A ABCCOM (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico) registrou que em 2022 houve um aumento vertiginoso do comércio eletrônico no Brasil, durante o período pandêmico e pós-pandêmico. O faturamento do e-commerce em 2022 em nosso país, segundo a referida entidade, foi de quase 170 bilhões de reais, refletindo um crescimento de mais 12% em relação a 2021. Mais de 361 milhões de compras foram realizadas na internet no mesmo período (elevação de 10% em relação ao ano anterior) e quase 84 milhões de pessoas (5% a mais do que em 2021) utilizaram a rede para adquirir produtos e serviços.

Obviamente as operações realizadas em escala massificada acabam desencadeando um aumento muito expressivo dos conflitos e das demandas originárias desse segmento, e não existe no direito brasileiro um conjunto normativo, uma lei específica ou um conjunto de regras que discipline o comercio eletrônico. Nesse contexto, retomou-se um debate sobre um Projeto de Lei que já tramita no Congresso Nacional desde 2015 (PL 3514/2015) que busca a alteração do Código de Defesa do Consumidor para que nele sejam incluídas regras específicas sobre o comércio eletrônico.

Por exemplo, seria inserido um dispositivo determinando expressamente que todas as normas e negócios jurídicos de consumo devem ser obrigatoriamente interpretados e integrados de maneira mais favorável ao consumidor em face de sua hiper vulnerabilidade (particularmente, quando está realizando uma aquisição pela internet). O projeto também amplia o rol de direitos básicos, exigindo a privacidade das informações de dados pessoais que são colocados pelos consumidores nos sites e nas plataformas disponibilizadas pelo fornecedor para o oferecimento de seus produtos e serviços, alinhando-se ao quanto já disposto pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Esse projeto ainda estabelece novas práticas abusivas, exigindo a identificação mais clara de quem está disponibilizando produtos e serviços no mercado de consumo. De acordo com a nova redação que prevista para o Art. 45 do CDC, os dados que identificam os fornecedores e os produtos e serviços oferecidos devem ficar mais evidentes, mais acessíveis, como por exemplo, o número do CNPJ, o endereço físico do vendedor, a informação adequada do preço total e de todas as despesas que o consumidor pode ter com a aquisição (tal como, a discriminação do valor da entrega dos produtos e serviços, as condições integrais da oferta, o prazo de conclusão do serviço, de entrega do produto), as restrições para a realização da operação, as características essenciais do produto, os prazos de validade e de garantia. Enfim, todas essas informações (e muitas outras) que circundam a relação contratual deverão ficar mais claras e ostensivamente dispostas nas telas que o consumidor acessa no momento da compra.

Outra novidade legal (com perdão do trocadilho) seria a possibilidade de responsabilização solidária das plataformas de e-commerce de compras coletivas, que passariam a responder pelos vícios dos produtos juntamente com os fornecedores que se utilizam dessa base de acesso no e-commerce. Ou seja, mesmo não estando diretamente subordinadas aos fornecedores, as plataformas de compras coletivas passariam a responder em face do risco pela intermediação do negócio, pela remuneração que recebem originária principalmente da publicidade de que se valem e da multiplicidade de acessos que recebem a cada instante.

Um último destaque nesse excerto (que não tem a pretensão de esgotar o assunto, apenas de provocar o início de um debate importante), é a norma que impõe ao fornecedor o dever de cessar imediatamente o envio de ofertas e comunicações eletrônicas ou de dados ao consumidor que tenha manifestado a recusa em receber tais informações, um problema bastante comum na atualidade. Além dos spams, a massiva oferta publicitária ou a excessiva iniciativa de oferecimento de produtos e serviços pelo mercado de consumo aos consumidores que já manifestaram desinteresse na aquisição inclusive serão proibidos, definitivamente. Inclusive será vedado ao fornecedor remeter mensagem que oculte dissimule ou não permita de forma imediata e fácil a identificação da pessoa em nome de quem está sendo efetuada a comunicação ou então a natureza publicitária da oferta

Há dezenas de outras modificações legislativas importantes que receberão destaques por jornalistas, juristas e colunistas de todo o país. Mas, importa mesmo é que esse debate foi retomado e o consumidor deve ficar atento, participar da discussão e cobrar de seus representantes políticos o andamento desse Projeto de Lei, que é relevantíssimo em um cenário de crescimento do comércio eletrônico do Brasil, acompanhado da escalada de violações de direitos básicos do consumidor.

Anderson de Azevedo, advogado e membro da Comissão de Direitos do Consumidor da OAB-Londrina