Como medida para reduzir a disseminação do novo coronavírus, empresas de ramos considerados não essenciais estão com as portas fechadas desde o dia 23 em Londrina. Na última sexta-feira (3), o prefeito Marcelo Belinati (PP) resolveu estender o prazo de fechamento do comércio por mais uma semana, período que deverá representar o pico de contaminação na cidade. Medida necessária, porém, os efeitos colaterais na economia das empresas e das famílias são inevitáveis. Sem abrir, e funcionando apenas com serviços de delivery, as empresas não conseguem faturar, e para cortar despesas nesse período de quarentena, já começam a dispensar funcionários na cidade.

A crise também afetou em cheio o setor de bares e restaurantes. O movimento de clientes nesses estabelecimentos começou a diminuir no início de março, e após a determinação do fechamento do comércio em Londrina, a redução chegou a 90%. Com a queda nas operações, vieram as demissões e muitos empresários decidiram fechar as portas.

Imagem ilustrativa da imagem Sem atividade e faturamento, empresas começam a demitir em Londrina
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Uma enquete realizada pela ANR (Associação Nacional de Bares e Restaurantes) entre 27 de março e 1º de abril apurou que mais de 600 mil pessoas podem ter sido demitidas no setor em razão da escalada do coronavírus no País e a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) estima que metade dos 6 milhões de empregados ligados ao setor no Brasil pode ser demitida entre abril e maio caso o período de isolamento social se estenda.

No final de fevereiro, o chef de cozinha Felipi Santos Teles havia sido contratado para comandar a cozinha de um restaurante recém-inaugurado na Gleba Palhano, em Londrina. Ele estava animado com a oportunidade, mas 20 dias depois de começar a trabalhar veio a quarentena. Com um número pequeno de pedidos pelo aplicativo de entrega, o proprietário concluiu que não teria como manter o negócio e os funcionários. “Peguei um restaurante novinho em folha. O dono investiu, ficou a coisa mais linda. Foi bem deprimente aquela cena acontecendo. Fiquei frustrado e com medo dessa situação”, recorda.

Sem reservas financeiras e sem a perspectiva de um novo trabalho, Teles montou um cardápio de lanches para vender pelo sistema de entrega no restaurante de uma amiga. Mas seu futuro profissional é incerto. “Minhas contas estão atrasadas, condomínio, internet, estou sem dinheiro. Não sei como vai ficar.”

OUTROS SETORES

A Léo Cosméticos dispensou 15 funcionárias que tinham contrato de trabalho temporário. A rede tem 18 lojas em Londrina, Apucarana, Arapongas, Maringá, Curitiba e em Santa Catarina e cerca de 400 colaboradores.

Segundo o proprietário da rede, Fabio Kai, a folha de pagamento dos funcionários hoje gira em torno dos R$ 700 mil sem impostos. “Não tenho de onde tirar esse dinheiro sem faturamento. Estamos trocando feriados do final do ano, dando férias, mas muitas têm só quatro, cinco meses de empresa. Estamos pagando para elas algo que não temos ainda.”

O pagamento de fornecedores está sendo bloqueado para quitação de contas de aluguéis, energia e funcionários, afirma Kai. Mas, sem faturamento, o proprietário estima que o prejuízo na rede já ultrapasse os R$ 2 milhões.

Na semana passada, a Justiça impediu que a TCGL suspendesse por até quatro meses o contrato de 150 dos quase mil funcionários da empresa de transporte coletivo após queda da atividade econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus. A suspensão atingiria principalmente motoristas e, durante a suspensão, os colaboradores receberiam apenas o vale-alimentação. A liminar foi expedida pela juíza da 7ª Vara do Trabalho de Londrina, que estipulou multa diária de R$ 2 mil por trabalhador em caso de descumprimento da decisão. Na ocasião, a MP 927/20 estabelecia que os empregadores poderiam suspender contratos de trabalho por até quatro meses sem pagamento de salários, mas o artigo em questão foi revogado.

Com o cancelamento da 60ª edição da ExpoLondrina, cerca de 8 mil contratos de trabalho temporários também deixaram de ser firmados na cidade. (Mie Francine Chiba e Simoni Saris/Reportagem Local)

"Todos foram pegos de surpresa", diz consultor de restaurantes

Professor de gastronomia e consultor de restaurantes, Marcelo Furuti atua no setor há mais de 12 anos em Londrina e nunca havia atravessado uma crise como essa. Como professor, ele recebe por aulas, mas a escola suspendeu as atividades na quarentena. As consultorias também estão paradas, pois os restaurantes não estão em condições de contratar serviços neste momento. “Todos foram pegos de surpresa e a grande maioria não possuía uma reserva de emergência. Estou economizando ao máximo, atrasando contas que não são essenciais e que talvez consiga anular os juros futuramente. Recebi ajuda de um familiar que é o que está me mantendo hoje. Mas se prolongar muito a crise, ficarei em uma situação bastante delicada.”

O empresário Cesar Paloco Junior começou a sentir os efeitos da crise do coronavírus algumas semanas antes do início da quarentena. Ele é proprietário do 21 Cocktail Bar e do café Madame Brulée, em Londrina, e tem uma empresa de congelados em Balneário Camboriú (SC). Paloco também é dono da Hangar, empresa especializada na aquisição de restaurantes falidos que tenta encontrar novos donos para o negócio e também revende os equipamentos para outros estabelecimentos. “Participo de um grupo com 195 donos de restaurantes e eu senti que parou a procura por equipamentos, que era constante. E os pedidos de avaliação de restaurantes aumentou. Recebíamos dois ou três por semana. Agora, são dez a 12 pessoas por semana desmontando ou querendo passar o ponto para a frente”, conta.

O empresário destaca que março é o dissídio salarial da categoria e patrões que demitem nesse mês são obrigados a pagar multa. Para escapar da punição, muitos empregadores deixaram para fazer os desligamentos a partir de abril. “Vão ser muitas demissões neste mês, mas muitos estão demitindo sem nem ter como pagar.”

Na quinta-feira (2), o governo federal publicou a MP (Medida Provisória) 936/20, que prevê o pagamento de uma compensação do governo aos trabalhadores que tiverem suas jornadas de trabalho reduzidas ou suspensas por até 90 dias. Em contrapartida, o empresário se compromete a dar estabilidade ao funcionário pelo mesmo período. Paloco aprova a decisão, mas ressalta que além de ser um processo burocrático, só irá valer para a folha salarial do mês que vem. “A maioria das empresas de varejo não tem dinheiro para pagar a folha deste mês porque está fechada há quase 15 dias.” (Simoni Saris/Reportagem Local)

União entre patrões e empregados ajuda a contornar crise

Assim que começou a quarentena, Saulo Soares Rocha, proprietário da hamburgueria Du Delega, em Londrina, deu folga aos funcionários e distribuiu entre eles os alimentos em estoque. Na segunda semana, sem perspectiva de retorno das atividades do comércio, os empregados sugeriram reabrir o estabelecimento para atender os clientes por delivery. Para suprir a demanda sem desrespeitar as normas sanitárias impostas pela pandemia, todos os colaboradores foram para a cozinha em esquema de revezamento. “A preocupação se teríamos sucesso em reabrir era menor do que se todos teriam o que comer nos próximos meses. Ainda não sabemos se conseguiremos mantê-los”, diz Rocha.

Além da preocupação em pagar fornecedores e funcionários, o empresário teme demorar muito para voltar a ter clientes depois de encerrado o período de restrições à abertura do comércio. “Contamos com a ajuda de amigos e conhecidos na divulgação. Hoje, não estamos trabalhando para ter grandes lucros, apenas para pagar nossos colaboradores e fornecedores”, afirma Rocha, que também é dono de um hotel com 54 apartamentos que está fechado por falta de hóspedes.

O consultor de restaurantes Marcelo Furuti administra um grupo de Whatsapp criado para ser a ponte entre empregadores e funcionários da área de alimentação. Nos últimos dias, porém, as vagas de trabalho ofertadas estão reduzidas a quase zero. Na tentativa de minimizar o impacto das demissões, uma empresária do setor teve a ideia de criar uma espécie de banco de recursos humanos para ajudar os empregados dispensados a conseguirem uma nova colocação no mercado de trabalho. “Tivemos que criar um segundo grupo para atender os profissionais que irão fatalmente perder seus empregos. Agora estou com dois grupos para anúncio de vagas e currículos para restaurantes. Não é uma solução, mas a iniciativa pode ajudar aqueles que ficarem desempregados”, comenta Furuti. (Simoni Saris/Reportagem Local)

Abrasel cobra medidas do Estado e município

A Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) em Londrina ainda não tem números oficiais sobre a crise no setor, mas observa perdas significativas no faturamento das empresas do ramo. “O sistema de delivery ajuda a manter o movimento nos caixas de bares e restaurantes, mas mesmo com o suporte dos aplicativos de entrega não é suficiente para equilibrar a operação”, diz o diretor-executivo da Abrasel em Londrina, Vinicius Donadio.

Além da Medida Provisória 936/20, publicada na última quinta-feira (2) pelo governo federal e que define a redução de salário e jornada e suspensão do contrato de trabalho, a Abrasel aguarda outras medidas de auxílio e subsídio. “Somente após as aprovações os empresários poderão refazer as contas e estudar se poderão manter os empregados ou se terão que demitir parte da equipe. Vários itens que compõem as MPs foram nominados pela Abrasel nacional, que tem atuado diretamente ao lado do governo federal”, afirma Donadio.

A entidade também encaminhou reivindicações ao governo do Paraná e algumas delas já foram atendidas, como a suspensão temporária da cobrança de ICMS. Em Londrina, a Abrasel tem caminhado com outras entidades do Trade Turístico e Acil (Associação Comercial e Industrial de Londrina), solicitando medidas emergenciais ao setor. Uma delas era a prorrogação do vencimento de tributos municipais, anunciado pela prefeitura na terça-feira (31).” Como não temos uma previsão exata de quando poderemos retomar as atividades, dependemos hoje exclusivamente da aprovação das medidas de apoio às empresas para que possam aguentar fechadas por mais algum tempo”, destaca Donadio. (Simoni Saris/Reportagem Local)

Ação do governo como garantidor é necessária, diz Dieese

Para o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), ainda é muito difícil projetar a magnitude do impacto que o coronavírus exercerá sobre o emprego. Fabiano Silva, economista do órgão, avalia que o tamanho do impacto vai depender das ações que o governo tomará em relação a isso.

O desemprego traz uma perspectiva sombria às famílias e também à economia, diz o economista. “Com pessoas desempregadas, o potencial de consumo acaba caindo. Dois terços da demanda são consumo das famílias. O que puxa o crescimento econômico é o consumo das famílias. Nesse momento é ainda mais importante a ação do estado como um garantidor para não termos uma situação ainda pior.”

A MP 936/2020, publicada na última quinta-feira (2), autoriza as empresas a reduzirem jornadas e salários e a suspenderem contratos de trabalho em troca de preservar o cargo durante a redução ou suspensão e por igual período após o retorno ao expediente.

Entretanto, em nota técnica publicada na sexta-feira (3), o Dieese observa que a MP protege apenas os trabalhadores que tiverem suas jornadas reduzidas ou seus contratos de trabalho suspensos. “Demais trabalhadores da empresa podem ser dispensados”, ressalva a nota.

Sobre o crédito para a manutenção de empregos com recursos do Tesouro Nacional para pagamento da folha de salários, também anunciado pelo presidente da República, o Dieese também considera que o período coberto pela linha especial de financiamento – dois meses de pagamento de salários - está “muito aquém do necessário para a saída da situação de emergência”. Além disso, o crédito está disponível apenas para empresas com faturamento entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões. “Sobretudo, as incertezas futuras são grandes, o que pode desestimular os pequenos e médios empresários a tomarem o empréstimo.”

Para o Diesse, existe uma lacuna na garantia de emprego aos trabalhadores, independentemente de estarem incluídos no programa. “Para dar tranquilidade às famílias durante a fase de combate à pandemia, os empregos deveriam ser garantidos, proibindo-se dispensas sem justa causa”, conclui a nota da entidade. (Mie Francine Chiba/Reportagem Local)

Dobra procura por liberação de crédito

Em menos de um mês, dobrou o número de operações de empréstimo na Fomento 43, Empresa Simples de Crédito de Londrina, que promete crédito com mais agilidade e menos burocracia, reduzindo de 30 para três dias o prazo para liberação. “A maior parte são empresários que buscam fôlego para os próximos meses. São valores maiores que a folha de pagamento, não é um dinheiro para curto prazo, é para levantar capital para os próximos três ou quatro meses”, diz o sócio-proprietário da empresa, Thiago Eik. Os valores variam de R$ 50 mil a R$ 100 mil.

Apesar de manter taxas de juros mais altas do que as praticadas pelas grandes instituições bancárias e possibilidade de parcelamento menor, em até 18 meses, Eik diz que a empresa reduz as exigências e mesmo clientes negativados podem conseguir crédito. “Se não tem a ficha limpa, o cliente pode oferecer como garantia um veículo ou imóvel no nome dele ou de algum familiar. (Simoni Saris/Reportagem Local)