A redução da taxa de juros defendida nos últimos dias pelo presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva pode deixar a economia brasileira inflacionada ou até mesmo salvá-la, de acordo com as análises dos economistas ouvidos pelo Portal Bonde. Em 2023, a Taxa Selic (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia) se mantém nos 13,75% ao ano atingidos em agosto de 2022, maior porcentagem em seis anos.

Basicamente, quanto mais alta a Selic, mais caro é fazer empréstimos bancários e ter acesso a crédito, que utilizam a taxa como parâmetro. Conhecido por apostar o seu modelo econômico na liberação de crédito - a fim de gerar rotatividade no mercado e, consequentemente, mais empregos - Lula demonstra não estar satisfeito com os juros elevados e critica com veemência o presidente do BC (Banco Central), Roberto Campos Neto, que alega que a taxa se encontra elevada para conter a inflação.

O economista e professor da UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná) Marcos Rambalducci concorda com Campos Neto. Para ele, a atual situação do Brasil é propícia para as taxas elevadas. Rambalducci explica que a inflação é o resultado do excesso de dinheiro disponível para consumo de empresas e pessoas, ao mesmo tempo que não há a quantidade de produtos suficientes para esse consumo.

"A forma que tem se mostrado mais eficaz de retirar o excesso de dinheiro, já que no curto prazo não dá para aumentar a quantidade de bens e serviços disponíveis, é tornando mais atrativo emprestar este dinheiro ao governo, em vez de utilizá-lo para consumo. Portanto, é por meio da elevação da taxa de juros que se consegue tal equilíbrio", explica o economista.

O professor, no entanto, deixa claro que há um preço a ser pago para manter a inflação sob controle. "A taxa de juros fundamentalmente é utilizada para desestimular a economia. Evidentemente, a elevação da taxa de juros impulsiona negativamente a criação de postos de trabalho."

Por outro lado, o economista e professor da UEL (Universidade Estadual de Londrina) Sinival Pitaguari defende a diminuição da taxa de juros. Para ele, além de não favorecer a criação de empregos, que "é fundamental e necessária", os juros elevados podem, inclusive, gerar mais inflação. Ele também questiona a análise de Rambalducci, afirmando que a inflação que assola o mundo atualmente é a de custos, não a de demanda.

"A política de juros altos é eficaz para resolver inflação de demanda, entendida como aquela que a economia está no pleno emprego dos fatores de produção e a oferta é insuficiente para atender a demanda. Não se aplica hoje no Brasil e no mundo. Mas há outras causas da inflação, como inflação de custos, geralmente provocada por um choque de contração na oferta”, explica.

Na inflação de custos, a escassez dos insumos para a produção de bens aumentam de preço, provocando aumentos generalizados até o consumidor final. “É o que vem ocorrendo no mundo, devido à desorganização das cadeias globais de produção por conta da pandemia e da guerra entre Rússia e Ucrânia, que provocou desabastecimento de petróleo, gás, fertilizantes e grãos", pondera o professor da UEL.

Pitaguari ainda questiona os especialistas da área que defendem a taxa de juros elevada na situação vigente do Brasil. "Alguns economistas consideram que [a Selic alta] pode até piorar a inflação, porque juros são custos para as empresas do setor produtivo, do comércio e dos serviços não bancários. Só os economistas muito ortodoxos e, é claro, os ligados ao mercado financeiro - como bancos e corretoras - que são a favor de juros altos mesmo numa situação de inflação de custos. Não há motivo nenhum para o Brasil ser o campeão mundial de taxa básica de juros reais."

Já Rambalducci defende a não interferência de Lula. "Ele deveria escutar o conselho de seu amigo e ex-presidente do Banco Central Henrique Meireles e não comentar sobre taxa de juros. Na época [2003 a 2010], além de uma administração coerente em termos de equilíbrio fiscal, o governo Lula foi beneficiado com uma alta das commodities que proporcionaram uma entrada de dólares muito grande na nossa economia, ajudando a conter a inflação e permitindo derrubar as taxas de juros."

Desvalorização da moeda

Rambalducci teme que a redução da taxa de juros espante o investimento externo que o Brasil tem atualmente, ocasionando uma desvalorização da moeda nacional. Para ele, o movimento que Lula propõe pode gerar uma grande onda de inflação.

"Baixar a taxa de juros neste momento significa tornar mais atrativo gastar que emprestar. Concomitante ao estímulo a consumir está o desestímulo em receber investimento estrangeiro que entra no país para aproveitar juros elevados. Se estes investidores tomarem a decisão de deixar o país - e tomarão, caso a taxa de juros lhes deixe de ser atrativa -, demandarão dólares para repatriar o seu capital. O aumento na demanda de dólares desvaloriza nossa moeda, tornando mais caro importar e mais interessante exportar. Estes dois movimentos são inflacionários", analisa.

Pitaguari tem uma visão diferente. Segundo ele, o Brasil tem reservas cambiais que dão margem para os "riscos mínimos" que a redução da Selic pode ocasionar.

"Como a economia está com desemprego alto, o impacto inflacionário com a queda da taxa de juros, se ocorresse, seria mínimo. É possível que a redução da taxa de juros provoque a saída de parte do capital especulativo de curto prazo investido em títulos de dívida. Por outro lado, aumentaria a entrada de capital especulativo para investimento em ações de empresas produtivas e comerciais. Por isso, é muito difícil prever o resultado final após alguma turbulência. De qualquer modo, o Brasil ainda tem 320 bilhões de dólares de reserva cambial, que funciona como um grande amortecedor de impactos sobre a taxa de câmbio", explica o economista.

Os juros nos últimos anos

Os juros alcançaram diferentes patamares ao longo dos últimos anos no Brasil. Para se ter uma ideia, em 1997 o então presidente da República Fernando Henrique Cardoso geria o país com a Selic a 1% ao ano. No entanto, em 1999, registrava-se aquela que seria a maior porcentagem da história: 45% ao ano.

Sinival Pitaguari analisa que Fernando Henrique apostou, durante grande parte do seu governo, em ações que valorizassem os investimentos externos, a fim de manter baixo o valor do dólar.

"O governo FHC manteve taxas de juros reais elevadíssimas. Supostamente a política de juros altos foi para combater a inflação, porém o real objetivo da taxa de juros alta era atrair capitais especulativos para o governo ter dólares suficientes para manter a taxa de câmbio real extremamente baixa. Ele manteve, durante todo o primeiro mandato, a chamada 'banda cambial', uma estreita margem de variação da taxa de câmbio, que obrigava o Banco Central a emitir títulos da dívida pública para comprar dólar quando ameaçava estourar o teto, e a vender os dólares quando ameaçava baixar além do piso estabelecido", diz.

Outro ponto que chama a atenção nos dados apresentados na tabela é que, em 1997, os juros saíram do menor percentual já registrado para um dos maiores. Para Rambalducci, o real valorizado (1 dólar chegou a valer 0,83 centavos de real) não estimulava as exportações, fazendo com que a taxa de juros fosse utilizada para manter o investimento externo enquanto o real era desvalorizado.

"Em 1997, vivíamos uma época de muita incerteza na economia e, na tentativa de garantir um aumento nas nossas exportações, era preciso desvalorizar nossa moeda. Mas uma desvalorização muito forte provocaria uma debandada de investidores estrangeiros. A solução foi aplicar uma super taxa de juros para reter este capital estrangeiro", relata o professor da UTFPR.

Juros sob o governo Bolsonaro

O ex-presidente Jair Bolsonaro foi o responsável por comandar o Brasil com os juros mais baixos dos últimos 23 anos. De acordo com o Banco Central, em 2020, a taxa de juros ficou entre 2% e 4,5%. Marcos Rambalducci diz que a porcentagem baixa foi resultado da pandemia de Covid-19.

"A tentativa era de estimular a economia em um momento que as empresas não estavam produzindo porque não havia demanda, em função dos lockdowns, praticados na tentativa de coibir a proliferação do coronavírus. Tínhamos capacidade produtiva, mas não tínhamos demanda. Diferente da situação que a economia vive agora", diz.

Pitaguari concorda com Rambalducci, mas, para ele, a explicação também pode ser política. "Roberto Campos Neto é associado a Paulo Guedes e ao mercado financeiro. Penso que ele só baixou a taxa de juros a tal patamar, aproveitando a real necessidade imposta pela pandemia, para aprovar a reforma que tornou o Banco Central autônomo, o que lhe garantiu mais dois anos de mandato para um futuro governo incerto. As circunstâncias não mudaram significativamente após a aprovação da autonomia do BC, mas a taxa de juros voltou a subir muito rapidamente", conclui o professor da UEL.

José Antônio de Souza, dono de uma lanchonete, aguarda a redução dos juros para fazer a tão sonhada reforma em sua casa
José Antônio de Souza, dono de uma lanchonete, aguarda a redução dos juros para fazer a tão sonhada reforma em sua casa | Foto: Bruno Souza

Esperança por crédito barato

Longe das discussões econômicas e políticas, os reais afetados pelas decisões do Banco Central aguardam ansiosamente pelas cenas dos próximos capítulos. É o caso de José Antônio de Souza, dono de uma lanchonete, que aguarda a redução dos juros para fazer a tão sonhada reforma em sua casa.

Ele afirma que, durante o governo Bolsonaro, conseguiu uma liberação de crédito aceitável, devido às porcentagens de juros que, na época, variavam entre 4,25% e 6,25% ao ano. Mas, por causa da pandemia de Covid-19, seus planos foram frustrados.

"Antes da pandemia, eu consegui um crédito de R$ 80 mil. Eu ia pagar em 60 parcelas de R$ 2 mil. Mas, com a pandemia, eu tive que parar todos os meus projetos. Hoje, novamente, eu entrei em contato com o banco e esse mesmo crédito de R$ 80 mil sairia R$ 2.650 em 60 pagamentos. Se for analisar o anterior à pandemia, de R$ 80 mil eu ia pagar R$ 120 mil. Hoje, esse mesmo crédito sai quase R$ 160 mil", conta.

Assim como explicaram os economistas, o crédito ajuda na criação de postos de trabalho. Souza conta que, se a reforma fosse iniciada, pelo menos seis pessoas teriam sido contratadas para a execução.

"Na obra, iam trabalhar os pedreiros, de três a quatro pessoas; o pintor; e o profissional que ia colocar o gesso na casa. Fora o arquiteto. Para se ter uma ideia, ia ter umas seis pessoas trabalhando na minha obra. Infelizmente, com a pandemia, tive que parar os meus projetos. Inclusive, esses juros baixos seriam essenciais para mim", relata.

"Com o governo anterior, os juros não estavam ótimos, mas estavam bons. Com a pandemia veio tudo a perder. Com esse novo governo, a gente tem a esperança de conseguir, pelo menos, a mesma taxa de juros anterior. Já seria ótima", conclui o empresário.

*sob supervisão de Luís Fernando Wiltemburg

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