As últimas semanas foram tensas para a analista de marketing Roberta Campos. A sede da empresa em que trabalha, na capital de São Paulo, foi esvaziada depois que um dos colegas, que viajou para a Europa no Carnaval, passou a ser um caso suspeito da covid-19, o novo coronavírus. “Primeiro foi aquele pânico, todo mundo preocupado. Aí a direção preferiu deixar todo mundo trabalhando de casa, para evitar um problema maior”, recorda.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) fez o mesmo, no Rio de Janeiro. Recomendou que todos os funcionários que voltaram de viagem de férias ou de trabalho deveriam ficar em isolamento obrigatório de 14 dias corridos. Os demais empregados, mesmo estando bem de saúde, também adotaram o sistema de home office pelo mesmo período.

A declaração de pandemia mundial da covid-19, publicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e a expansão de casos no Brasil, podem acelerar a adoção de empresas brasileiras ao teletrabalho ou trabalho remoto, quando o funcionário atua, por meio da comunicação e informática, em um coworking, no aeroporto, café ou qualquer outro lugar. Quando ele trabalha desta forma em casa, pode ser chamado de home office.

Antes mesmo do surto da doença, muitas companhias já estavam se adequando aos novos tempos, principalmente em grandes cidades. A pressão pela mudança vem de problemas crônicos, como violência e o trânsito diariamente caótico, e também de situações pontuais, como as recentes enchentes que causaram destruição e mortes em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Foi o caso vivido pelo designer gráfico Ivan Mota, em fevereiro, quando um volume recorde de chuva em 24 horas fez a maior metrópole brasileira ter uma segunda-feira de transtornos. “Não tinha como chegar no trabalho, São Paulo ficou parada, então fiquei fazendo o que podia de casa”, explica. Não foi a primeira vez. Às quintas-feiras, dia do rodízio do carro de Ivan, ele já fica de home office. “Foi uma decisão da empresa com os funcionários, tomada há dois anos, e fez nossa qualidade de vida e também a produtividade até aumentar”, avalia.

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De acordo com a "Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua Anual: Características Adicionais do Mercado de Trabalho 2012-2018", divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em dezembro do ano passado, houve um aumento de pessoas trabalhando à distância nos últimos anos no Brasil. Entre 2016 e 2017, o número de trabalhadores remotos aumentou 16,2%. Entre 2017 e 2018, a expansão foi maior, chegando a 21,1%.

Outro levantamento, feito em 2018 pela consultoria SAP, apontou que 45% das empresas no Brasil adotam home office, 15% planejam adotar e 40% não tem intenção de implementar essa forma de trabalho.

Mas será que há regras trabalhistas diferentes para quem trabalha de casa? Segundo o advogado Célio Pereira Oliveira Neto, doutor em Direito do Trabalho e autor do livro "Trabalho em Ambiente Virtual: causas, efeitos e conformação", muda-se o local de trabalho, mas as regras não alteram radicalmente — são apenas adaptadas, de acordo com o artigo 75 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

"Deve ser firmado um aditivo ao contrato, com a alteração do regime de trabalho, especificando quais serão as atividades desempenhadas e prevendo como fica a responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária", explica Célio.

Em relação ao controle de horas, o advogado frisa que, pela legislação, só fica isento do acompanhamento de jornada quem trabalha mais de 50% do tempo em regime de teletrabalho. Diante da situação de pandemia que estamos vivendo, ele aponta três alternativas. "Firmar aditivo contratual, implementando o teletrabalho integral durante o período da pandemia, prevendo a isenção de controle de jornada. Adotar o teletrabalho part time, mantendo o controle de jornada. Ou implementar o teletrabalho integral, mantido o controle de jornada, que poderia ser feito por meio do uso de tecnologias", sugere.

Maior produtividade

Segundo o publicitário Jorge Lins, dono de uma agência em São Paulo, a produtividade da equipe cresceu cerca de 40% após a adoção do teletrabalho. “Estabelecemos uma meta maior de produtividade, entre 10% e 20%, mas isso foi superado. Acredito que a qualidade de vida, maior proximidade com a família e flexibilidade de horário, em alguns casos, faz a diferença”, avalia Jorge.

Para Célio, o empregador pode e deve cobrar produtividade, no mínimo igual à entregue em trabalho presencial. “De acordo com as especificidades das atividades, é importante que o gestor pense em metas macro, a fim de poder acompanhá-las. No entanto, o regime é tão interessante para o empregado que, a tendência, é o crescimento da produtividade e qualidade das entregas de forma natural", observa o advogado.

Imagem ilustrativa da imagem Covid-19 pode acelerar adoção de home office
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Para as empresas, a adoção do teletrabalho também traz impactos positivos. Primeiro, com a economia direta nos custos de infraestrutura, como salas, mobiliário, energia, transporte e até cafezinho. Há ainda redução de trabalho ocioso e de acidentes de trajeto — o INSS gastou R$ 2,3 bilhões em 2013, apenas com benefícios decorrentes destes acidentes. Outro ponto importante é a retenção de talentos.

"Atualmente, um jovem aceita trabalhar em uma empresa com regime de trabalho flexível ganhando até 9% menos. Imagino que, no futuro, a tendência é não se submeter ao trabalho em horários rígidos, afinal a jornada não é mais quantitativa, ou não deveria ser, mas sim qualitativa. Sem falar que pode-se contratar trabalho em tempo real em qualquer parte do mundo", enumera Célio.

Roberta, a analista de marketing do início da matéria, tem aprovado o trabalho remoto. E espera que, após a grande crise da pandemia de coronavírus, a modalidade possa continuar na rotina da empresa. “Claro que é um momento atípico, muitas coisas complicadas acontecendo paralelamente, bastante tensão. Mas escapar do tempo perdido no trânsito, evitar ruas escuras e perigosas à noite, poder almoçar em casa e ficar perto dos animais de estimação é bastante agradável. É preciso, claro, um grande senso de organização e responsabilidade para dar conta das tarefas e manter a produtividade, mas o resultado tem sido muito bom”, resume.