Selic perto de 15% deixa setor produtivo e varejo apreensivos
Crédito mais caro, diminuição da capacidade de investimentos e aumento do endividamento das famílias são possíveis efeitos da alta dos juros
PUBLICAÇÃO
sábado, 10 de maio de 2025
Crédito mais caro, diminuição da capacidade de investimentos e aumento do endividamento das famílias são possíveis efeitos da alta dos juros
Simoni Saris - Grupo Folha

O varejo, a indústria, a construção civil e o setor de serviços devem ser fortemente impactados pela recente alta da taxa Selic. Na última quarta-feira (7), o Copom (Comitê de Política Monetária), do Banco Central, elevou em meio ponto percentual a taxa básica de juros, que chegou a 14,75%, o maior patamar em quase duas décadas.
O mercado acompanha com apreensão os desdobramentos da decisão do Copom. A preocupação é com a possibilidade de alta do endividamento, do aumento da inadimplência e da contenção dos gastos. Financiamentos e investimentos podem ser prejudicados.
“Esse nível elevado de taxa de juros encarece o crédito, tendo em vista que as demais taxas de juros da economia tendem a subir também, comprometendo as intenções de consumo e de investimento, principalmente em setores que dependem de financiamentos, acarretando o arrefecimento do investimento privado”, analisou o professor do curso de economia da Faculdade Anhanguera, Élcio Cordeiro da Silva.
Além de inibir os investimentos, lembrou o economista, uma Selic tão alta impacta o fluxo de caixa das empresas devido ao pagamento crescente dos juros das dívidas contraídas e dos empréstimos futuros, comprometendo a solvência das empresas.
Os mais afetados são os pequenos negócios. “As micro e pequenas empresas dependem do acesso ao crédito para iniciarem o seu negócio, comprar mercadorias, realizar reformas, entre outras, dificultando ainda mais o empreendedorismo no país”, destacou Silva.
Para as famílias, os efeitos da alta dos juros é o encarecimento dos empréstimos e financiamentos. Assim, a compra de bens de valor mais elevado, como carros e imóveis, tendem cair.
Nesta semana, uma pesquisa realizada pela CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) em parceria com a Fecomércio-PR (Federação do Comércio do Estado do Paraná) apontou queda no índice de paranaenses endividados. Entre abril de 2024 e abril de 2025, o percentual de lares que possuíam algum tipo de dívida caiu de 90,3% para 86,6%.
Com esse recuo, o Paraná caiu da primeira para a nona posição no ranking nacional de endividamento.
Agora, com uma taxa de quase 15% para os juros, ressurge o risco de avanço do endividamento. A Selic nesse patamar faz com que o governo retenha capital para ele ao mesmo tempo em que retira moeda de circulação, o que a médio prazo implica em alta do endividamento, causado pelos altos juros aplicados nos parcelamentos, avaliou o presidente do Sincoval (Sindicato do Comércio Varejista de Londrina), Ovhanes Gava. “Isso, consequentemente, vai virar uma bola de neve do endividamento e da inadimplência.”
O sindicalista lembrou que a Fecomércio-PR já havia projetado um segundo semestre de contingenciamento do mercado em razão do índice inflacionário previsto para o primeiro semestre, de 5,5%. “Se isso acontecer, vamos nos endividar no segundo semestre e ter um índice de inadimplência alto no começo do ano que vem, o que é ruim para a economia. Quem sofre é o comércio varejista”, disse Gava.
CONSTRUÇÃO CIVIL
Para o setor da construção civil, a Selic é o principal entrave e a expectativa é que depois da alta aplicada nesta semana, os juros comecem a cair. “Mesmo com números muito positivos, de 17% de aumento nas vendas nacionais no primeiro trimestre em relação ao último trimestre do ano passado, a alta dos juros traz insegurança para os novos lançamentos”, destacou a presidente do Sinduscon Norte Paraná, Célia Catussi.
Os juros elevados encarecem o processo nas duas pontas. O crédito fica mais caro tanto para quem constrói quanto para quem compra os imóveis.
Com base em movimentos de altas anteriores dos juros, Catussi acredita que a tendência é que os empresários diminuam um pouco os lançamentos. “A gente já sentiu essa tendência no primeiro trimestre e o aumento da Selic acende um alerta para a dificuldade na busca de financiamento no mercado.”
“A notícia positiva é que as vendas ainda estão em um índice positivo. O governo lançou a faixa quatro do Minha Casa, Minha Vida, para impulsionar o mercado de imóveis até R$ 500 mil, o que impulsiona também outros produtos acima desse valor”, pontuou a presidente do Sinduscon.
A ativação da faixa quatro do programa habitacional do governo federal fez com que a CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção) mantivesse a previsão de crescimento de 2,3% para o setor em 2025 mesmo com a taxa Selic perto dos 15%. Mas o setor deve pressionar o governo nos próximos meses para que os juros comecem a baixar. “Com uma taxa Selic de um dígito, milhões de pessoas têm a possibilidade de adquirir imóveis”, ressaltou Catussi.
O aumento do custo do crédito é uma preocupação também para a indústria paranaense porque compromete a capacidade do setor de investir em tecnologias para aumento da produtividade, medida considerada essencial em um cenário de “quase pleno emprego”.
INDÚSTRIA
Em nota encaminhada pela assessoria de imprensa, a Fiep (Federação das Indústrias do Estado do Paraná) disse que o aumento da Selic deixa ainda mais evidente a urgência no enfrentamento das causas que mantêm o Brasil entre os países com os juros mais altos do mundo. “Para a Fiep, é fundamental priorizar o equilíbrio fiscal como forma de conter a inflação e garantir um ambiente mais favorável ao investimento produtivo.”
E sem investimentos pesados no aumento da produtividade por meio da atualização tecnológica, avaliou a Fiep, o país não conseguirá sustentar um crescimento do seu PIB (Produto Interno Bruto) em longo prazo.
Elcio Cordeiro da Silva chamou a atenção ainda para o impacto que os juros elevados têm nas contas públicas. “Uma vez que a remuneração dos títulos públicos está atrelada à Selic, quanto maior a taxa de juros, maior será o gasto do governo federal com o pagamento dos juros da dívida pública que, por consequência, aumenta ainda mais a dívida pública”, pontuou o economista.

