Além de uma necessidade de renda, o primeiro emprego é para os jovens a chance de ingressar no mercado de trabalho e se isso for possível, dentro de uma profissão atraente, tudo pode ser ainda mais estimulante. Os desafios são muitos e para as jovens mulheres, eles ainda são maiores. Um levantamento realizado pelo Senac-PR especialmente para a FOLHA, revela o aumento da procura por cursos pelo público feminino em profissões culturalmente dominadas pelos homens. Sem medo de pegar no pesado, as meninas também começam a garantir o seu lugar em espaços antes quase que exclusivos deles, mostrando que elas podem e vão ocupar vagas do mercado a partir das próprias competências, conhecimento com a ajudinha das próprias empresas, se abrindo a uma nova geração de profissionais qualificadas.

Do total de matrículas, de janeiro a maio de 2022 no Senac-PR, o curso de formação de barbeiros, contou com a matrícula de 187 interessados, sendo 27% mulheres. Chama a atenção a procura pela formação como baristas, onde as matrículas de mulheres (62%) superam a de homens e para a qualificação como garçom, onde as meninas ficaram com 41% das matrículas.

Para Elizabeth Lima, coordenadora dos cursos de qualificação profissional em gastronomia do Senac-PR, a percepção do aumento da procura das mulheres por profissões que, culturalmente e historicamente, foram predominantemente masculinas é clara. “As mulheres estão tentando ingressar nesses nichos de profissão e se engajar em carreiras que eram dominadas pelos homens. Os desafios existem por conta das dificuldades que as mulheres passam, socialmente falando, das restrições de oportunidades, cerceamento de direitos, complicações pelos fato de serem mulheres nessa sociedade. Uma vez dentro, elas mostram o seu potencial em desenvolver não só as atividades, mas também a liderança”, comenta. De acordo com a coordenadora, já existe um interesse por parte do empresariado em contratar mais mulheres justamente porque as profissionais levam características do próprio gênero para as organizações. “As mulheres são mais perseverantes e assertivas. Normalmente sabem se relacionar muito bem além de toda a qualificação técnica. O mercado tem procurado características femininas. Elas têm as mesmas habilidades técnicas dos homens com algo a mais: o fato de ter que estar constantemente provando a própria competência técnica e se reafirmando por uma necessidade estrutural social”, diz.

UMA BARBEIRA EM DESTAQUE

A barbeira Kelly Cunha é uma dessas mulheres que resolveu encarar um ambiente predominantemente masculino. Começou como auxiliar de cabeleireira, atendendo o público feminino e decidiu fazer um curso para continuar nessa área.

A barbeira Kelly Cunha resolveu encarar um ambiente que antes era predominantemente masculino
A barbeira Kelly Cunha resolveu encarar um ambiente que antes era predominantemente masculino | Foto: Claudia Fortunato/ FM Barbearia

Descobriu o ambiente de uma barbearia enquanto estudava e justamente aquele ambiente, totalmente diferenciado a fez decidir mudar de público. Se encontrou na rede Fátima Martins Cabeleireiros e quando viu, estava fazendo cortes masculinos. “Foi quando me realizei. Foi amor à primeira passada de máquina no cabelo. Uma pegada diferente do ambiente feminino”, diz.

Ela conta que o esforço valeu o reconhecimento que rendeu um lugar na barbearia da rede, onde está há cinco anos no comando da cadeira. “No início havia sim uma certa desconfiança. Mas os homens, em sua grande maioria, acabam aceitando e no fim, gostam do trabalho que sempre procuro fazer com excelência, delicadeza e cuidado”, diz. Kelly conta que já aconteceu de homens recusarem o atendimento com uma barbeira. “Mas eu sou resistente, não me apego. Isso me dá mais vontade de mostrar que nós mulheres podemos estar onde quisermos e realizando trabalhos tão bons como qualquer outro homem”, diz. Única mulher na FM Barbearia, ela ainda diz que o clima de trabalho com os colegas é de muito respeito. “Meus colegas são sempre atenciosos e cuidadosos, trocamos muitas informações, um ajuda o outro, o clima é agradável.

Acho que isso que mais me fascina: a descontração do ambiente”, comenta. Sem pensar em mudar de profissão, Kelly celebra as conquistas ao longo da carreira, feita de clientes fiéis, amigos e uma evolução profissional que não cessa. “Gosto de saber que inspiro outras pessoas. Não quero parar por aqui, quero me tornar referência como mulher em Barbearia assim como aquelas que eu admiro”, afirma.

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UMA MECÂNICA PROFISSIONAL

Inspiração foi o que levou a jovem aprendiz Raiany Monteiro Dias Ribeiro a se inscrever para uma vaga como mecânica na garagem da Viação Garcia. Ela é a primeira mulher a ocupar a função, uma pioneira dentro da empresa. O modelo veio de dentro de casa: o pai é mecânico e a tia, mecânica de aviões em São Paulo.

Estudante do quarto ano de mecatrônica, foi através do Programa de Aprendizagem Profissional do Serviço Social do Transporte (SEST) e o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (SENAT) que incentiva a entrada de novos talentos no setor transportador que ela chegou até o seu emprego dos sonhos. “Não deixa de ser desafiador como mulher. É diferente e comum notar a surpresa das pessoas. Acho importante a representatividade nessas profissões mais masculinas. Muitas vezes, não somos valorizadas nas nossas áreas e já ouvi coisas do tipo: ‘você vai sujar essas mãozinhas tão delicadas de graxa?’. Eu vou, sim”, diz. Consciente de algumas limitações físicas, Raiany prefere acreditar no professor que sempre diz que o que importa é o jeito e não, a força. “Eu vou continuar pegando no pesado, levantando motor. É esse o trabalho que quero fazer. Não vou dar ouvidos a ideias machistas de que mulher não foi feita para isso ou para aquilo. Quero continuar aqui o tempo que for possível. Fui muito bem acolhida pelos colegas, faço o que gosto e quem sabe não decida por uma faculdade nessa área”, conta.

ELETRICISTA DE 'SAIAS'

Isabella Cipolla de Lima, é da mesma turma da Raiany e também é Aprendiz na Viação Garcia, só que na parte de manutenção elétrica. “Eu sempre gostei de consertar coisas e não tenho sentido dificuldades em aprender e me adaptar. Mesmo como mulher, num ambiente muito masculino, me sinto acolhida”, conta. Isabella diz que descobriu a aptidão para trabalhar na Oficina de Elétrica estudando e agora, já faz planos de entrar na universidade para cursar Engenharia Elétrica. “É importante que as meninas se interessem por todas as áreas e fico feliz de ser inspiração para a minha irmã de 14 anos que nem gostava de matemática, mas me vendo aqui, resolveu entrar para o curso de mecatrônica”, revela.

Isabella Cipolla de Lima é aprendiz na Viação Garcia, só que na área da manutenção elétrica
Isabella Cipolla de Lima é aprendiz na Viação Garcia, só que na área da manutenção elétrica | Foto: Gustavo Carneiro

“As mulheres devem ocupar todos os espaços, as dificuldades são impostas pela sociedade. Eu mesma achei que não seria chamada para a vaga e, no entanto, estou aqui e gostando muito. Me surpreendi positivamente”, comenta. A dupla de estudantes aprendizes chegam para somar ao time de mulheres que já trabalham na empresa como motoristas de ônibus na área urbana e como manobristas no pátio. De acordo com o gerente de recursos humanos da empresa, Benedito Alves Rogate, a novidade é a figura feminina na área da manutenção de veículos e a presença das mulheres sempre foi e será bem vinda em todas as funções. Ele ainda destaca o aumento considerável de currículos de mulheres interessadas em vagas como motoristas. “Inspiradas pelas influencers carreteiras, as mulheres estão cada vez mais interessadas pela profissão que era antes quase que exclusivamente exercida por homens”, afirma Rogate.

Para Roberto Oliveira, coordenador de desenvolvimento profissional do SEST/SENAT em Londrina, o interesse das jovens só tem a favorecer o mercado da área automotiva e de transportes. Na análise do profissional, as mulheres que escolhem profissões que tradicionalmente eram mais masculinas, acabam se dedicando muito mais porque realmente escolheram aquela carreira. “Já existe um baixo interesse por essas profissões e na grande maioria das vezes, os jovens que escolhem mecânica o fazem por falta de opção, não é um sonho realizado”, diz. Oliveira confirma o maior interesse feminino pela profissão de motorista e diz que tem crescido a procura pelos cursos nessa área. “As mulheres costumam ser mais cuidadosas em tudo o que fazem”, comenta. No SEST/SENAT, elas ainda representam muito pouco do público atendido pelo sistema, algo que deve ficar entre 2%, na avaliação do coordenador. “As nossas alunas que estão na Viação Garcia, são praticamente uma exceção. Estamos acompanhando e realmente, elas estão muito felizes e realizadas”, diz.

O Centro de Integração Empresa-Escola do Paraná (CIEE/PR) atua para promover a integração dos jovens ao mercado de trabalho. No Paraná, há cerca de 5 mil vagas de estágio abertas, segundo o CIEE. De acordo com dados do centro, em 2021, o Estado registrou 5.322 contratos emitidos no programa de aprendiz. Já nos estágios, foram 38.243. Em 2022, até abril, eram quase 30 mil vagas de estágio para cerca 17 mil contratos emitidos. Os números entre vagas e contratos para o primeiro emprego foram quase equivalentes, ficando na casa dos 2,9 mil para vagas contra 2,2 mil para contratos efetivados.

De acordo com Roseli da Silva Marques, coordenadora do escritório regional do CIEE, existem 1300 estagiários já colocados em empresas de Londrina, os na categoria de jovens aprendizes são 200. Quanto às vagas, são 260 ainda disponíveis para estágio e em junho, em Londrina, foram contratados 35 participantes do Jovem Aprendiz para o primeiro emprego. “Percebemos um aumento considerável nas vagas abertas, isso a cada semana. É importante que os jovens busquem sempre informação sobre os empregos e estágios dentro do programa de aprendizagem, que fiquem atentos porque há uma forte tendência de aumento para 2022, nas mais variadas carreiras”, alerta.

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