e sem perder de vista que os valores recebidos nesse período não representam o todo.

O investimento em linhas e lãs de qualidade é parte do mix da artesã. "A temporada dura dois ou três meses no máximo. Vendo bem, mas tenho consciência para não perder de vista a minha realidade, assim como a necessidade de bancar as compras. Para renovar a freguesia, Oliveira conta que a cada inverno se antecipa às tendências e sabe que uma das características das pessoas no tempo frio é querer usar roupas mais coloridas, elegantes e com identidade.

Com encomendas até para aqueles que irão viajar para locais frios, a artesã explica que nos outros meses do ano lança mão de suas outras habilidades manuais: "Daí entram as toalhas para lavabo e também as fraldinhas de boca e outros produtos personalizados. Eu sei que muitas pessoas valorizam o que é feito à mão e que gera renda para pessoas da região", cita. "Então eu persisto com a minha arte em todos os meses do ano para poder garantir uma renda", diz.

CHOCOLATE: O PROTAGONISTA DA ÉPOCA

A chef de cozinha Fatima de Oliveira tem 16 anos de experiência na produção de ovos de Páscoa. No período da Páscoa, a sua renda aumenta de 30% a 40% . "Só eu penso no depois que é o meu normal", sorri. Com um portifólio de produtos amplo, Oliveira conta que é assim que conserva a sua cliente, recebe pedidos e mantém uma produção equilibrada para o sustento de sua família e de seu negócio.

Com uma carteira de fornecedores pautada na qualidade, além dos bolos, docinhos de festa e salgados que a consagram, a chef explica que a Páscoa também está mais criativa e há quem diga mais democrática - e não se limita aos ovos fechados e embalados. "Há ovos recheados, pintados, trufados, com pedaços de brownie, palha italiana e com as cascas craqueladas e aparentes", enumera.

E nem só de chocolate sobrevive a Páscoa. "O chocolate é sim o protagonista, mas também faço bolos de cenoura para todo o mês de Páscoa e o mote ajuda nas vendas. E com o chocolate, dá pra criar: bombons variados com frutas secas e castanhas, os ovos de colher também fazem sucesso e promovem as vendas pela diversidade. Tem ovo de colher com recheio maciço, recheio de chocolate branco, meio amargo, amargo e ao leite", cita.

Quem deseja se dedicar para incrementar a renda deve lembrar que as embalagens custam caro, mas se bem cuidadas, podem ser reaproveitadas nos outros anos. "É bom investir em produtos bons e usar uma parte da renda para esses investimentos. Ela explica que pelo fato de seus produtos serem totalmente artesanais, é mais perto da Páscoa que ela começa a produzir os chocolates. "Precisa ter planejamento de tudo: dos gastos, do tempo de produção e a ciência de quem um dinheiro que parece bastante deve ser cuidado para os outros períodos em que vendemos naturalmente menos", divide.

Atividades sazonais remuneram, mas exigem planejamento

Mauro Calil: Educador financeiro e fundador da Academia do Dinheiro: "Quem vive numa gangorra de faturamento precisa ter disciplina, se planejar e jamais se empolgar"
Mauro Calil: Educador financeiro e fundador da Academia do Dinheiro: "Quem vive numa gangorra de faturamento precisa ter disciplina, se planejar e jamais se empolgar" | Foto: Roberto Custódio

O educador financeiro e fundador da Academia do Dinheiro, Mauro Calil, explica que toda atividade profissional cuja renda não é fixa, sim, requer planejamento financeiro diferenciado. "Existem duas formas mais adequadas de se fazer isso: a primeira é você é pegar uma média dos 12 meses do seu faturamento e ter como teto de gasto essa média. O ideal é gastar abaixo dessa média - 70% no máximo, para que você possa formar uma reserva e investir.

A segunda maneira, de acordo com o educador, é verificar o mínimo da renda e basear-se por ela: "Num mês ruim ou ou três piores meses e ajustar os seus gastos aos seus faturamentos. Fazendo isso, o seu padrão de vida cai muito, mas você vai investir o que sobra principalmente nos meses de mais fartura e consegue renda extra adicional advinda de investimentos financeiros. Exige disciplina, mas ao longo do tempo pode fazer com que o trabalhador tenha uma rende mais firme", explica.

Calil alerta que a auto sabotagem acontece quando a pessoa tem um mês muito bom. Quando isso acontece por dois ou três meses seguidos, há a impressão que isso nunca vai acabar e a pessoa começa entrando em financiamento, assumindo dívidas. Mas os meses ruins eles vêm e quem tem renda variável e quem vive nessa gangorra de faturamento sempre tem altos e baixos. Não pode se animar demais e assumir compromissos financeiros além da sua capacidade média quando você tem meses bons de faturamento", ensina.

Outro ensinamento o educador traz na gestão da renda e em relação à empolgação diante de uma bolada de dinheiro: "Esse é um dos principais erros por causa dessa empolgação diante de um faturamento adicional, uma semana muito boa, um mês muito bom. Não pode só se empolgar, é preciso lembrar dos altos e baixos e por isso não se deve gastar mais do que se pode, nem assumir dívidas de longo prazo, pois o faturamento ocorre dia após dia", ratifica o educador financeiro.

Passos importantes para quem lida com a sazonalidade, segundo Mauro Calil

1- Fazer um mapeamento dos seus custos mensais recorrentes - que podem ser ou não ser fixos; dessa forma, você sabe qual o mínimo que você precisa faturar para poder se manter;

2-Tentar reduzir os custos recorrentes ou substituir coisas caras e que não usa por coisas baratas.;

3- Estudar aquilo que entra no seu faturamento e verificar as possibilidades de fazer mais dinheiro dentro da sua atividade profissional e seguir um planejamento para aumentar essa quantidade de dinheiro que entra.

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