SANTOS, SP (FOLHAPRESS) - Em meio ao avanço do novo coronavírus no Brasil, o volume de serviços apresentou queda de 6,9% no mês de março, o primeiro com medidas restritivas impostas em cidades e estados brasileiros, informou o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nesta quarta-feira (8).

O resultado foi o pior desde o início da série histórica, em 2011.

A baixa é um reflexo da suspensão de atividades não essenciais, adotada para tentar conter a disseminação da Covid-19. Além da paralisação, parte dos funcionários foi colocada em home office, diminuindo a demanda por serviços.

Segundo o IBGE, o principal tombo se deu no segmento de serviços prestados às famílias, que recuaram 31,2% em março. Os principais afetados foram restaurantes e hotéis.

“Algumas empresas de setores considerados não essenciais, como restaurantes, acabaram tendo que funcionar de forma parcial, muitas vezes migrando para o sistema de delivery, mas os hotéis não têm essa opção e acabaram fechando”, disse o gerente da pesquisa, Rodrigo Lobo.

Dentre os serviços prestados às famílias estão atividades de musculação e cabeleireiros, incluídos nesta segunda-feira (11) pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) entre os serviços considerados essenciais durante a pandemia do novo coronavírus.

Segundo o IBGE, o peso dessas duas atividades têm um impacto reduzido dentro do setor de serviços prestados às famílias, de apenas 3%, embora a paralisação desses estabelecimentos tenha efeito importante sobre níveis de emprego e renda.

O resultado de março representou a segunda queda consecutiva do setor, que já havia recuado 1% em fevereiro.

Os efeitos do isolamento social devem ser aparecer de forma mais expressiva nos resultados de abril. Isso porque será o primeiro mês completo sob medidas restritivas para controle da pandemia.

Especialistas ouvidos pela reportagem definiram o cenário como desastroso para a economia brasileira.

"Essa diminuição de receita nunca foi vista. O mês de abril vai ser pior ainda. Estamos prevendo uma queda no PIB na ordem de 5%", definiu o professor de finanças e mercado financeiro da Fipecafi, George Sales.

Para ele, para evitar uma quebra generalizada nas empresas de serviços, especialmente as de turismo, deveriam ser pensadas alternativas de flexibilização. "Não necessariamente de funcionamento, mas de tributos que essa gente paga", apontou o professor.

Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, apontou que o setor de serviços vai chegar ao fundo do poço em abril.

"A gente está vivendo o chamado olho do furacão. Estamos bem no meio da tormenta nesse momento. E a perspectiva é muito negativa para abril. O que é esperado é algo bem terrível no mês", classificou o economista.

Para o presidente da Associação Nacional dos Restaurantes (ANR), Cristiano Melles, a queda de 33,7% no setor de alojamento e alimentação em março não é nada perto do que acontece nos meses seguintes.

"Nós acreditamos que em abril e maio a queda seja superior a 80%, uma vez que a maioria dos bares e restaurantes de todo o país está de portas fechadas, operando apenas com delivery, drive thru ou entrega no balcão”, afirmou.

Ele explicou que o sistema delivery representa apenas 5% do faturamento do setor e estima que a categoria já perdeu 1 milhão de empregos desde o início da crise.

O professor George Sales explicou justamente isso, que os números baixos no setor de serviços representam um aumento considerável no desemprego e dificuldades maiores na vida da população brasileira. "A gente vai ter anos bem difíceis pela frente. Não é algo tranquilo de se resolver", apontou.

De acordo com o IBGE, março foi impactado principalmente nos últimos 10 dias do mês, quando as paralisações começaram.

"Quando a gente olha para os resultados de março, com apenas 10 dias de paralisação, não restam dúvidas que a perspectiva que temos para abril é de uma queda mais aprofundada, com uma quantidade maior de empresas paralisadas, na medida que o isolamento social se estendeu pelo território brasileiro", disse Rodrigo Lobo.

Em São Paulo, por exemplo, desde 24 de março apenas serviços essenciais estão abertos ao público. No Rio de Janeiro, o decreto com as primeiras medidas de quarentena foi publicado ainda antes, em 17 de março.

Todas as cinco atividades pesquisadas pelo IBGE tiveram quedas. Além dos serviços prestados às famílias, também foram afetados transportes, serviços auxiliares aos transportes e correio, com recuo de 9% —a segunda queda mais intensa da série na área, atrás apenas de maio de 2018, quando ocorreu a greve dos caminhoneiros.

Atividades de transporte tiveram queda de demanda, como os segmentos de transporte aéreo (recuo de 27,5%) e algumas empresas de transporte rodoviário coletivo de passageiros (-10,6%), segundo o IBGE.

Eduardo Sanovicz, presidente da Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear), ressaltou que o mês de abril vai apresentar uma piora ainda significativa, com o mês todo em quarentena e redução das malhas aéreas, caindo de 2,6 mil voos diários para apenas 180.

"O número será muito pior. A queda será uma hecatombe. Nossa primeira avaliação no mercado doméstico é que caiu 92%. E o mercado internacional caiu 100%, praticamente zero", analisou Sanovicz.

Ele prevê que não é possível estimar um cenário de melhora para o setor por enquanto, principalmente pela falta de demanda. Com o isolamento social imposto no país e perda de receitas das empresas, diminuíram não só os voos com passageiros em turismo, mas também as viagens corporativas, que representam 65% da receita das empresas.

"Nós não criamos demanda, transportamos. Mas a demanda precisa existir. O cara do petróleo precisa querer sair do Rio ao Paraná. O de celulose, de São Paulo para outro lugar. Se não melhorarem os setores, não temos demanda", analisou Eduardo. "Vamos sair do lado de lá [da crise]? Vamos. Agora, de que tamanho e com que capacidade é cedo para cravar", completou.

O setor aéreo vem tentando algumas medidas junto ao governo. As mais recentes estão em discussão com o Ministério da Economia e discutem, por exemplo, linhas de crédito junto ao BNDES e a liberação do FGTS aos tripulantes.

As outras três atividades que encolheram em março foram serviços profissionais, administrativos e complementares (3,6%), informação e comunicação (1,1%) e outros serviços (1,6%).

Regionalmente, 23 estados mais o Distrito Federal tiveram resultados negativos em março, na comparação com fevereiro.

Na comparação com março de 2019, o volume de serviços teve retração de 2,7%. No acumulado do ano, a queda é de 0,1% na comparação com igual período do ano anterior. Nos últimos doze meses, o setor acumula alta de 0,7%.

Os serviços têm forte peso sobre o PIB (Produto Interno Bruto), com participação acima de 60%. A expectativa para o PIB deste ano na pesquisa Focus realizada pelo Banco Central já é de queda de 3,76%, em meio às consequências da escalada do novo coronavírus no Brasil.

Na semana passada, o IBGE já havia divulgado que a pandemia do novo coronavírus derrubou a produção industrial brasileira em março, com queda de 9,1% na comparação com o mês anterior, a pior desde maio de 2018, quando a greve dos caminhoneiros paralisou o país.