Na sociedade contemporânea é de senso comum a verdadeira via crucis a que o consumidor se submete, quando se depara com uma situação de resolução de problemas advindos de um produto ou serviço com vício ou defeito.


Todos os produtos e serviços colocados no mercado de consumo devem atender aos padrões de qualidade-adequação e qualidade-segurança, ou seja, devem satisfazer as legítimas expectativas esperadas de que suas finalidades e padrões de segurança, em todos os aspectos, serão alcançados.


O problema surge quando estas legítimas expectativas são frustradas e os fornecedores impõem aos consumidores um modo de resolução muito aquém daquele que se considera efetivo, rápido e eficaz.


As empresas acabam impondo aos consumidores os seus modos próprios de resolução que tiram das pessoas, um bem altamente relevante e impagável, que é o seu tempo, tempo de descanso, do lazer, de convívio familiar e social e até do seu próprio trabalho para resolver um problema, do qual não deu causa. São preciosas horas ou dias de espera por um retorno via aplicativo ou mesmo pelos comuns canais de acesso de atendimento ao consumidor. Quem já não ficou horas e muitas vezes não concretizou sequer a reclamação?


Os grandes fornecedores, principalmente, se aproveitam do seu domínio do conhecimento e poder econômico para impor ao consumidor práticas abusivas com as mais variadas justificativas ou artifícios de omissão, dificuldade e recusa de assumir sua responsabilidade. O fornecedor agindo assim, subverte a ordem jurídica e veladamente tenta transferir para o consumidor os seus deveres e custos profissionais que decorrem do problema que ele próprio criou e tem a responsabilidade legal de resolver.


Justifica-se, por conseguinte, que a perda definitiva de parte do tempo de vida, alterando a sua vida cotidiana viola a dignidade dos consumidores e configura lesão passível de ser indenizada. Trata-se de espécie de dano extrapatrimonial, não devendo ser confundido com dano moral em sentido estrito e ainda, como muitos magistrados ainda resistem e entendem, como mero aborrecimento.


Ora, o tempo de vida do ser humano não é possível de ser resgatado ou restituído, sendo, portanto, um atributo integrante da personalidade passível de ser indenizado quando violado, quanto mais em razão de um produto ou serviço com vício ou defeito colocado no mercado e, ausente ou desidiosa, sua forma de resolução.


O advogado e jurista Marcos Dessaune, pioneiro desta tese, ao publicar a sua Teoria do Desvio Produtivo, defende que o tempo do consumidor é um bem extrapatrimonial juridicamente tutelado e que, por isso, os fornecedores e prestadores de serviço devem indenizar o consumidor pela perda desse bem finito e valioso.


Os nossos tribunais, inclusive, já algum tempo vêm acolhendo esta teoria, tendo o Superior Tribunal de Justiça em 2017, publicado inédita decisão neste sentido no REsp 1.634.851/RJ. Consolida-se o entendimento de que a Teoria do Desvio Produtivo se aplica sempre que qualquer fornecedor, ao criar um problema de consumo e se eximir ou tentar atenuar a sua responsabilidade de saná-lo voluntária, tempestiva e efetivamente, leva o consumidor a desperdiçar o seu tempo vital, desviando-se das suas atividades existenciais, para enfrentar o problema que lhe foi imposto, sem que tenha dado causa.


Fica o recado, por fim, de que toda vez que o consumidor se deparar com práticas abusivas de protelação, dificuldades e obstáculos de origem nas condutas dos fornecedores em resolver problemas que eles próprios criaram, o tempo desnecessariamente perdido neste calvário, é passível de ser indenizado com base na Teoria do Desvio Produtivo.

Por Jackson Romeu Ariukudo – advogado e membro da Comissão de Direitos do Consumidor da OAB Londrina.