Motoristas de apps não querem deixar modalidade de trabalho
Pesquisa sobre mobilidade urbana, feita pelo Cebrap, entrevistou motoristas e entregadores apontando seus desafios e expectativas
PUBLICAÇÃO
segunda-feira, 17 de abril de 2023
Pesquisa sobre mobilidade urbana, feita pelo Cebrap, entrevistou motoristas e entregadores apontando seus desafios e expectativas
Fernanda Brigatti/ Folhapress
São Paulo - A maioria dos entregadores e motoristas que trabalhavam por meio dos aplicativos iFood, 99, Uber e Zé Delivery entre os meses de agosto e novembro do ano passado não pensa em trocar de trabalho e não está procurando outro tipo de atividade, diz pesquisa encomendada pela associação que representa essas plataformas.
Entre os motoristas, o percentual dos que não buscavam outra atividade varia, e era de 54% entre os que trabalham exclusivamente com os aplicativos, e de 71% entre os que acumulavam outros tipos de trabalho. No caso dos entregadores, 66% disseram não procurar nova ocupação e 78% afirmaram querer continuar trabalhando com essas plataformas de tecnologia.
A pesquisa "Mobilidade urbana e logística de entregas: um panorama sobre o trabalho de motoristas e entregadores com aplicativos" foi feita pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) para a Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia) e combinou entrevistas com entregadores e motoristas com dados administrativos fornecidos pelas empresas.
Os dados mostram algumas diferenças no perfil de ganhos e na jornada de trabalho feita por entregadores e por motoristas. No transporte de passageiros, eles trabalham mais dias por semana, em média, e também chegam a ganhos maiores.
Enquanto os motoristas têm renda líquida média variando de R$ 2.925 a R$ 4.756 para jornadas de 40 horas semanais, e de R$ 926 a R$ 1.774 para 20 horas semanais, os entregadores recebem entre R$ 807 e R$ 1.325, quando trabalham menos horas, e de R$ 1.980 a R$ 3.039, quando trabalham mais.
Para chegar ao rendimento médio líquido desses trabalhadores, o Cebrap considerou a remuneração por hora em corrida, definiu custos médios de manutenção, o número de semanas do mês e também os percentuais de ociosidade, ou seja, o tempo em que o trabalhador se mantém ativo no aplicativo, mas não recebe corridas ou entregas.
André Porto, diretor-executivo da Amobitec, diz que a estimativa de ganhos líquidos dos trabalhadores é o principal diferencial dessa pesquisa, uma vez que essa era, tradicionalmente, "uma pergunta difícil de responder".
A partir desse cruzamento, o Cebrap concluiu que, entre entregadores, o rendimento fica concentrado entre um e três salários mínimos - 22% recebem entre 2 e 2,5 salários, e 21%, entre 1,5 e 2. No caso dos motoristas, 31% recebem de três a seis salários mínimos.
A pesquisa aponta ainda para uma predominância na exclusividade da atividade intermediada por apps, especialmente entre os motoristas. No transporte de passageiros, 63% disseram trabalhar somente com eles no momento.
Essa exclusividade aparece também na jornada de trabalho, que fica em cerca de 4,2 dias por semana, em média, como uma jornada que oscila de 22 a 31 horas semanas.
Entre os entregadores, o trabalho exclusivo é menor, mas ainda chega à maioria. Segundo a pesquisa, 52% atuam apenas com entregas. A jornada de trabalho fica em 3,3 dias por semana.
Na avaliação do executivo da Amobitec, os dados mostram a importância da flexibilidade na relação com os trabalhadores. A pesquisa não perguntou aos motoristas e entregadores se essa era uma questão determinante na continuidade na atividade. Porém, na interpretação da associação, a flexibilidade aparece na possibilidade de o trabalhador acumular as corridas e entregas com outras atividades.
O que os trabalhadores desses aplicativos têm em comum, segundo a pesquisa, é a predominância masculina e também a escolaridade, uma vez que a maioria tem ensino médio completo (59%, entre os entregadores, e 60%, para os motoristas). Eles também se declaram principalmente pretos e pardos. O percentual entre os entregadores é de 68%, e fica em 62% entre os motoristas.
QUASE 2 MILHÕES DE TRABALHADORES
O número de trabalhadores atuando por meio dessas plataformas é similar ao estimado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em estudo divulgado em fevereiro. Segundo o Cebrap, cerca de 1,660 milhão de trabalhadores atuam por meio dos aplicativos. A maior parte desse contingente, 1,274 milhão, está no transporte de passageiros.
O Cebrap entrevistou 1.507 entregadores e 1.518 motoristas por telefone entre agosto e novembro do ano passado e, segundo o instituto, a confiança dos dados é de 95% e o erro amostral é de 2,5%.
Os dados da pesquisa encomendada pela Amobitec serão levados ao governo federal, que está em vias de formalizar um grupo de trabalho para discutir a regulamentação dessas atividades. Para as empresas, o mais importante é barrar a obrigação de formalização.
"A pesquisa confirma nossas hipóteses de que esse é um modelo novo e de que a CLT [Consolidação das Leis do Trabalho], como está estruturada, não se adequa a esse modelo", diz André Porto, da Amobitec. Os aplicativos defendem que o novo modelo inclua a cobertura previdenciária, que dá direito a benefícios como auxílio, aposentadoria e pensão por morte.
A obrigação de formalização via CLT não é consenso entre os trabalhadores - somente os sindicatos de motoboys defendem o reconhecimento da relação de emprego. Mais do que o vínculo formal, esses trabalhadores têm cobrado aumentos nos valores mínimos e regras mais claras para bloqueios, por exemplo.
Rosimar Juvenal Pereira, 49, usa aplicativos de transporte para trabalhar como motorista desde 2016, quando entregou o táxi que dirigiu por mais de 20 anos. Para ele, a flexibilidade de definir o horário de trabalho é a maior vantagem desse tipo de atividade.
"Ter liberdade é muito bom. Preciso ir ao médico ou ao banco, eu só desligo e vou, não preciso justificar para ninguém", diz.
A autonomia, na avaliação dele, termina aí. "Todo o resto eu não tenho como definir. Não posso ficar recusando corrida, não posso definir o valor, não posso definir onde eu quero trabalhar. Eu me considero um funcionário, sim", afirma.
Pereira ressalva, no entanto, que uma eventual regulamentação que obrigue o registro em carteira vai ter impacto para todos. "Qualquer cobrança sobre a empresa pode mexer no nosso repasse e, do jeito que as coisas estão hoje, isso não pode acontecer."
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