Passar em um concurso público é meta de profissionais de diferentes áreas. A estabilidade é um dos anseios, assim como o reconhecimento pelo que faz, a remuneração e os benefícios agregados à carreira. A concorrência é de conhecimento de todos que se dispõem a mergulhar em um universo paralelo de estudos, concentração e muitas renúncias para alcançar a tão sonhada vaga.

Concurseiro assumido, o administrador e formando em Direito José Bernardo Costa Neto considera assertiva a escolha de um dos temas de recente redação aplicada pelo Banco do Brasil. Privacidade digital. De acordo com a proposta, a privacidade é definida no certame como o controle, pelo indivíduo, da disponibilidade de informações a seu respeito, relacionadas à navegação em sites de compartilhamento, redes sociais e comércio eletrônico. Assim, considerando a importância de dados para vida dos cidadãos, caberia ao candidato ao cargo de escriturário / agente comercial, elaborar um texto dissertativo e argumentativo sobre: "Diferentes interesses de empresas e clientes e os limites da privacidade digital."

José Bernardo Costa Neto: "Pensamento crítico, reflexivo é fundamental para desenvolver a redação e demonstração de articulação com a realidade"
José Bernardo Costa Neto: "Pensamento crítico, reflexivo é fundamental para desenvolver a redação e demonstração de articulação com a realidade" | Foto: Walkiria Vieira

Do ponto de vista de Neto, é interessante o fato porque o assunto é sério. "Começou toda a discussão e elaboração da lei em 2018 é só em 2021 passou a vigorar com toda força esta LGPD". De seu ponto de vista, o cargo almejado e também examinadores de concursos buscam avaliar se o candidato consegue ter conhecimento para trabalhar em equipe com profissões correlatas. "Pensamento crítico, reflexivo é fundamental para desenvolver a redação e demonstração de articulação com a realidade", reflete. Neto ainda pensa: "Imagine se um futuro bancário pega os dados de uma pessoa e passa para outra? Considero que o concurso avaliou se o candidato sabe guardar o sigilo funcional dos clientes, afinal de contas, um bancário por ter contato próximo com cliente, pode nos bastidores vender os dados do cliente para outras pessoas sem consentimento".

Ainda que não seja uma ação de má fé, Neto considera que dispor de dados de clientes exige que o novo trabalhador tenha ciência de todos os cuidados que deve manter ao acessar as informações", avalia. "É obrigação também do candidato a um cargo desse nível saber alterações na lei, e às novidades".

AUDITORIA FISCAL: OUTRA ÁREA QUE EXIGE PRIVACIDADE

Rafael de Oliveira Fadul :"Existem cláusulas de confidencialidade que garantem segurança para a empresa  e o cliente"
Rafael de Oliveira Fadul :"Existem cláusulas de confidencialidade que garantem segurança para a empresa e o cliente" | Foto: Divulgação

Cláusulas de confidencialidade já existem para segurança das partes O engenheiro elétrico Rafael de Oliveira Fadul persegue o sonho de ser aprovado em um concurso. Sua meta é se tornar um auditor fiscal e, para tanto, a dedicação é parte de sua rotina. Regras de disciplina, foco e atenção ao mercado são sua realidade. Fadul atua como corretor de Commodities Agrícola e aponta que o respeito à privacidade de dados é essencial para a reputação da empresa. "Existem cláusulas de confidencialidade que garantem segurança para a empresa e o cliente".

Segundo Fadul, seja na cotação ou fora do Brasil, a Câmara de Comércio Internacional impõe limites e sanções. "A cláusula conhecida pelas iniciais NCND - "Non Circumvention and Non Disclosure Agreement" é muito utilizada em contratos de fornecimento e distribuição, em contratos de corretagem ou intermediação, e principalmente em acordos de confidencialidade. É um documento jurídico usado por duas ou mais partes quando estes desejam manter determinadas informações em segredo", explica.

Sobre o tema da redação do Banco do Brasil, Fadul o considera coerente. "As redações trazem temas específicos e com assuntos que estão em voga não apenas no Brasil e assim devem ser, pois devem observar o conhecimento do candidato e a aplicação para a área pretendida".

COMO OS DADOS DA LUCIMARA VAZARAM?

Lucimara de Jesus Moura: "Estava preparada para o tema da redação do concurso do BB"
Lucimara de Jesus Moura: "Estava preparada para o tema da redação do concurso do BB" | Foto: Walkiria Vieira

Formada em Administração, a Analista de Recursos Humanos Lucimara de Jesus Moreira, relata que o tema da redação do concurso do BB não foi uma surpresa. "Pelo contrário. Até mesmo os youtubers alertaram que a LGPD era um tema possível e por isso eu me empenhei bastante e me aprofundei nos conhecimentos".

E a aposta de Moreira foi certeira. "A primeira coisa que fiz foi elaborar a redação. Estava tudo fresco e eu quis colocar no papel as ideias e fundamentar meu texto," diz.

A candidata expõe que sua estratégia foi criar uma situação hipotética e desenrolar o tema conforme a lei, o que ela exige desde a sua implementação, assim como o papel do cidadão. Na prática, Moreira revela que teve uma experiência marcante no sentido da exposição dos dados pessoais. "Eu fiquei viúva há quatro anos e na época, sem que eu soubesse que a minha pensão pela morte do meu marido já era um direito adquirido, vários bancos passaram a me telefonar e oferecer crédito pré-aprovado para empréstimos."

Para a analista, o sentimento foi de medo e invasão. "Eu me senti violada e questionei quem teria passado os meus dados para todos aqueles bancos, pois fui bombardeada com ligações e mensagens com ofertas de crédito e sei que isso não está certo", recorda. Sua experiência pessoal mostra a importância dos dados serem mantidos de forma segura.

Contente com o seu resultado, das 70 questões do concurso do BB acertou 45, ela faz questão de destacar: "Quem fez a minha inscrição faltando menos de um mês para a prova foi minha irmã Sandra e decidi me dedicar, pois ela é minha grande incentivadora".

LEGISLAÇÃO PROTEGE OS DIREITOS DO CIDADÃO

Imagem ilustrativa da imagem Atual, LGPD é tema de redação e desafia concurseiros
| Foto: Walkiria Vieira
 Janaína Braga Norte, advogada: "Ao cuidar de seus dados pessoais, cada cidadão estará tutelando o seu direito de personalidade, liberdade e privacidade".
Janaína Braga Norte, advogada: "Ao cuidar de seus dados pessoais, cada cidadão estará tutelando o seu direito de personalidade, liberdade e privacidade". | Foto: Divulgação

De acordo com a advogada Janaína Braga Norte, sócia do Escritório Neto Martins Palla e professora de Direito na Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR, campus Londrina, a LGPD é um tema bastante atual e que demanda reflexão, pois vivemos em uma sociedade de informação, rodeados por um grande fluxo de dados, os quais têm se tornado o novo paradigma econômico. "Deve-se ponderar sobre o valor comercial desses dados, a vulnerabilidade da exposição de informações pessoais e como, cada vez mais, a participação social exige a mitigação da proteção da liberdade e privacidade", adianta.

Norte, considera que o assunto deva se popularizar no sentido de deixar as pessoas esclarecidas, pois é imprescindível a conscientização da população sobre a necessidade de proteção dos dados pessoais. "O conceito de dado pessoal extrapola as informações que possam levar à identificação de uma pessoa física (nome completo, número de CPF e RG, endereço, filiação etc.)", informa. E mais, existem os dados sensíveis que são quaisquer informações que apresentem reais possibilidades de serem usadas com fins discriminatórios, como os relativos à raça/etnia, religião, opinião política, sexualidade, dados genéticos ou biométricos.

Diante disso, é evidente a importância de que o assunto se popularize, que as pessoas sejam esclarecidas sobre seus direitos, em especial o de fiscalizar diretamente as suas informações pessoais. "'A segurança e a preocupação com os dados pessoais tornaram-se uma necessidade real. Importante frisar que os dados pessoais são a representação dos cidadãos na sociedade, por isso são parte de sua personalidade. Assim, ao cuidar de seus dados pessoais, cada cidadão estará tutelando o seu direito de personalidade, liberdade e privacidade", alerta.

A advogada esclarece que alguém que vai trabalhar em banco deve estar alinhado com essas informações porque da Lei Geral de Proteção de Dados está inserida em um contexto mundial. Os bancos devem se preocupar com os dados pessoais coletados e compartilhados em sua atividade. Segundo a legislação vigente, os agentes envolvidos no tratamento dos dados, ou seja, os funcionários do banco que manipulem dados pessoais, podem ser solidariamente responsabilizados por incidentes de segurança na informação e/ou uso indevido e não autorizados, ou pela não conformidade com a lei geral de proteção de dados (Lei 13.709/2018, arts. 42 e 43).

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