O servidor da Saúde da Prefeitura de Jataizinho Paulo Vitor de Moraes conta que levou um susto quando descobriu que seu nome estava na lista dos servidores municipais que receberam o auxílio emergencial pago pelo Governo Federal a trabalhadores informais, MEIs (microempreendedores individuais), autônomos e desempregados como medida de enfrentamento à crise causada pela pandemia do coronavírus.

Um levantamento realizado pelo TC (Tribunal de Contas do Estado) e da CGU (Controladoria-Geral da União) mostrou que 10.648 servidores de 388 prefeituras do Paraná podem ter recebido o auxílio, num montante de R$ 7.319.400,00.

Moraes conta que soube quando amigos apontaram seu nome em uma lista que circulou na internet. “Nem sabia de nada. Uma amiga minha me mandou uma mensagem da lista e aí meus amigos meus começaram a brincar, mandar print. Achei que era montagem. Mas meu nome estava lá mesmo. Fiquei chocado, não estava entendendo o porquê.”

Ao conversar com familiares, Moraes se lembrou que esteve no Cadastro Único do Governo Federal, um banco de dados do Governo Federal com informações sobre famílias brasileiras em situação de pobreza e extrema pobreza, quando recebia o Bolsa Família, benefício que deixou de receber há alguns anos quando a renda da família aumentou. “Faz tempo que deixei de receber. Achei que tinha cancelado.” Estão no Cadastro Único famílias com ganhos de até um salário mínimo por pessoa ou até três salários mínimos de renda mensal total.

Após a publicação da lista, o servidor conta que foi procurado por pessoas na internet que queriam tirar satisfação. “Algumas pessoas vieram perguntar por que eu tinha recebido (o benefício), porque tinha gente que precisava. Pela internet você vê um monte de comentários. Isso é muito irritante. Conversei com primo meu formado em Direito para ver se tem como entrar com uma ação contra o governo. É chato, antes de divulgarem tinham que ter enviado uma carta para saber o que tinha acontecido, não sair jogando tudo. A questão do cadastro tenho como provar que não fiz, o CPF também está regular. Agora vamos ver.”

O presidente da AMP (Associação dos Municípios do Paraná), Darlan Scalco, afirma que muitos dos servidores municipais que estão na lista dos que receberam o auxílio emergencial do Governo Federal sequer estavam cientes do fato. “Quando recebemos a notícia, num primeiro momento a gente se assustou. Na minha cidade (Pérola), tivemos oito pessoas nessa lista e algumas eram aposentadas que sequer têm aparelho celular para se cadastrar. Entrei em contato com a superintendência da Caixa Econômica para verificar se a pessoa por um momento da vida fez o Cadastro Único. Se o CPF está lá, o governo gerou uma poupança automática e creditou (o valor). Tem pessoas que sequer sabiam que receberam.”

Conforme ele, dos oito servidores de Pérola, todos estavam no Cadastro Único e receberam automaticamente. “É importante dividir o joio do trigo mediante essa informação. A AMP está orientando as Associações Regionais e os prefeitos com a seguinte informação: ao receber a lista com os nomes, a primeira coisa a ser feita é fazer o filtro, cruzar com o Cadastro Único do Governo Federal. Se está lá, eles não se cadastraram. Agora é óbvio que, infelizmente, teve servidores que se cadastraram e sacaram os recursos.”

Scalco também orienta as prefeituras para que os servidores devolvam os recursos. A devolução do benefício é feita por meio de um sistema eletrônico disponível no site devolucaoauxilioemergencial.cidadania.gov.br, através de uma Guia de Recolhimento da União (GRU). “Mesmo devolvendo, a orientação é que o servidor seja notificado”, diz o presidente da AMP. No entanto, vai do entendimento do jurídico de cada município as providências a serem tomadas. “Tem jurídico que entende que não é o município que tem que notificar o servidor. Cada caso é um caso. A orientação da AMP é que não deixe passar em branco.”

O presidente da entidade também salientou que o cadastro para o recebimento do auxílio é individual e que as prefeituras não têm responsabilidade sobre o recebimento indevido. “Em momento algum nenhuma administração auxiliou ninguém a cadastrar nada, porque é um cadastro individual e esses que estão no Cadastro Único sequer se cadastraram. A prefeitura não teve nenhuma participação.”

Em nota, o TCE-PR afirmou que não divulgou a lista do nome dos servidores municipais que aparecem como beneficiários do auxílio emergencial. "A circulação de lista com os supostos recebedores do benefício ilegal provavelmente acontece em função de as prefeituras terem sido notificadas pelo Tribunal, desde esta quinta-feira (28), sobre a constatação da irregularidade. A decisão de não divulgar nomes visa preservar o sigilo fiscal e possibilitar que a investigação se aprofunde, definindo a possibilidade de eventual uso de CPFs por quadrilhas ou até mesmo a ocorrência de um erro de lançamento do próprio governo federal, além da eventual má-fé por parte do solicitante."

Em Londrina, 143 servidores estão no Cadastro Único

Segundo dados do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR), dos 257 servidores municipais de Londrina que receberam o auxílio emergencial, 143 estão no Cadastro Único do Governo Federal, 26 estão no programa Bolsa Família e 88 fizeram o cadastro para receber o auxílio. Os benefícios destinados a eles totalizam R$ 178,2 mil.

O corregedor-geral do município, Alexandre Trannin, afirma que uma das hipóteses que estão sendo consideradas pela prefeitura é que os servidores municipais que estão no Cadastro Único tenham de fato recebido o benefício automaticamente. Porém, todos os casos dos servidores municipais estão sendo verificados para saber se as informações prestadas no cadastro são verdadeiras. “Identificamos servidores, agentes públicos que receberam diretamente porque tinham cadastro no Cadastro Único. Há muitos casos nessa situação e em que a pessoa não emitiu nenhuma declaração falsa ao receber o auxílio emergencial.”

Para ele, ocorreu um erro por parte do Ministério da Cidadania, que não fez essa “crítica” no sistema do Cadastro Único. “Ainda que a pessoa seja servidora, ela pode estar no Cadastro Único por causa da sua condição social.” Todos os servidores deverão fazer a devolução imediata do benefício, mas aqueles que receberam o auxílio automaticamente, ainda que tiverem feito o saque, não serão responsabilizadas, diz o corregedor-geral. “Só há responsabilidade quando agiu de má fé.”

Dataprev: folhas de pagamento das prefeituras não estavam disponíveis

Em nota, o Dataprev, que é responsável por receber da Caixa os dados dos beneficiários, aprovar o cadastro de acordo com a lei 13.892/2020 e informar à Caixa quem deve receber o auxílio emergencial, afirmou que “as folhas de pagamento das prefeituras usadas para identificar os supostos repasses indevidos não estavam disponíveis para o processamento realizado pela Dataprev”.

“Devido à situação emergencial do momento de pandemia e urgência em atender a população mais vulnerável, o mecanismo de processamento é atualizado a cada lote entregue e são implantadas as melhorias identificadas.”

O Dataprev disse ainda que realiza o processamento dos pedidos do auxílio emergencial por meio do cruzamento das informações cadastradas pelos cidadãos no portal ou aplicativo com os dados das bases oficiais disponíveis no momento da análise, a partir das regras definidas pelo Ministério da Cidadania – órgão gestor do benefício – para atender à Lei n. 13.982, de 2 de abril de 2020.

O Ministério da Cidadania informou que “a evolução na verificação do processo é constante, onde são fundamentais a segurança e a agilidade para que os recursos cheguem aos que mais precisam”. A pasta também reforçou que disponibiliza um canal para denúncias de fraudes, o sistema Fala.Br (Plataforma integrada de Ouvidoria e Acesso à Informação da CGU), disponível na internet ou pelos telefones 121 ou 0800 – 7070 – 2003.