No início do mês, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) proferiu sua primeira decisão a respeito de uma discussão que se tornou recorrente após o surgimento dos aplicativos de transporte. A Quinta Turma do Tribunal negou, por unanimidade, que existisse vínculo empregatício entre um motorista com o aplicativo Uber.

Imagem ilustrativa da imagem Sem regulamentação, motoristas de aplicativos ficam à margem
| Foto: Gustavo Carneiro

A medida tem efeito imediato somente para o caso de um motorista específico, mas abre o primeiro precedente do tipo no TST, de onde se espera uma unificação do entendimento sobre o assunto na Justiça do Trabalho. Isso porque, em instâncias inferiores, têm sido proferidas decisões conflitantes a respeito dos aplicativos de transporte nos últimos anos.

Todos os ministros que participaram do julgamento no tribunal seguiram o voto do relator, ministro Breno Medeiros. Para ele, o motorista não é empregado do Uber porque a prestação do serviço é flexível e não é exigida exclusividade pela empresa.

O TST considerou ainda que o pagamento recebido pelo motorista não é um salário, e sim uma parceria comercial na qual o rendimento é dividido entre o Uber e o motorista. Esse é um dos principais pontos da defesa do aplicativo, que alega não ser uma empresa de transporte.

“Ao analisar provas e o depoimento das partes, o TST entendeu que não havia elementos que caracterizavam a relação patrão e empregado”, explicou a advogada. De acordo com ela, alguns elementos que caracterizam essa relação são habitualidade, subordinação, exclusividade, dependência econômica. Esses elementos podem ser provados através de documentos e testemunhas, mas nem sempre o prestador de serviços dispõe de provas suficientes. Por isso as decisões sobre o mesmo assunto são tão divergentes.

Outro motivo que justifica essas divergências é ainda não existir lei que regulamente o assunto.

Segundo a advogada Lisiane Mehl, a decisão ganhou destaque por se tratar da primeira proferida pelo TST, mas não significa que as que vierem em seguida terão de segui-la. “Serve como precedente, mas cada caso é um caso. Existem vários processos tramitando no Brasil inteiro. Não significa que os tribunais terão que acompanhar o TST.”

Em nota, a Uber citou vitórias em ao menos 240 sentenças em varas trabalhistas em todo o país. Na ação, defendeu que não é uma empresa de transporte, mas uma plataforma tecnológica. A empresa disse também que o motorista, ao fazer o cadastro para usar o aplicativo, concorda com termos e condições e aceita uma relação de parceira com a empresa.

Comprometimento

Entre os motoristas de aplicativos, as opiniões divergem. Para Dirceu Ribeiro, ser motorista de aplicativo implica não ter vínculo de emprego e, ao se tornar um, a pessoa aceita essa condição. “Você trabalha se quiser e aceita essa condição. Se não quiser, não trabalha.” Hoje, Ribeiro deixou a atividade para se dedicar ao trabalho na área de consultoria de pesquisa. Quando começou a trabalhar como motorista de aplicativo, ele lembra que não desejava ter vínculo com a empresa. “Não sou empregado da empresa e nem queria ser. É a Uber que trabalha para mim, colocando passageiros.”

Já para Wesley Cioffi e Julio César de Lima, que trabalham fazendo entregas, não há necessidade de vínculo empregatício entre motoristas e aplicativos. Mas eles cobram um comprometimento maior dos apps com os motoristas. “A gente dedica tempo a eles. Se não fossem eles, não teríamos trabalho e sem nós eles não são nada”, comenta Cioffi. “Não fosse nós, Uber Eats, iFood não iam existir”, completa Lima.

Os entregadores reclamam das taxas baixas, das condições de trabalho – tempo muito curto para as entregas - e da falta de suporte oferecida pelos aplicativos em casos de problemas. “Não tem uma base. Você quer falar com alguém e não consegue”, queixa-se Lima.

Sem alternativa

Com o elevado índice de desemprego, o número de pessoas que prestam serviços através desses aplicativos cresceu exponencialmente, e por isso uma regulamentação se faz urgente, alerta a advogada Lisiane Mehl. “Eles são empreendedores porque não tiveram alternativa, não têm emprego. Em um país em crise econômica, é uma alternativa que encontraram. E isso cresceu muito.”

Mehl alerta que, enquanto não houver uma regulamentação da relação de trabalho entre aplicativos e prestadores de serviços, casos como esses serão decididos caso a caso, a depender do convencimento do juiz e das provas constantes nos autos.

Sem garantias, os prestadores de serviços assumem os riscos relativos à atividade. “O que aconteceu é que as relações de trabalho se precarizaram significativamente. As pessoas vivem à margem, sem qualquer direito ou proteção. É importante que se regulamente o assunto para não haver tanta divergência jurisprudencial.”(Com Agência Brasil)