O número de condutores que solicitaram a EAR (Exerce Atividade Remunerada) cresceu consideravelmente em todo o país. Em São Paulo, o estado mais populoso do Brasil, a alta foi de 47,3% nos últimos quatro anos, chegando a 5,6 milhões de pessoas em 2022, segundo dados do Detran paulista. No Paraná, o departamento de trânsito forneceu os números dos últimos três anos e, de 2020 a 2022, houve acréscimo de 41,37% nos condutores que têm na CNH (Carteira Nacional de Habilitação) a observação indicando que o motorista usa o trânsito como meio de ganhar a vida.

Em 2020, o Detran-PR recebeu 38.172 solicitações de EAR. No ano passado, foram 53.965. Em Londrina, o crescimento foi ainda maior do que no Estado na comparação entre os três últimos anos, de 49,59%. Em 2020, 2.809 motoristas londrinenses pediram ao departamento estadual de trânsito que incluísse a observação EAR na CNH. No ano passado, foram 4.202.

A EAR pode ser solicitada por taxistas, motofretistas, mototaxistas, motoristas de carro por aplicativo, caminhoneiros, carreteiros, entre outras ocupações, mas dados reunidos pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sinalizam que o uso de aplicativos para trabalhar pode estar relacionado a essa expansão. Conforme os institutos de pesquisa, 1,7 milhão de pessoas estavam nesse grupo no terceiro trimestre de 2022, embora os estudos do Ipea e do IBGE também considerem os entregadores que utilizam bicicleta.

Uma outra pesquisa realizada pelo Ipea e divulgada no primeiro semestre do ano passado mostrou que a demanda pelos serviços de aplicativo vinha em uma crescente desde 2016, quando começou a ser avaliada, mas explodiu em 2020, durante a pandemia. No período de cinco anos, até 2022, o número de motoristas de aplicativos e motociclistas para entrega por aplicativo subiu 72% no país.

Para além das questões de saúde, que impuseram restrições à circulação de pessoas e impulsionaram os serviços de entrega e de transporte individual de passageiros, há que se avaliar também o contexto socioeconômico da crise sanitária. O aumento do desemprego empurrou muitos trabalhadores do mercado formal para a informalidade e, para muitos brasileiros, os aplicativos surgiram como uma alternativa rápida para gerar renda.

Ainda segundo o Ipea, de cada dez trabalhadores informais que transportam passageiros e mercadorias, seis são motoristas de aplicativos e taxistas, o equivalente a 61,2%.

João Carlos Lopes é um dos trabalhadores que ajudam a engrossar esse percentual. Desempregado e sem conseguir uma recolocação no mercado formal, há mais de cinco anos ele iniciou na atividade de transporte de passageiros. No início, contou ele, os ganhos eram mais compensadores. Hoje, se quiser faturar uma quantia mensal equivalente ao que recebia em 2017, ele é obrigado a trabalhar mais de 12 horas por dia. “Quando eu comecei, eu trabalhava menos horas por dia e tinha uma renda legal. Agora, várias altas de preços, como os combustíveis e os custos de manutenção, ficou difícil. Por isso grande parte dos motoristas de aplicativo alugam carro para trabalhar. Porque conseguir fazer a troca por um veículo mais novo, está cada vez mais complicado.”

Sobre a regulamentação, Lopes tem algumas ressalvas. O motorista afirma que é preciso “organizar a bagunça”, mas vê com preocupação de que forma isso vai ser feito. “Já falaram que a gente deveria ser MEI (Microempreendedor Individual). Para mim, não compensa. Estou muito perto de aposentar e se eu abrir MEI, vou perder em vez de ganhar.”

O motoboy Luciano Lima de Souza trabalha com entregas desde 2018. Ele também ingressou na atividade por falta de opções de vagas com carteira assinada. Desde que perdeu o emprego, como soldador, viu as oportunidades diminuírem e, incentivado pelo cunhado, também motoboy, viu que havia uma boa demanda para entregas de mercadorias. Embora não tenha vínculo com nenhuma empresa, ele atende três clientes fixos e também trabalha por aplicativo.

“Ganho razoavelmente bem. O suficiente para manter a família. Mas a gente não tem garantia nenhuma. Em 2019, no auge da pandemia, eu estava trabalhando bastante, nem imaginava que poderia aumentar a minha renda quando o comércio todo estava fechado. Mas aí, sofri um acidente de trânsito, quebrei o pé e fiquei um tempo parado. Se eu tivesse o respaldo da previdência, não teria ficado desamparado”, comentou. “Para a gente, não tem dia, noite, sol, chuva, frio, calor nem final de semana ou feriado. Todo dia, em qualquer condição, é dia de trabalhar. A gente se arrisca no trânsito. É bem sofrido.”

Governo federal e trabalhadores tentam avançar nas discussões sobre regulamentação

No ano passado, ao divulgar uma pesquisa com exclusividade ao Jornal da Globo sobre trabalhadores em aplicativos, o pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Geraldo Góes afirmou que o resultado do estudo apontava uma nova realidade no mercado de trabalho. “Os jovens hoje vão encarar um mercado de trabalho muito diferente do que nós enfrentamos e nossos pais. Eles vão ter que ter esse tipo de trabalho, geralmente sob demanda, temporário, não tem carteira assinada. Isso é uma realidade, não só no Brasil, mas está acontecendo realmente no mundo todo”, disse.

Essa tendência é chamada de “Gig Economy”, termo em inglês que apesar de conotar sofisticação e modernidade, esconde a precarização das relações de trabalho e é usado para designar as relações de trabalho entre funcionários e empresas que contratam a partir de demanda, sem estabelecer qualquer vínculo empregatício.

Uma visão diferente sobre esse conceito tem o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, que na semana passada, durante encontro com sindicalistas para discutir a regulação dos trabalhadores de aplicativo, usou a expressão “trabalho escravo” para definir a ocupação. “Nós acompanhamos a angústia dos trabalhadores e trabalhadoras de aplicativo, que muitas vezes têm que trabalhar 16 horas por dia. Isso, no meu conceito, está à beira do trabalho escravo.” Há seis anos, os trabalhadores da atividade tentam, sem sucesso, avançar nas conversas com o governo federal acerca da regulamentação.

Na última sexta-feira (20), no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, teve um encontro com o CEO da Uber, Dara Khosrowshahi, no qual reforçou o desejo brasileiro de regularizar a situação dos motoristas de aplicativo, sobretudo a previdenciária.

Uma das bandeiras levantadas pela Amobitec, a associação que reúne empresas como IFood, 99, Lalamove e Uber, é a inclusão dos motoristas e entregadores por aplicativo no sistema da Previdência Social. "São cerca de 1,4 milhão de pessoas que geram renda com o trabalho intermediado por plataformas e, cuja maioria, segundo pesquisas recentes, não está coberta pelas atuais modalidades de acesso à Previdência", afirmou o diretor-executivo da entidade, André Porto.

Segundo o presidente do Sindimoto-SP, Gil Almeida, a questão previdência é um dos problemas a ser resolvido, mas não esgota as demandas do trabalhador. "O carro-chefe não é a seguridade. A prioridade é o reajuste salarial. A gente é dono da moto, do celular, paga a internet, IPVA, manutenção e o combustível, que subiu. Mas a nossa remuneração pelas empresas está estacionada há sete anos, e os algoritmos jogam os preços do serviço para baixo. A seguridade sozinha não vai resolver o problema", ressaltou Almeida.

O ministro do Trabalho já sinalizou sua intenção de apresentar uma proposta para regular a atividade ainda neste primeiro semestre, deixando em alerta os entregadores, especialmente os autônomos. A Aliança dos Entregadores de Aplicativos convocou uma greve para esta quarta-feira (25), com a adesão de lideranças de 15 estados.

O alvo da paralisação, segundo o presidente da Amabr (Associação dos Motofretistas de Aplicativos Autônomos do Brasil), Edgar Francisco da Silva, o Gringo, não é o governo, mas os aplicativos. Os cerca de 30 trabalhadores assistidos pela Amabr querem a garantia de que qualquer negociação sobre regulamentação tenha espaço para os autônomos. "Não queremos centrais sindicais e nem sindicatos falando por nós, eles não nos representam. Se o ministro do Trabalho e os aplicativos não nos atenderem, iremos para a rua exigir nossos direitos."(S.S. com Folhapress)

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