Num país com 11,6 milhões de desempregados, metade das fábricas encontra sérias dificuldades para contratar mão de obra qualificada. Os dados integram um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), divulgado na última semana. De acordo com a CNI, dois fatores agravam o problema. Primeiro, o nível educacional muito ruim no Brasil. Segundo, a formação do Ensino Médio, considerada bastante generalista. E a situação pode piorar.

"Quando a economia voltar a crescer, a falta de mão de obra qualificada vai criar obstáculos para a retomada. Vai dificultar a inovação dentro das empresas e ter um impacto na competitividade do setor, que já não é alta", afirma Renato da Fonseca, gerente-executivo de Pesquisa e Competitividade da CNI.

A demanda por mão de obra técnica qualificada no Brasil é grande e permanente. Uma pesquisa feita pelo Korn Ferry Institute, com executivos de diversas empresas no país, apontou que haverá um déficit de 1,8 milhão de pessoas para vagas mais especializadas em 2020, considerando-se tanto as vagas abertas, quanto as que vão ser preenchidas por empregados sem a qualificação considerada ideal. O número deve crescer a uma taxa de 12,4% ao ano, até alcançar 5,7 milhões de postos com funcionários sem competência ideal ou vagos até 2030. De acordo com o levantamento, três grandes setores vão sofrer mais com a crise de talentos: tecnologia, mídia e telecomunicações, negócios e serviços bancários e manufaturas. O mercado brasileiro precisa hoje de 70 mil desenvolvedores de software por ano, por exemplo, mas só forma cerca de 30 mil profissionais.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que 54 milhões de brasileiros poderiam cursar o técnico de nível médio no Brasil, mas a quantidade de alunos matriculados é de pouco mais de 2 milhões — ou 4%. Nos países europeus, o índice varia entre 30% a 50%. No Reino Unido, chega a 63%, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

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Para driblar a falta de mão de obra qualificada, 85% das empresas realizam capacitação no próprio local de trabalho e 42% oferecem algum tipo de treinamento fora, segundo a CNI. E para quem está desempregado ou ainda cursando o Ensino Médio? Uma saída pode ser a aposta em cursos técnicos. “A perspectiva de conseguir a rápida inserção no mercado de trabalho por meio de ensino de qualidade é um dos principais atrativos para estudantes do Ensino Médio”, revela o economista Júlio Cesar Ormerod, diretor do Centro de Ensino Grau Técnico, de Curitiba. Segundo ele, a maioria dos alunos termina o curso com vaga de trabalho garantida.

“O objetivo do Ensino Técnico é formar profissionais qualificados para o mercado de trabalho, ajudando a melhorar a produtividade do país. Por isso, é visto como uma solução rápida contra o desemprego, já que é mais voltado para a prática profissional do que os cursos universitários e, também, tem duração mais curta, de até dois anos em média”, explica Júlio. O trabalho técnico pode, ainda, ajudar a bancar um curso universitário no futuro.

É o caso da londrinense Márcia Oliveira. Após o fim do Ensino Médio, precisando ajudar a família nas despesas de casa, tentou diversas vagas de emprego, mas era barrada por falta de experiência. Após seis meses de tentativas frustradas, decidiu fazer o curso de Técnica em Enfermagem, em uma escola particular. Antes de terminar as aulas, ela já havia conseguido estágio em um hospital. Três meses depois, foi efetivada. “Foi um alívio grande e, além de abrir portas, ampliou meus horizontes, pude conhecer muita gente e despertou ainda mais a vontade e o foco em me especializar, estudar mais e até fazer uma faculdade”, revela.

O curso de Técnico em Administração, do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), foi a escolha do Márcio Gonçalves. Foram 18 meses de aulas e, quando estava para terminar, ele conseguiu um emprego na área administrativa de um escritório de advocacia. “Não tinha passado no vestibular e, naquele momento, precisava trabalhar. Aí ao invés de fazer um cursinho, decidi pelo Ensino Técnico e acho que foi uma boa escolha. Até mudei meus planos. Antes pensava em cursar Administração, hoje estou planejando estudar Direito, por ter aprendido muitas coisas novas e me envolvido com a rotina do escritório”, projeta.

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A história dos cursos

Em 1909, o decreto 7.566, assinado pelo então presidente da República Nilo Peçanha, criou as Escolas de Aprendizes Artífices, que são consideradas o início do Ensino Técnico no Brasil. Quando o processo de industrialização brasileira teve crescimento, elas exerceram um papel estratégico para fomentar o processo.

A Constituição de 1937, promulgada pelo presidente Getúlio Vargas, instituiu os Liceus Industriais, substituindo as Escolas de Aprendizes Artífices. Na sequência, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) foi inaugurado em 1942.

A ligação entre o Ensino Técnico e as mudanças econômicas do Brasil foi se modificando com o passar dos anos. Ao contrário da ideia inicial de "destinar a modalidade de ensino para os desafortunados", como afirmou Nilo Peçanha no início do século XX, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1961, buscou igualar o Ensino Técnico ao acadêmico. Com isso, a busca por se adequar aos modelos de países industrializados transformou a prática técnica em uma ferramenta de qualificação para atender a expansão da economia brasileira.

“A visão prática e voltada para o mercado de trabalho age em duas direções, tanto do interesse do aluno em se inserir no mercado, quanto das empresas em buscar colaboradores qualificados. A aproximação das empresas com centros de Ensino Técnico acaba gerando uma cadeia de produção de conhecimento, o que eleva a oferta de profissionais qualificados”, avalia o professor do SENAI, Robson Amaral.

Em 2019, o Brasil alcançou mais de 1,9 milhão de matrículas na modalidade técnica. Segundo os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Estatísticas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), publicados na edição de 2019 do Censo Escolar, o Ensino Técnico teve crescimento de quase 1% no número de matrículas, em relação a 2018.

A Sinopse Estatística da Educação Básica 2019, publicada anualmente pela Diretoria de Estatísticas Educacionais (Deed) do Inep, aponta a relação entre as regiões mais populosas e o número de alunos técnicos. A pesquisa apresenta a região Sudeste como a campeã em número de matrículas no país, com 794.948, seguida pelo Nordeste (568.564) e pelo Sul (329.434).

“Acredito que, para os próximos anos, e com a Reforma do Ensino Médio e a homologação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), os cursos técnicos devem ganhar ainda mais espaço. O Brasil precisa investir em educação básica de qualidade e também em formação profissionalizante se quiser superar os graves problemas estruturais que enfrenta hoje”, argumenta Robson. (M.M.)