RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Criticados pelo Congresso, os vetos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao novo marco do saneamento agradaram ao setor privado por incentivar a realização de licitações em estados e municípios hoje com contratos precários. Por outro lado, diz um especialista, aumentam o risco de judicialização por parte de governantes descontentes com a decisão.

O ponto mais polêmico é o relativo ao artigo 16 da lei aprovada no Senado no fim de junho, que garantia ao poder concedente a opção de estender por mais 30 anos contratos com estatais de saneamento. O artigo foi incluído na lei ainda na Câmara, em acordo com a oposição e governadores contrários à concessão dos serviços à iniciativa privada.

Foi peça central no discurso a favor do novo marco regulatório, reforçando a tese de que o texto não obrigaria ninguém a privatizar os serviços. Com o veto, o governo praticamente obriga estados e municípios com contratos precários a realizarem licitações, mesmo que permitindo a participação de estatais na disputa.

Atualmente, cerca de 70% da população brasileira vive em regiões onde o serviço de água e esgoto é prestado por companhias estaduais. Parte dessas empresas operam com contratos vencidos ou sem metas de universalização, uma das determinações do novo marco. Teriam dois anos para regularizar a situação, prazo derrubado pelo veto presidencial.

"[O veto] abre espaço para termos maior competição no setor", diz a advogada Patrícia Sampaio professora de Direito Administrativo da FGV-Rio e sócia do escritório Rennó, Penteado, Reis e Sampaio Advogados. Ela argumenta que, quanto maior o número de licitações pelo país, maiores as possibilidades de disputa entre estatais e companhias privadas pela prestação dos serviços.

"Há estatais como Sanepar e Sabesp, que podem participar de licitações por novas áreas. Já temos empresas privadas em operação no Brasil [que também poderiam disputar as novas concessões] e potencial para atrair outras empesas estrangeiras" diz ela.

A medida, porém, pode prejudicar as estatais que operam no setor, que correm o risco de perder áreas de concessão, pondera Fernando Marcato, professor da FGV Direito SP e sócio da consultoria GO Associados, autora de um ranking anual da qualidade dos serviços de saneamento no país.

"Para algumas empresas, isso é muito relevante. Salvador, por exemplo, não tem contrato e, caso perca a licitação, a estatal da Bahia perderá seu maior mercado", exemplificou. Segundo ele, a maneira como o acordo foi rompido "aumenta a animosidade contra a lei" e pode levar estados e municípios opositores a questionar os novos termos na Justiça.

"As coisas estão sendo feitas de maneira açodada. Toda a discussão que permitiu a redação do artigo 16 foi simplesmente jogada no ralo pelo presidente da República", questionou o advogado Rubens Naves, que já via no texto aprovado no Congresso mais benefícios ao setor privado do que ao estatal.

Já associações ligadas ao gerenciamento de resíduos sólidos elogiaram veto ao artigo 20 da lei, que deixava o setor de fora das novas regras. Para eles, a decisão de Bolsonaro cria oportunidades ao permitir a concessão privada os serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos.

"A abertura ao setor privado poderá viabilizar os investimentos tão necessários e imprescindíveis para a universalização desses serviços", disse, em nota, a Abetre (Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos Sólidos e Efluentes).

O presidente da Abren (Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos), Yuri Schmitke, estima que o setor pode receber até R$ 140 bilhões em investimentos na melhoria do tratamento dos resíduos.

Ele ressalta que o Brasil ainda não tem usinas de geração de energia a partir do lixo em operação e engatinha no uso do metano gerado nos aterros sanitários como combustível para veículos e insumo para indústrias. "Nós não industrializamos o lixo e gastamos R$ 1,6 bilhão por ano tratando pessoas que tiveram exposição inadequada ao lixo", afirma.