Recuperação Judicial é ferramenta eficaz para empresas em crise
Lei acaba de completar 20 anos e desafio é a criação de varas especializadas pelos TJs
PUBLICAÇÃO
quinta-feira, 06 de março de 2025
Lei acaba de completar 20 anos e desafio é a criação de varas especializadas pelos TJs
Simoni Saris - Grupo Folha

Em 2024, mais de 2,2 mil pedidos de Recuperação Judicial foram registrados pela Serasa Experian. O número indica que os empresários brasileiros passaram a compreender e a utilizar mais esse recurso em momentos de crise financeira e estrutural.
Em vigor desde 2005, a lei 11.101, que rege a recuperação judicial e os pedidos de falência, completou, no último dia 9 de fevereiro, 20 anos. O dispositivo foi criado para modernizar o sistema de insolvência e substituiu a lei de concordata, de 1940.
A lei de recuperação judicial e falências brasileira foi inspirada no modelo norte-americano e adotou o mecanismo de suspensão temporária de execuções, conhecido como blindagem ou stay period. Como efeito, ela impede a redução do patrimônio e dá maior fôlego para que a empresa se reestruture e supere a crise.
“A lei de concordata não funcionava, era anacrônica porque não permitia a participação ampla do credor para criar equilíbrio”, avaliou o advogado Alan Mincache, mestre em direito empresarial e especialista em recuperação e reestruturação de empresas.
Nos últimos dez anos, Mincache atuou em cerca de 80 processos de recuperação judicial de empresas de médio e grande porte, com dívidas entre R$ 50 milhões e R$ 1,5 bilhão. Uma das principais vantagens apontadas pelo advogado a partir das mudanças trazidas pela lei de 2005 é a garantia da função social das empresas. “Impacta positivamente em todo o ambiente empresarial, seja em relação aos colaboradores, com a manutenção dos empregos, clientes, fornecedores e os próprios credores.”
Especificamente em relação aos credores, a lei permite que eles se estabeleçam no centro das discussões. Assim, a empresa segue um rito organizado de pagamento das obrigações financeiras, de acordo com a capacidade do negócio. Os credores também atuam como fiscais e o juiz acompanha a conduta da empresa durante a recuperação judicial. “Ficaram fortalecidos o poder, o interesse e a decisão do credor, o que não acontecia na lei de concordata”, comparou Mincache.
Quando a Justiça defere o pedido de recuperação judicial, ficam suspensas todas as ações e execuções da empresa por um período de 180 dias, prorrogável por mais 180 dias.
Em 2020, a lei de recuperação judicial e falências passou por uma atualização na qual foram feitas importantes alterações, uma delas, estendendo o seu alcance aos produtores rurais.
Somente no ano passado, houve aumento em torno de 61% nos pedidos de recuperação judicial do setor agropecuário, ultrapassando os 160 processos.
Nesse universo, o setor rural é o que tem maior adesão atualmente. “Nos últimos três anos, o agro tem sofrido mais economicamente tanto do ponto de vista da economia e das oscilações climáticas, muitas perdas no campo e muito desencaixe financeiro”, destacou Mincache.
Mas se o aumento no número de empresas que entram com pedido de recuperação judicial decorre do crescimento da quantidade de empresas em dificuldade, os dados também mostram que os empresários estão mais cientes da possibilidade de recorrer à recuperação judicial para o enfrentamento da crise. “A maior utilização gerou maior esclarecimento sobre a viabilidade da lei”, disse o advogado.
Para dar maior eficiência aos processos de recuperação judicial, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) publicou uma recomendação, em 2019, para que os Tribunais de Justiça de todo o país promovessem a especialização de varas e criassem câmaras ou turmas especializadas em falência, recuperação empresarial e outras matérias da área do direito empresarial.
Em 2022, foi criado o Fonaref (Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências), com o objetivo de elaborar estudos e propor medidas para o aperfeiçoamento da gestão de processos de recuperação empresarial e falências.
Mais de cinco anos depois da medida, ainda são poucos os estados que cumpriram a recomendação. Segundo o CNJ, metade das unidades da federação contam com varas especializadas em recuperação judicial e falência ou vara empresarial.
Uma pesquisa realizada pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), em 2022, identificou a existência de varas especializadas em recuperação empresarial e falências e de varas especializadas em cerca de 45% dos tribunais, com uma enorme incidência de encaminhamento das demandas de recuperação de empresas para as varas únicas ou cíveis.
O estudo concluiu ainda que esse desnível na especialização acentua-se ainda mais no segundo grau de jurisdição, que conta com apenas quatro tribunais com câmaras especializadas, em São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio de Janeiro.
No Paraná, além de quatro varas especializadas em Curitiba, há unidades também em Londrina, Ponta Grossa, Maringá e Cascavel, totalizando oito varas. A questão orçamentária ainda é o principal entrave à criação dessas estruturas.

