Uma série de iniciativas adotadas por empresas e instituições financeiras vem fazendo a diferença na vida de colaboradores ou de clientes surdos no Paraná.

Com 21 funcionários surdos na empresa, a Belagrícola iniciou recentemente o treinamento de colaboradores para se comunicarem em Libras e, assim, proporcionar uma maior integração entre todos os colegas de trabalho.

O treinamento teve início no dia 13 de junho e prossegue até o final de agosto. As aulas são duas vezes por semana, às segundas e terças-feiras, com início às 8h30, 9h30 e 10h30, atendendo a três turmas, num total de 75 alunos.

A assistente tributário Adrielly Pereira da Silva começou a fazer o curso em 12 de junho e já nota a diferença em seu cotidiano no contato com os colaboradores surdos.

“Quando encontrava pelos corredores da empresa com algum deficiente auditivo, sentia uma barreira e por muitas vezes não sabia nem como dizer um ‘bom dia’”, relembra.

Após iniciar o curso, Adrielly destaca que o conhecimento lhe tem proporcionado várias maneiras de como entender e como se comunicar pela Língua de Sinais. “Isso inclui desde um ‘bom dia’ até uma linguagem mais técnica às vezes necessária para cada área que abrange o ambiente de trabalho da Belagrícola”, conclui.

Colaboradores da Belagrícola durante treinamento para comunicação em Libras
Colaboradores da Belagrícola durante treinamento para comunicação em Libras | Foto: Divulgação

PROJETO

Beatriz de Morais Leite, analista de Responsabilidade Social da Belagrícola, lembra que a empresa colocou em prática, em 2019, o projeto Integrar, visando a contratação de PCDs surdos ou com deficiência auditiva como trainees.

“Na época, contratamos 10 jovens surdos, que ficaram 6 meses realizando a imersão teórica sobre o funcionamento do mercado de trabalho e o negócio da Belagrícola, e mais dois meses de imersão prática diretamente nessas áreas de negócio. Mas sabemos que a grande barreira é a comunicação, porque somos ouvintes e eles não, falamos português e eles, Libras”, observa Beatriz.

INCLUSÃO

A assistente de administração pessoal Carolina Fernandes Corrêa figura entre os 21 colaboradores surdos que atuam na Belagrícola. Ela está na companhia há quatro anos.

Sobre o treinamento de Libras promovido pela companhia, a colaboradora ressalta que a Belagrícola não se preocupa apenas em cumprir a Lei de Cotas, mas sim com acessibilidade e inclusão “de verdade” desse público.

“Achei sensacional a empresa oferecer curso de Libras para os colaboradores aprenderem a nossa língua. Com isso aumenta a integração entre os colaboradores ouvintes e surdos gerando mais empatia, conhecimento, entendimento de processos e uma comunicação mais assertiva. Tudo isso torna a empresa muito mais inclusiva”, elogia.

Carolina não esconde a alegria com essa condição. “A comunicação já facilitou muito. Os meus dias estão mais felizes por ver mais colaboradores me cumprimentando em Libras. Um simples ‘bom dia, tudo bem?’ em Libras já faz uma extrema diferença nas nossas vidas”, exemplifica.

Ela acrescenta que a prática da Libras é fundamental. “Além de fazer o curso é interessante conversar com os colaboradores surdos, pois tem que ter contato para praticar. É como qualquer outra língua, tem que praticar para aprender e aperfeiçoar”, conclui.

Carolina Corrêa, assistente de administração pessoal da Belagrícola: "Os meus dias estão mais felizes por ver mais colaboradores me cumprimentando em Libras"
Carolina Corrêa, assistente de administração pessoal da Belagrícola: "Os meus dias estão mais felizes por ver mais colaboradores me cumprimentando em Libras" | Foto: José Aurélio Paschoal/Divulgação

BÁSICO

Para que a inserção desses novos colaboradores funcionasse de fato, a empresa constatou que todos precisariam saber ao menos o básico de Libras.

Em 2019, a Belagrícola realizou o primeiro curso de Libras direcionado apenas às equipes que iriam recepcionar os jovens surdos.

“O resultado foi muito positivo, e dos 10 jovens, oito foram contratados e seis continuam conosco após quatro anos. Também contratamos outros surdos ao longo desse período”, relata a analista de Responsabilidade Social.

Em 2022, uma segunda turma do Projeto Integrar foi montada e houve a contratação de 12 jovens com deficiência auditiva.

“Vamos precisar estabelecer um canal de comunicação entre eles e os demais funcionários, por isso a importância de termos mais colaboradores se comunicando em Libras”, constata Beatriz.

COOPERATIVA DE CRÉDITO TAMBÉM INVESTE NO PROJETO

A cooperativa de crédito Sicredi Dexis tem atualmente no seu quadro de colaboradores dois surdos atuando na área administrativa na sede da cooperativa, em Maringá. Um deles é colaborador há mais de 15 anos.

Bruno Lins, especialista em Comunicação e Libras da Sicredi, explica que a inclusão acontece desde o primeiro contato com a cooperativa.

“Já na entrevista admissional, temos tradutores intérpretes de Libras para o apoio linguístico. Todo o processo de admissão, integração e treinamento junto ao time acontece em Libras e todo o material disponibilizado possui uma versão em vídeo-Libras”, explica. O colaborador surdo recebe o treinamento em sua primeira língua, a Libras.

Quando uma pessoa surda vai até uma agência, ela é atendida em Libras. Se a agência não possui ninguém que saiba Libras, o gerente se conecta com um tradutor por uma videochamada.

O tradutor aparece na tela para se comunicar com o surdo e o gerente escuta a interpretação no fone de ouvido.

“A conversa acontece com apoio da interpretação simultânea de nosso time especializado disponível para todas as nossas agências. Esse mesmo atendimento está disponível no WhatsApp, sendo que a videochamada é liberada para o atendimento em Língua de Sinais. Quando disponível localmente, enviamos o tradutor de forma presencial caso haja solicitação”, explica Bruno.

Um diferencial da cooperativa de crédito é que todo associado surdo pode pedir uma versão em Libras de documentos e contratos em vídeo, totalmente traduzidos para a Língua de Sinais.

“Nosso Instagram é acessível em Libras. Só arrastar para o lado e a pessoa encontra a versão em Libras de o todo conteúdo presente nos cards e descrições. Hoje, nossos vídeos no YouTube sempre possuem Libras e legenda”, conclui.

ATENDIMENTO

A professora e tradutora de Libras Fabiana Rodrigues Lins figura entre os clientes surdos da Sicredi. Ela considera o atendimento uma “experiência marcante”.

“Não preciso fazer uma requisição especial solicitando Libras ou até mesmo levar uma pessoa junto, como acontece em outros lugares. Posso sozinha ir resolver minha vida financeira. Tudo é feito na minha língua, assuntos sobre minha conta, cartão de crédito, investimentos”, elogia.

Ela considera que o atendimento em Libras lhe proporciona mais autonomia em suas decisões. “Além disso, ganho privacidade na minha vida financeira por não precisar levar nenhuma pessoa junto para ajudar a conversar com quem não sabe minha língua”, conclui.

LEGISLAÇÃO GARANTE DIREITOS

A legislação brasileira garante uma série de direitos aos surdos. Um decreto federal de 2004 garante atendimento prioritário a esse tipo de público em órgãos públicos e instituições financeiras.

A NBR 15.29/2006, por sua vez, obriga que programas políticos, jornalísticos, educativos e informativos façam uso da janela intérprete de Libras. As televisões devem disponibilizar a opção Closed Caption, um sistema que funciona como uma legenda.

De acordo com o Decreto 7.611, de 2011, toda a pessoa surda tem direito à educação especializada, chamada também de AEE (Atendimento Educacional Especializado), em que o aluno terá o reforço da língua portuguesa, mais aulas de Libras e demais habilidades que o auxiliarão dentro do ambiente escolar.

Além disso, a Emenda Constitucional n° 59/09, de 2009, obriga a matrícula na escola de pessoas surdas ou não surdas dos 4 aos 17 anos de idade. É direito também que o surdo tenha fácil acesso às escolas e, caso isso não ocorra, basta procurar o Conselho Tutelar para que ele oriente como proceder para conseguir uma vaga em escolas próximas de casa.

De acordo com o artigo 93 da Lei 8213/91, toda empresa com 100 ou mais empregados é obrigada a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários ou pessoas com qualquer tipo de deficiência.

O Decreto Lei n° 5.626, de 2005, garante o direito à saúde de pessoas surdas ou com deficiência auditiva nas redes do SUS (Sistema Único de Saúde). A Lei Federal 12.303, de 2010, torna obrigatória a realização do Teste da Orelhinha nos bebês.

Em agosto de 2021, o governo federal sancionou a lei que inclui a educação bilíngue de surdos na LDB (Lei Brasileira de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) como uma modalidade de ensino. Com isso, as escolas podem passar a oferecer a linguagem de Libras nas escolas como primeira opção para alunos surdos, surdo-cegos e deficientes.