Desde junho de 2020, três milhões de brasileiros ingressaram no sistema de saúde suplementar. A pandemia de Covid-19 colocou os serviços de saúde em evidência e à medida que foi acontecendo a retomada econômica, os gastos com os serviços privados do setor foram sendo incorporados ao orçamento familiar.

Atualmente, o Brasil tem o maior contingente histórico de beneficiários de planos de saúde, com 50,630 milhões de pessoas. E esse número está em crescimento. Segundo especialistas, promover a conscientização de médicos e usuários é fundamental para manter a saúde financeira do sistema e evitar reajustes em percentuais elevados como o que se viu neste mês, quando a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) autorizou a revisão de preços em até 9,63% - índice que supera em mais de duas vezes o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) acumulado nos últimos 12 meses.

Quando o consumidor contrata um plano de saúde, a definição dos valores das mensalidades é feita a partir do cálculo atuarial de utilização do sistema, que faz a análise de risco. Com o passar do tempo, com a inclusão de novos procedimentos, aumento dos custos dos insumos e procedimentos, esses valores são revistos. Em 2021, a ANS fixou o limite de 8,14% para os reajustes. No ano passado, o percentual foi quase o dobro, 15,5%, e em 2023, 9,63%, válido para o período de maio deste ano até abril de 2024.

O índice estipulado para os próximos 12 meses aponta para uma tendência de estabilização, mas impedir novos aumentos ou, pelo menos, garantir percentuais mais baixos de reajuste, depende de uma mudança cultural. "A renda da população nem sempre aumenta no mesmo patamar. A agência (ANS) vem fazendo os estudos, a adequação, mas é uma questão muito de mercado e lógica. É bom que a sociedade tenha conhecimento para entender que se utilizar de forma racional e adequada, terá um reajuste menor", afirmou o ex-diretor-presidente da ANS e sócio da M3BS Advogados, escritório especializado em serviços de saúde, Rogério Scarabel.

Os custos médicos crescem acima dos dois dígitos, entre 15% e 17%, e o reajuste de 9,63% aplicado agora, embora pese no bolso dos usuários, não irá recompor as perdas, avalia o presidente da Unidas (União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde), Anderson Mendes. "O índice (de reajuste) tem transparência, mas tem falhas porque é o único índice nacional. Precisaria haver um aprimoramento para que houvesse um índice regional."

Mas os percentuais de reajuste são a ponta final de todo um processo que precisa ser revisto para que a saúde não seja tão cara. "Há uma ineficiência no setor. A saúde consegue ser ainda mais ineficiente do que a indústria de alimentos, onde há perdas no transporte, distribuição", comparou Mendes. "(Aumentar a eficiência) depende da conscientização geral. Não é o beneficiário, apenas. Mas também o médico, o hospital, a operadora. Todo mundo tem que entender como gasta melhor o recurso. Estamos gastando mal", concluiu. "O desperdício é algo desarrazoado e tudo isso vai para o cálculo do reajuste", comentou Scarabel.

Uma das soluções seria acabar com a fragmentação do sistema, onde cada paciente, ao buscar uma nova consulta ou procedimento, é tratado como se fosse uma nova pessoa, o atendimento sempre começa do zero. "O médico precisa fazer todos os exames. Se tivesse acesso ao histórico daquele paciente, poderia fazer uma anamnese mais completa com menor custo", afirmou o presidente da Unidas.

No Brasil, são feitas 162 ressonâncias magnéticas para cada mil beneficiários de planos de saúde enquanto dados da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) mostram que nos países desenvolvidos, a proporção é de 52 ressonâncias magnéticas para cada mil habitantes. "A gente é um país pobre fazendo três vezes mais exames que os países ricos. Nós somos mais doentes? Não. Falta integração do serviço", afirmou Mendes.

A pandemia de Covid-19 colocou os serviços de saúde em evidência e os gastos com serviços privados do setor foram sendo incorporados ao orçamento familiar.
A pandemia de Covid-19 colocou os serviços de saúde em evidência e os gastos com serviços privados do setor foram sendo incorporados ao orçamento familiar. | Foto: iStock

O volume excessivo de exames gera um custo ao sistema e quem arca com esse custo é o beneficiário do plano de saúde, nos reajustes. O presidente da Unidas ressaltou que aumentar a eficiência não implica negar atendimento, procedimentos ou reduzir a qualidade do atendimento, mas oferecer o serviço na medida certa do que o paciente necessita. "Dados mostram que poderíamos atender 40% mais de pessoas gastando o mesmo dinheiro, ou seja, seriam 20 milhões a mais de usuários com o mesmo custo que temos hoje. Se a gente não focar nisso, todo ano discutiremos os reajustes."