Regularização de áreas na Mata Atlântica é barrada no Paraná
STJ restaura liminar que impede o IAT de utilizar o Código Florestal na regularização de áreas localizadas em APPs
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sábado, 17 de agosto de 2024
STJ restaura liminar que impede o IAT de utilizar o Código Florestal na regularização de áreas localizadas em APPs
Simoni Saris - Grupo Folha
O avanço de lavouras e áreas de pastagens sobre APPs (Áreas
de Proteção Permanente) e Unidades de Conservação, assim como o extrativismo sem
controle adequado e empreendimentos turísticos e imobiliários que não respeitam
as leis ambientais são algumas das ações humanas que levam à degradação do meio
ambiente. Além da baixa capacidade de fiscalização e da dificuldade de
repressão às irregularidades pelos órgãos competentes, a flexibilização das
normas de proteção ambiental é mais um problema a ser enfrentado.
No Paraná, o IAT (Instituto Água e Terra) vinha utilizando
uma abordagem um pouco mais flexível do Código Florestal de 2012 para promover a
regularização de atividades consolidadas em áreas de Mata Atlântica até 2008. Entre
essas atividades estão as agrossilvopastoris e o ecoturismo.
A conduta da autarquia ambiental do governo paranaense foi amplamente
criticada e discutida entre os ambientalistas e a comunidade acadêmica que viam
na prática mais uma ameaça à preservação do bioma da Mata Atlântica. Por isso,
uma decisão proferida pela Corte Especial do STJ (Superior Tribunal de
Justiça), no último dia 12 de agosto, é recebida com certo alívio entre os
especialistas e defensores da causa ambiental.
Por maioria de votos, a Corte decidiu restabelecer a decisão
liminar que proibiu o IAT de prosseguir com as regularizações de imóveis rurais
consolidados em APPs e reservas legais de Mata Atlântica.
A ação no STJ foi movida pelo IAT depois que o TRF-4
(Tribunal Federal da 4ª Região) manteve a
liminar com a proibição que havia sido concedida em primeiro grau. Em junho de
2021, o então presidente da Corte, ministro Humberto Martins, suspendeu a
decisão por identificar risco de lesão à economia pública, mas agora, a maioria
dos ministros teve um entendimento diferente e prevaleceu o voto divergente do
ministro Herman Benjamin. Por oito votos a quatro, ficou decidido que o IAT
terá de interromper as regularizações.
Todo esse impasse começou com o Despacho 4.410/2020, do
Ministério do Meio Ambiente, à época comandado por Ricardo Salles, que
recomendou a aplicação do Código Florestal em áreas de Mata Atlântica. O Código
se distancia da Lei da Mata Atlântica, que em seu artigo 5° afirma que
a vegetação primária ou secundária, qualquer que seja o estágio de regeneração,
não perde essa classificação, mesmo em caso de intervenções não autorizadas ou
sem licenciamento.
Em um julgado, o STF (Supremo Tribunal Federal) considerou
constitucionais os artigos 61-A e 61-B do Código Florestal, permitindo a
continuidade de atividade rural, de ecoturismo ou turismo rural em áreas
consolidadas até 2008, mesmo que sejam APPs.
As divergências de entendimento que levaram à judicialização
da questão, porém, fizeram com que Salles revogasse o Despacho. Mas mesmo com a
revogação do dispositivo, o IAT continuou seguindo a norma.
Considerado um dos biomas mais ricos do planeta, com maior
biodiversidade, a Mata Atlântica é a segunda maior floresta em extensão do
Brasil. Sua área compreende a Costa Leste, Sudeste e Sul do Brasil e se estende
até parte do Paraguai e da Argentina. O bioma abrange 15% do território
nacional, em 17 estados, concentra 80% do PIB (Produto Interno Bruto)
brasileiro e 72% da população nacional vivem em áreas de Mata Atlântica. Dela,
dependem serviços essenciais, como o abastecimento de água, a regulação do
clima, a agricultura, a pesca, a geração de energia elétrica e o turismo.
Mas tão grande quanto a sua extensão e importância para a
biodiversidade é a sua devastação. Segundo a Fundação SOS Mata Atlântica, atualmente
restam apenas 24% da floresta original, sendo que apenas 12,4% são florestas
maduras e bem preservadas. O Paraná tem 99% do seu território coberto por Mata
Atlântica.
“Mesmo que essa decisão (restabelecimento da liminar
pelo STJ) seja temporária, tem força para fomentar essa discussão e quando o
STJ mantém o entendimento da prevalência da Lei da Mata Atlântica, traz
precedentes para casos futuros”, avaliou a pesquisadora do Laboratório de Ecologia
Vegetal da UFPR (Universidade Federal do Paraná) e doutoranda em Ecologia e
Conservação, Luana Meister. Para a Lei da Mata Atlântica, reforçou a
pesquisadora, não importa se as atividades econômicas estão consolidadas. Se
foram construídas em APPs, terão que ser removidas.
Em 2021, ao suspender a liminar proibindo a regularização de
áreas consolidadas em terrenos de Mata Atlântica, o ministro do STJ Humberto
Martins ponderou que o Código Florestal foi amplamente discutido no Legislativo
no sentido de encontrar um equilíbrio entre a preservação ambiental e o avanço
econômico. O magistrado, na ocasião, considerou que a proibição teria impacto
econômico no agronegócio, na geração de empregos, na arrecadação de impostos e
no cálculo do índice de participação dos municípios e na concessão de crédito
agrícola.
No último dia 12, porém, o ministro Herman Benjamin afirmou
que o risco é inverso e alertou para a possibilidade de prescrição. “Se nós não
deliberarmos neste momento no sentido de afastar a suspensão, quando isso for
decidido no mérito, estará tudo prescrito. Estamos falando de milhares de
infrações administrativas praticadas”, destacou o magistrado.
A suspensão de liminar é uma medida excepcional que não tem
natureza jurídica de recurso e a decisão do STJ não diz respeito sobre a
legalidade ou não da aplicação do Código Florestal em área de Mata Atlântica,
apenas avalia o risco da liminar concedida pelo TRF-4.
“Estamos imersos na cidade ou no campo e a gente esquece,
muitas vezes, que a água que a gente bebe, a comida que consome, o ar que
respira, vêm de uma série de processos ecossistêmicos que ocorrem a Mata
Atlântica. Tem toda a regulação do ciclo hidrológico, sequestro de carbono para
regulação do clima, processos de erosão, polinização e tem os benefícios
culturais. Quando a gente vai para Morretes, Antonina, Ilha do Mel, Guaraqueçaba
e o Parque Nacional do Iguaçu aproveitar o lazer e o turismo, a gente está se
beneficiando diretamente da Mata Atlântica, do bem-estar proporcionado pela
natureza preservada”, disse Meister, ressaltando a importância do bioma para
todo o Estado e lembrando que a riqueza natural do Paraná e da Mata Atlântica
nem sempre tem o foco no fortalecimento desse uso.
O IAT considerou a decisão do STJ “um retrocesso” porque “remete
a uma decisão anterior à promulgação do Código Florestal. Em nota encaminhada
pela assessoria de imprensa do governo estadual, a autarquia ambiental afirmou
que o Paraná “é um exemplo de que é possível conciliar desenvolvimento
econômico com sustentabilidade” e disse ainda que a Procuradoria Geral do
Estado estuda uma medida junto ao STF.