SÃO PAULO - "Nunca tinha trabalhado nessa área, mas precisava recomeçar", diz Chalaine Araújo Souza, 36, que atua na construção civil há três meses.

Após sair de um relacionamento tóxico e enfrentando dificuldades como vendedora, ela se inscreveu em uma capacitação do Instituto Mulheres em Construção, que promove treinamentos na área e aproxima as alunas do mercado de trabalho. Hoje, trabalha nas obras de expansão da Linha-15 do Metrô, em São Paulo.

Como sabia que iria aprender a mexer em instalações elétricas, tema pelo qual ela já se interessava desde a adolescência, resolveu participar da formação. "Agora estou pensando em fazer técnico de segurança do trabalho. No começo, a gente se incomoda com alguns colegas mais machistas, mas isso está mudando. Há muitas oportunidades para quem tem interesse e não se deixa abater."

Uma análise das pesquisadoras do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) Janaína Feijó e Helena Zahar aponta que tanto homens quanto mulheres contribuíram positivamente para a expansão dos empregos formais.

A partir de dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), elas concluíram que o saldo de vagas (a diferença entre contratações e demissões) passou de 841.273, de janeiro a agosto de 2023, para 926.290 no mesmo período de 2024 para os homens (alta de 10,1%).

Para as mulheres, no entanto, o crescimento foi ainda mais significativo, de 45,2%: saindo de 551.237 nos oito primeiros meses do ano passado para 800.269 em 2024.

"A maior presença feminina no mercado formal ocorre por dois fatores principais: o primeiro é por estarmos em um cenário de escassez de mão de obra, o segundo se dá pelas ocupações que mais contrataram sejam aquelas que costumam empregar mais mulheres", explica Janaína.

A análise a partir dos números do Caged aponta que os melhores desempenhos na criação de vagas de 2023 a 2024 para as mulheres se deram para postos de vendedoras e prestadoras de serviço do comércio (alta de 270%), no atendimento ao público (255%) e em cargos técnicos de nível médio (107,4%).

Para Bia Kern, fundadora e CEO do Instituto Mulher em Construção, o aquecimento do mercado de trabalho é uma janela de oportunidade para que mais mulheres ganhem terreno em áreas que historicamente têm baixa presença feminina.

Segundo ela, são mais de 7.000 mulheres formadas pelo projeto, em São Paulo e no Rio Grande do Sul. As parcerias com empresas do setor facilitam a inserção das ex-alunas. A instituição estima que de 80% a 90% das formadas são encaminhadas para o mercado de trabalho.

Para os trabalhadores homens, há programas de treinamento de boa convivência com as novas colegas de trabalho.

"Mulheres e homens, cada um com o seu talento, são imbatíveis trabalhando juntos. Ainda estamos engatinhando, conseguimos posições importantes, hoje somos 2% dos trabalhadores com carteira, por isso esse aprendizado é fundamental."

Janaína lembra que 2022 foi um ano de intensa recuperação do mercado do trabalho, após a crise da Covid-19. Em 2023, era esperado um desempenho mais fraco, com o agronegócio se saindo bem, mas trata-se de um setor com menor presença das mulheres. Já 2024 tem surpreendido os analistas.

"Olhando para o médio e longo prazo, a gente sabe que o mercado está aquecido e já começa a se vislumbrar uma pressão inflacionária. A tendência para os próximos semestres é de desaceleração, não é que veremos demissões, mas o movimento pode perder força", diz a pesquisadora.

VAGAS PARA MULHERES

As novas vagas para as mulheres também ajudaram a diminuir a desigualdade no total de oportunidades abertas. No acumulado de janeiro a agosto de 2023, o saldo de empregos criados no Brasil para mulheres foi de apenas 39,6%. Em 2024, a participação das mulheres no saldo total subiu para 46,4% —um avanço de quase sete pontos percentuais.

De acordo com outra sondagem do FGV Ibre, o trabalhador médio da construção é homem, pardo, tem cerca de 41 anos, ensino fundamental incompleto e está ocupado predominante como conta própria informal. Aqueles com carteira assinada representam 4,8% do total de assalariados formais do país.

"Estamos atuando para trazer as mulheres para trabalhar na construção. Elas têm um dom especial para a parte de montagem, assentamento cerâmico. O trabalho feminino é necessário e veio para ficar, ainda que seja pouco divulgado", diz David Fratel, diretor-executivo do Grupo Kallas e membro do comitê de Tecnologia e Qualidade do Sinduscon-SP (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo).

Além da maior participação de mulheres, Fratel ressalta a necessidade de atrair mão de obra jovem para os diferentes segmentos produtivos.

"Para contornar o envelhecimento da mão de obra, precisamos atrair jovens que estão sem estudo e trabalho, muitas vezes por falta de oportunidade. Isso está sendo feito por meio de convênios para acelerar a formação, mas ainda temos o desafio de mostrar para a nova geração que há muita tecnologia no que fazemos."