SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - “É incompatível ser antirracista e defender política de austeridade e o desmonte do SUS.”

A afirmação, feita pelo jurista e filósofo Silvio de Almeida durante sua participação no programa Roda Viva, polarizou economistas.

Liberais reagiram questionando o uso do termo “austeridade”, que teria sido equivocado —segundo eles, a depender de como é executada, austeridade poderia ser inclusive antirracista.

Por outro lado, economistas críticos a esse tipo de política corroboraram Almeida: cortes de gastos públicos penalizam mais a população negra, levando ao aumento da desigualdade racial.

A divergência começou no Twitter, mas já extrapolou para artigos, como o publicado pelo próprio Almeida esclarecendo seu argumento no blog da editora Boitempo, e outro do economista e consultor legislativo Pedro Nery intitulado “Austeridade progressista” em sua coluna no jornal O Estado de S. Paulo.

Para os liberais, trata-se de uma questão sobretudo semântica.

“Para mim, o problema está mal definido, porque austeridade incorpora tanto aumento de imposto sobre lucros e dividendos e grandes fortunas quanto redução de gastos sociais. Cada um vai ter um impacto diferente sobre a população atingida e sua composição étnica”, afirma Carlos Góes, pesquisador-chefe do Instituto Mercado Popular e ex-assessor econômico especial da Presidência da República durante o governo Michel Temer.

Na mesma linha, o economista Pedro Menezes, também ligado ao Instituto Mercado Popular, afirmou em sua conta no Twitter que “se austeridade for encarada como mera responsabilidade fiscal, então é a anti-austeridade que é racista. Desequilíbrios macroeconômicos trazem imensos prejuízos para os negros e favorecem a ascensão do populismo reacionário”.

Já Almeida define austeridade como “o corte das fontes de financiamento dos ‘direitos sociais’ a fim de transferir parte do orçamento público para o setor financeiro privado por meio dos juros da dívida pública”.

De modo semelhante, Luiz Augusto Campos, professor de sociologia e ciência política da UERJ, entende austeridade como “redução do papel de proteção social do estado”.

O economista Pedro Rossi, professor da Unicamp, concorda com Góes que há um problema conceitual na discussão. “Austeridade pode ser via impostos progressivos? Sim, mas não é como vem sendo aplicada no mundo todo desde 2009”, afirma.

“Quando uma política econômica coloca constrangimento ao crescimento do gasto público, ela reforça o racismo estrutural, porque esse é o lado da política fiscal que reduz as desigualdades. Nesse contexto, a austeridade que é praticada no Brasil é racista”, diz.

Góes, no entanto, discorda dessa afirmação. Defensor da reforma da Previdência, ele diz que a mudança —a principal desde a implementação do teto de gastos com o objetivo de equilibrar o orçamento— teve efeitos progressivos ao proteger os mais vulneráveis ao mesmo tempo em que teria colocado um fardo maior sobre quem ganha mais.

Apesar dessas discordâncias, quando o assunto é corte de gastos públicos, especialmente os voltados para programas sociais, há certa convergência entre os dois campos sobre o fato de que o impacto negativo é sentido sobretudo pela população negra.

Isso acontece, em primeiro lugar, porque são os mais pobres os que mais dependem de serviços públicos. Como essa população é majoritariamente negra, ela é mais impactada quando há cortes no financiamento de saúde e educação, por exemplo.

“A partir do governo atual, ocorre menor ênfase em expandir beneficiários do Bolsa Família. Obviamente isso prejudica mais a população mais pobre, na qual a população negra é sobrerepresentada”, afirma Góes.

Mas, de acordo com Campos, há ainda um segundo efeito, relacionado diretamente à discriminação racial, que explica o ônus maior sobre a população negra: o aumento da competição pelos serviços providos pelo estado.

Um exemplo se daria no SUS: na medida em que o acesso a ele é mais restrito, a população negra é mais atingida porque sofre discriminação mesmo dentro do sistema. Situação semelhante ocorre na educação: num cenário em que esses espaços são limitados, pessoas brancas pobres têm mais chance de alcançá-los porque têm redes sociais maiores capazes de fornecer ajuda.

“Temos sempre que distinguir desigualdade de condição da desigualdade de oportunidades. Condição é classe, seu ponto de partida na competição. O Brasil tem grande desigualdade de classes que atinge pessoas de diferentes raças. Já a desigualdade de oportunidades é sempre relacional. A população negra é mais atingida pela de condições, porque tem pontos de partida piores, mas sobretudo pela de oportunidade, porque tem menos chance de melhorar de vida”, diz Campos.

“Quando uma política econômica coloca constrangimento ao crescimento do gasto público, ela reforça o racismo estrutural, porque esse é o lado da política fiscal que reduz as desigualdades. Nesse contexto, a austeridade que é praticada no Brasil é racista”, diz.

Góes, no entanto, discorda dessa afirmação. Defensor da reforma da Previdência, ele diz que a mudança —a principal desde a implementação do teto de gastos com o objetivo de equilibrar o orçamento— teve efeitos progressivos ao proteger os mais vulneráveis ao mesmo tempo em que teria colocado um fardo maior sobre quem ganha mais.

Apesar dessas discordâncias, quando o assunto é corte de gastos públicos, especialmente os voltados para programas sociais, há certa convergência entre os dois campos sobre o fato de que o impacto negativo é sentido sobretudo pela população negra.

Isso acontece, em primeiro lugar, porque são os mais pobres os que mais dependem de serviços públicos. Como essa população é majoritariamente negra, ela é mais impactada quando há cortes no financiamento de saúde e educação, por exemplo.

“A partir do governo atual, ocorre menor ênfase em expandir beneficiários do Bolsa Família. Obviamente isso prejudica mais a população mais pobre, na qual a população negra é sobrerepresentada”, afirma Góes.

Mas, de acordo com Campos, há ainda um segundo efeito, relacionado diretamente à discriminação racial, que explica o ônus maior sobre a população negra: o aumento da competição pelos serviços providos pelo estado.

Um exemplo se daria no SUS: na medida em que o acesso a ele é mais restrito, a população negra é mais atingida porque sofre discriminação mesmo dentro do sistema. Situação semelhante ocorre na educação: num cenário em que esses espaços são limitados, pessoas brancas pobres têm mais chance de alcançá-los porque têm redes sociais maiores capazes de fornecer ajuda.

“Temos sempre que distinguir desigualdade de condição da desigualdade de oportunidades. Condição é classe, seu ponto de partida na competição. O Brasil tem grande desigualdade de classes que atinge pessoas de diferentes raças. Já a desigualdade de oportunidades é sempre relacional. A população negra é mais atingida pela de condições, porque tem pontos de partida piores, mas sobretudo pela de oportunidade, porque tem menos chance de melhorar de vida”, diz Campos.