A psicóloga Francine Trindade, 28, diz já ter enviado 434 currículos só na plataforma Catho - —sem mencionar os outros sites de recrutamento nos quais ela está escrita. Desde janeiro, ela procura uma vaga na área de recursos humanos, após se especializar em gestão de pessoas no ano passado. Recebeu no período três convites para entrevista.

"Das entrevistas que fiz, recebi feedback só de uma, que fiz presencialmente em maio", diz.

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A ameaça da inteligência artificial aos empregos é real?

A situação vivida por Trindade ilustra bem o atual momento de quem busca emprego. De um lado, pessoas se candidatam com facilidade inédita graças às plataformas virtuais - algumas não requerem nem currículo. De outro, as empresas têm informação como nunca para filtrar na hora de selecionar, mas os processos seletivos acabam se estendendo demais e são encerrados sem retorno para todos candidatos.

Em resposta à incerteza, influenciadores vêm usando as redes sociais para dar dicas de como se recolocar no mercado. Algumas são úteis, outras, não.

No TikTok, por exemplo, pessoas discutem a eficácia de encher o currículo de palavras-chave em tamanho pequeno e escritas na mesma cor do fundo do CV. A ideia é ser imperceptível ao olho humano, mas legível por algoritmos de recrutamento.

O objetivo dessa tática é aparecer no topo da lista dos recrutadores. Isso porque as atuais plataformas usam programas - às vezes, inteligência artificial - para ordenar os candidatos por compatibilidade com a vaga. São os ATS (sistemas de rastreio de candidatos, em tradução livre).

A lógica é similar ao ranking de links entregue pelo Google, que há duas décadas operava por meio de palavras-chave.

No entanto, de acordo com Bianca Ximenes, pesquisadora sobre ética em aprendizado de máquina, o truque da fonte branca não funciona em algoritmos baseados em IA.

Nem os próprios criadores das ATS sabem de forma exata como funcionam os programas feitos à base de aprendizado de máquina - chamados por pesquisadores da área de caixa-preta.

A Gupy, por exemplo, usa IA para ordenar os candidatos e afirma que as pessoas não precisam recorrer a palavras-chave. "Nosso algoritmo lê o contexto, a semântica, além da palavra em si. Se a vaga pede posição de liderança, o candidato pode ser adequado caso diga que tenha gerenciado um projeto", diz o cofundador da Gupy, Guilherme Henrique Dias.

A Catho também usa inteligência artificial para encontrar semelhanças entre os atributos elencados no currículo do candidato e o que a vaga pede. A empresa considera experiências profissionais, habilidades técnicas, formação e outros critérios, segundo o diretor da empresa Fabio Maeda. A InfoJobs usa técnica similar.

Em ambas as platafarmos de recrutamento, os candidatos podem assinar planos pagos para saber o nível de compatibilidade com o posto. Os serviços de análise de dados, em todos os sites, ficam à disposição das empresas contratantes.

Na avaliação de Ximenes, a falta de informação sobre critérios objetivos confunde as pessoas. Sem respostas, os candidatos buscam explicações que pareçam plausíveis - como as palavras-chave em fonte branca.

A tática funciona em programas que fazem filtros simples de termos. Porém, é ineficaz, porque os melhores currículos ainda passam por revisão humana. Para Ximenes, adicionar palavras-chave não configura violação ética se o profissional tiver habilidades relacionadas ao termo.

As empresas recrutadoras podem colocar filtros eliminatórios nas vagas, como tempo de experiência. "É de bom-tom que as empresas informem o que desqualifica de forma automática", diz Ximenes.

A Gupy afirma que segue a prática. A empresa diz planejar campanhas para conscientizar pessoas sobre o funcionamento da plataforma. "É um desafio chegar às 40 milhões de pessoas inscritas no nosso site", diz Guilherme Henrique Dias.

CV COM CHAT GPT

Renata Lino, criadora da plataforma de empregos para mães Mommy Tech, diz que recomenda às mães adicionarem as palavras-chave da descrição da vaga ao próprio currículo. "É fundamental ter o CV adaptado à oportunidade."

Além disso, ela sugere que as candidatas usem ajuda de inteligência artificial na formulação de currículos específicos. "Peça ao ChatGPT adaptar o texto às palavras-chave retiradas da descrição da vaga", afirma.

Outra dúvida comum se refere a informações de gênero, cor e origem étnica. As IAs de Catho, Gupy e InfoJobs não avaliam esses dados pessoais.

Segundo Dominik Hangartner, professor de políticas públicas da London School of Economics Dominik Hangartner, mesmo os sistemas embarcados com IA podem reproduzir preconceitos, caso gênero, cor ou etnia se correlacionem de alguma forma com a linguagem.

Hangatner mostrou em artigo de 2021 que pessoas do Oriente Médio e do norte da África eram chamados 19% menos vezes para entrevistas em um site de empregos suíço equipado com ATS, na comparação com candidatos brancos locais.

Gupy e Catho afirmam seguir princípios éticos de aplicação de IA para evitar preconceitos. Ambas as empresas dizem acompanhar de forma recorrente os dados de contratação de minorias para reduzir vieses com adequações nos modelos.