Um ambiente de trabalho tóxico faz mal. Atinge a produtividade e também a vida pessoal do colaborador. "É um local que afeta negativamente o bem-estar de colaboradores, resultando em aumento de estresse, ansiedade e preocupação. É aquele em que fofocas, abusos, brigas, coerção, abuso verbal, “puxadas de tapete”, manipulação e chantagem ocorrem regularmente." A explicação é do Gerente de Recursos Humanos e Responsabilidade Social da Empresa Tamarana Tecnologia, Docente e Consultor, Maurício Chiesa Carvalho.

Administrador com ênfase em marketing, psicanalista em formação, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, Carvalho é Conselheiro da Academia Europeia da Alta Gestão. Coautor de livros de Gestão e Liderança, atualmente é um dos maiores influenciadores do conceito e pensamento executivo da neonormalidade, o novo normal. "Os números conversam com a gente. Eles não mentem. Identificar é muito mais fácil que tratar. Baixo engajamento, rotatividade elevada, considerável número de faltas, reclamações de clientes, falhas nos processos internos impactadas no produto ou serviço final, perda de mercado, fiscalizações constantes pelos órgãos pertinentes, boicotes internos pelos próprios funcionários, salário como única moeda de troca, benefícios atrelados a faltas e disciplinas já são ações-reações, mesmo que veladas ou inconscientes", alerta.

O conceito de "ambiente tóxico no trabalho" é relativamente recente, mas sempre existiram ambientes conflituosos entre chefia e funcionários ou mesmo entre colegas de trabalho. Por que só agora isso foi identificado como toxicidade? Ou só nesse momento ganhou a devida importância?

O termo ambiente tóxico é relativamente novo. Contudo, seu fenômeno já é muito antigo. Com a evolução da tecnologia, o aprimoramento da legislação, o aprofundamento dos estudos em relação as consequências de empresas e chefias “ruins”, o maior enfoque na saúde mental e emocional das pessoas contribuíram para que ele fosse ganhando cada vez mais espaço. Reconhecer a toxicidade de uma relação é mensurar o quanto de dor e sofrimento essa convivência traz. Desconforto, inferiorização, descrença, humilhação e abuso são alguns comportamentos que podem existir em uma relação tóxica, seja no ambiente familiar ou nas organizações. Um ambiente de trabalho tóxico é um local que afeta negativamente o bem-estar de colaboradores, resultando em aumento de estresse, ansiedade e preocupação. É aquele em que fofocas, abusos, brigas, coerção, abuso verbal, “puxadas de tapete”, manipulação e chantagem ocorrem regularmente. O bem-estar elevado dos colaboradores é um dos principais fatores que geram benefícios diretos para as empresas.

Podem existir relações tóxicas entre colaboradores e chefia ou entre os próprios colegas de trabalho? A que se deve isso? Competitividade seria um dos fatores?

Podem existir entre pessoas, chefias, colegas e familiares. A competitividade de certa maneira é um “antídoto” a ambientes tóxicos, afinal, quanto mais competitividade o negócio ou segmento possuir, maior a necessidade de pessoas competentes. Nem sempre ganhar muito significa ganhar bem. Empresas que proporcionem uma maior qualidade de vida no trabalho (QVT), com propósitos semelhantes aos das pessoas, com um clima organizacional favorável, chefias assertivas, consequentemente, reduzirão o índice de toxidade ambiental organizacional (ITAO). Em contrapartida, a ausência destes itens de “atratividade ou retenção de pessoas competentes” é um potencializador para a existência ou ocorrência das relações tóxicas, que se manifestam em ambientes tóxicos. Para identificar isso, basta olhar a cultura da empresa. Se seus propósitos e valores são “adequados”, se a rotatividade/turnover (troca/saída) e o absenteísmo (faltas, número de atestados) das pessoas é consideravelmente expressivo, se com frequência ocorrem afastamento por doença ou acidente de trabalho, se o tempo de fechamento de vagas e oportunidades é demorado, se a ocorrência de reclamação trabalhistas é constante, entre outros.

Às vezes , nas empresas ou equipes de trabalho, formam-se grupos de pessoas que se identificam por essa capacidade de intoxicar o meio, manipulando ou influenciando decisões de grupo ou mesmo formando lobbies que atrapalham o andamento geral do trabalho. Como identificar e resolver isso?

A transmissão de valores institucionais adequados (cultura organizacional, missão, visão e valores), escritos e seguidos, traz emoções positivas, estimulando a motivação o desempenho de empresas e o comportamento dentro de organizações. Se esses princípios e propósitos são bem entendidos podem ser fonte de grande força emocional, aumentando o comprometimento do pessoal. Consequentemente, reduzindo margem para ambientes tóxicos. Estas emoções têm papel importante para estado de ânimo positivo contagiante. Antigamente, não afirmaríamos que poderiam afetar diretamente aspectos como absenteísmo, saúde e níveis de esforço e energia. Hoje, sabemos que não é verdade. Numa organização, tudo o que acontece é porque tem permissão para acontecer. Seja para alta “liberalidade” ou, simplesmente, pelo “pouco caso” da alta gestão ou do grupo diretivo, por interesse, proteção de membros, amizade, interesses paralelos aos propósitos principais daquela organização, jogos de interesse, entre outros. Contudo, primeiramente faz-se necessário utilizar o primeiro passo, que seria fazer para a própria organização, a pergunta: A empresa está disposta a combater e neutralizar, seja independentemente de pessoa, grupo, cargo ou função? Esta é a primeira ação para resolver isso.

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. | Foto: Sérgio Ranalli

Toxicidade no trabalho tem "cura"?

O engajamento não depende só da empresa e da liderança. Características de personalidade como otimismo, automotivação, autoestima elevada, sentido de pertencer e influenciar colegas, ser alguém que está de bem com a vida e que se entusiasma com as buscas e conquistas também fazem muita diferença na construção de um time que tenha alto grau de engajamento, qualidade de vida no trabalho e como consequência, redução no nível de toxidade do ambiente. A empresa que tem estabelecida sua definição de propósito bem como o direcionamento de sua identidade organizacional, exigirá aderência de quem está nela e atração de quem gostaria de vir. Resultado: maior quantidade de candidatos pretendentes, muito menor rotatividade e absenteísmo. Isso cria um sentimento de pertencimento e de felicidade no trabalho. O indivíduo será um funcionário dedicado e duradouro se sua experiência de trabalho na empresa for o esperado e se os valores e atributos da organização condizem com os dele. Pergunto: Como existir toxidade em um ambiente assim? As próprias pessoas e grupos da empresa anularão pessoas tóxicas. Infelizmente, nem todo mundo tem esse espírito e as pessoas sem paixão estão inseridas em todos os universos; estão nas famílias, nas rodas de amigos e nas empresas. São os chamados “desengajados”. Eles são quase sempre negativos em relação ao futuro, têm uma baixa conexão emocional com a empresa, não arriscam novas atitudes, não gostam de mudanças.

A toxicidade pode ir além do ambiente físico? Em tempos em que a atividade remota e o home office estão em plena atividade, a toxicidade chega às pessoas por mensagens, sinais de isolamento ou outros modos que acabam por contaminar o trabalho?

Quando as pessoas se articulam por iniciativa própria para gerar conexões e redes para trocar informações e benchmarking, novas iniciativas, ideias, soluções ou inovações tendem a ser o resultado. Embora a organização deva incentivar e/ou promover a criação dessas redes e facilitá-las por meio de plataformas de comunicação ou recursos tecnológicos, em consonância com a maturidade dos profissionais e a cultura da empresa, fomentam equipes autodirigidas, times e alta performance. Desde o aspecto profissional (entregas) quanto no aspecto social e pessoal (encontro de amigos e parentes que nunca se viam, mas, entenderam a importância de estar junto e manter contato). Em relação ao home office, para as organizações, existe a questão da redução de custo. Por outro lado, será que as pessoas estão prontas para essa maturidade de auto gerirem-se? Quais os possíveis impactos na QVT e na saúde mental? É viável para as organizações? Qual o limite entre pessoa X profissão? Estamos nos movendo rumo a um futuro em que os indivíduos buscarão, de acordo com suas circunstâncias de vida, conciliar trabalho, lazer e aprendizado de forma permanente e com elevada autonomia. Conceitos como férias, fins de semana, estudo e trabalho serão redefinidos. Mesmo antes da pandemia já se começava a discutir em algumas empresas o experimento da semana de quatro dias de trabalho. Algumas dessas mudanças foram aceleradas na pandemia e perdurarão depois que ela passar. Com a redução dos deslocamentos, os trabalhadores ganharam produtividade, mais momentos de lazer e espaço para outras rotinas diárias.

Por outro lado, em função da pandemia, foi emitida em 10 de setembro de 2020, uma nota do Ministério Público do Trabalho orientando para a proteção da saúde e demais direitos fundamentais dos trabalhadores em trabalho remoto ou home office, considerando desde aspectos ergonômicos (físicos e estruturais) até a saúde mental, que neste mesmo quadro conceitual, é um estado de bem estar no qual um indivíduo percebe suas próprias habilidades, pode lidar com os estresses cotidianos, pode trabalhar produtivamente e é capaz de contribuir para sua comunidade. Ainda, na busca de uma ética digital no relacionamento com os trabalhadores, procura-se preservar seu espaço de autonomia para realização de escolhas quanto à sua intimidade, privacidade e segurança pessoal e familiar. E a partir do momento que estes espaços passam a ser comparados, questionados, desconstruídos ou são motivos de piada, entre outros, passam a ser de certa maneira uma relação tóxica.

São questionamentos que somente ao longo do tempo serão possíveis de serem respondidos. Embora seja uma tendência, a invasão da privacidade pode também, permitir o ultrapassar da subjetividade do indivíduo. O questionamento então, seria, não se veio para ficar, mas, quais os impactos que serão sentidos ao longo do tempo? Até porque, a toxidade “mental” sentida não é demonstrada na mesma velocidade da fisiológica ou biológica.

É possível medir quanto a toxicidade mexe com a produtividade de um profissional, ele pode levar isso para casa e adoecer?

Os indivíduos que trabalham em ambiente tóxicos, especialmente durante um longo período, começam a ter problemas de saúde como dificuldade para dormir e ganho de peso. Emocionalmente, o profissional pode ficar desanimado e até ter depressão (mais propriamente dito, o Burnout). Aqui, são fortes indícios da existência de certa toxidade. Além disto, como já citado, faltas, pedidos de demissão, insatisfação de clientes, aumento dos custos fixos e de retrabalho já acendem o farol “amarelo”. E toda essa insatisfação atinge diretamente o núcleo familiar, pois a presença destes fatores causa desânimo, irritabilidade nas atividades familiares, rispidez nas respostas, falta de diálogo, isolamento, baixa tolerância a fatores rotineiros e cotidianos daquela família,. E ainda agressividade, sentir-se angustiado, incompreendido, cansado, tornando-o mais irritável. Nos casos mais graves, impacta também na libido e desempenho sexual, principalmente em homens, haja vista que o estresse elevado também pode desencadear tais reações.

QUATRO LIVROS SOBRE O TEMA

- Podres de Mimados: As Consequências do Sentimentalismo Tóxico

Anthony Daniels

Editora: É Realizações, 2015

- Liderança Tóxica: Você é um líder contagiante ou contagioso?

Alessandra Assad Editora

Alta Books, 2017

- Memórias de um Líder de alta gestão: um legado para a humanidade

Cristiano

Editora: Literare Books, 2019

- Liderança da alta gestão em tempos de crise: desafios e aprendizados

Cristiano Lagôas

Editora: Literare Books, 2020

CINCO SINAIS DE TOXICIDADE NO AMBIENTE

1- As pessoas fazem porque são obrigadas, não porque entendem o porquê fazer;

2 – Chefias que utilizam o poder hierárquico na maioria do tempo para a gestão, desde punições e ameaças, para que a “coisa aconteça”;

3 – Considerável número de trocas/demissões, faltas ao trabalho e atestados;

4 – Há mais queixas que soluções e as pessoas para de dar ideias

5 – Excesso de fofocas ou notícias negativas, comportamentos sexistas, racistas ou outro tipo de assédio, falta de confiança nas chefias e na empresa.