Ricardo Eletro protocola recuperação judicial de R$ 4 bilhões, a maior do varejo brasileiro
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quarta-feira, 14 de outubro de 2020
JÚLIA MOURA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A varejista Ricardo Eletro protocolou seu plano de recuperação judicial nesta terça-feira (13), no valor de R$ 4,010 bilhões. Segundo advogados da área, esta é a maior recuperação judicial no setor de varejo brasileiro da história.
O Grupo Máquina de Vendas, que engloba Ricardo Eletro, Lojas Salfer, CityLar, Lojas Insinuante e Eletroshopping, entrou com o pedido em agosto e, agora, ele foi aceito pela 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo (SP).
"Esse valor assusta. A empresa demorou muito para tomar providências e acumulou muita dívida, mas o plano tem grandes chances de ser aprovado", diz Felipe Lollato, sócio do Lollato, Lopes, Rangel, Ribeiro Advogados, escritório especializado em recuperação judicial e de crédito.
Segundo Lollato, as recuperações judiciais de varejistas não são muito frequentes e, quando acontecem, giram em torno de R$ 200 milhões a R$ 500 milhões.
"Não é comum no setor por conta do perfil de endividamento que essas empresas constroem com os fornecedores e, quando as recuperações ocorrem, poucas são bem sucedidas. Varejistas têm pouca garantia real e necessidade de caixa muito alto. É mais fácil decretar logo a falência do que buscar uma recuperação."
O plano envolve a venda de lojas, imóveis, marcas do grupo e parte da operação, além da redução de quadro de funcionários e investimento no ecommerce, que vêm ocorrendo desde agosto.
"Não são ativos significativos para fazer frente a dívida, mas é positivo pois mostra a intenção da empresa de pagá-la", diz Lollato.
Agora, a empresa irá apresentar o plano aos credores, que deve ser aprovado com modificações. Segundo especialistas, os fornecedores devem ser mais favoráveis à reestruturação do que os bancos, que tendem a dar preferência para a execução da dívida. Além de otras empresas, a Máquina de Vendas tem dívidas com oito mil ex-funcionários.
"Nesse momento, estamos dando prioridade às dívidas trabalhistas, pois os trabalhadores demitidos são o principal foco de atenção da empresa. Contudo, os fornecedores estratégicos, essenciais para a continuidade do negócio, também serão priorizados. A ideia é envolvê-los no processo de recuperação do negócio, de forma que recuperem os seus créditos o mais breve possível, mediante o avanço do faturamento", diz Salvatore Milanese, sócio fundador da Pantalica Partners, e assessor financeiro da Ricardo Eletro.
A companhia estava em recuperação extrajudicial desde 2019, mas avalia que o processo não aconteceu exatamente como previsto e aprovado pelos credores, que teriam mostrado uma posição de insegurança. "Resolveram unilateralmente não abrir as linhas de crédito necessárias mesmo sabendo que a premissa do procedimento extrajudicial pré-executivo era essa", disse a Ricardo Eletro em seu pedido de recuperação judicial.
Agora, com a recuperação judicial, o grupo conseguiu a abertura de linhas de crédito junto a instituições financeiras em mais de R$ 300 milhões.
Neste último ano, cerca de 3.500 funcionários ligados à operação física do grupo foram demitidos e todas as lojas foram fechadas. Sobraram mil colaboradores, sendo 850 de suporte, ligados à logística e entrega, e 150 no escritório.
Segundo a varejista, a pandemia de Covid-19 interrompeu o seu processo de retomada com a reestruturação da rede, após troca na administração no segundo semestre de 2019.
"A Máquina de Vendas entende que está no caminho certo e vê a recuperação judicial como um momento transitório na sua jornada de reconstrução. Por isso, concomitante à recuperação judicial, está sendo lançado um novo modelo de negócio para o setor de varejo da Ricardo Eletro, por meio do qual qualquer pessoa, empresa ou loja terá a possibilidade de vender os produtos e serviços da empresa, aproveitar a marca, a malha logística e toda estrutura digital da Ricardo Eletro para tornar sua parceira", diz a empresa em comunicado.
A Ricardo Eletro foi fundada por Ricardo Nunes no interior de Minas Gerais, em 1989, e chegou a ter mais de 1.100 lojas pelo Brasil, com mais de 12 mil colaboradores diretos.
Era a quinta maior varejista do país em 2011, segundo o ranking elaborado pelo Ibevar (Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado). Em 2019, foi para o 22º lugar no mesmo ranking, com receita anual estimada em R$ 5,5 bilhões.
Hoje, a empresa é controlada pela MV Participações, que teve Nunes como diretor até 9 de outubro de 2019. Na mesma data, Pedro Henrique Torres Bianchi foi escolhido diretor da MV Participações e, em janeiro, o executivo assumiu a presidência da Máquina de Vendas.
Em julho, Nunes chegou a ser detido na operação Direto com o Dono, que investiga suposta sonegação fiscal de R$ 387 milhões de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e lavagem de dinheiro em empresas controladas pelo empresário.
A investigação da força-tarefa composta pela Promotoria de Minas Gerais, Polícia Civil e Secretaria da Fazenda aponta que houve sonegação de impostos ao longo de cinco anos, entre 2014 e 2019.
Para o Ministério Público de Minas, o empresário seguiu à frente da Máquina de Vendas até depois de sua saída como executivo da companhia, o que a defesa de Nunes e a empresa negam.
Nunes ficou detido por um dia, em Contagem, região metropolitana Belo Horizonte, sendo liberado após prestar depoimento.
Pedro Magalhães, diretor financeiro da Máquina de Vendas, também foi ouvido pelo Ministério na ocasião.