Queixas por cobrança abusiva na luz disparam, e MP abre investigação
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quinta-feira, 06 de agosto de 2020
FÁBIO MUNHOZ
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O MP-SP (Ministério Público de São Paulo) instaurou um inquérito civil contra a concessionária Enel para apurar supostas práticas abusivas adotadas pela empresa na cobrança da conta de energia elétrica dos clientes da capital e região metropolitana nos meses de junho e julho.
O inquérito foi aberto pelo promotor Marcelo Orlando Mendes após solicitação feita pelo Procon-SP, que diz ter recebido mais de 40 mil reclamações contra a Enel em julho. Segundo o órgão de defesa do consumidor, a média anterior de queixas relacionadas à concessionária era de aproximadamente 600 por mês.
O aumento nas contas está relacionado à pandemia de Covid-19. Entre março e o início de junho, a Enel havia suspendido o trabalho de leitura nos medidores dos clientes. A medida foi tomada para proteger clientes e funcionários da contaminação pelo novo coronavírus.
Neste período, uma das soluções encontradas pela empresa foi cobrar dos consumidores o valor referente à média de consumo dos últimos 12 meses no caso de quem não fazia a autoleitura, prática indicada pela concessionária e pela Aneel (agência federal de energia).
Os valores, que em alguns casos chegam a triplicar, têm sido motivo de queixas dos consumidores, que enfrentam longas filas e aglomerações, em meio à pandemia de coronavírus, para tentar uma solução por parte da empresa de energia.
O serviço de medição foi reiniciado em junho, segundo explica o diretor de Mercado da Enel Distribuição São Paulo, André Oswaldo Santos. "Com a retomada, a gente verificou com a leitura real que muitos clientes tiveram aumento da conta, porque tinha uma diferença do valor que foi cobrado pela média nesse período em que não teve leitura", diz.
"Quando a gente verificou essa diferença, ela foi compensada nas faturas seguintes, nas faturas da retomada da leitura, que pode ter sido em junho ou julho", acrescenta Santos.
Ele afirma que há casos em que os clientes pagaram mais durante os meses sem medição, como nos de comércios que ficaram fechados durante a pandemia. Nessas situações, Santos garante que foi dado crédito para ressarcimento na fatura seguinte.
O diretor diz que uma opção oferecida pela concessionária para evitar problemas posteriores foi a autoleitura, procedimento em que o cliente fotografa seu medidor e envia para a Enel. Ele informa que 1,3 milhão de solicitações foram feitas, o que equivale a aproximadamente 8% da base de clientes da empresa.
Reajuste Além do valor da diferença referente aos meses de março a maio, as contas de julho em diante contêm mais um fator que pesa no bolso do cliente: no dia 4 de julho, entrou em vigor um reajuste médio de 4,23% para os consumidores da empresa. No caso dos clientes residenciais, a alta foi de 3,61%.
Ou seja, os clientes foram cobrados com a tarifa nova por um consumo feito antes do reajuste. Santos alega, porém, que não seria possível que a empresa utilizasse a tarifa antiga para fazer a cobrança da diferença.
"De acordo com todas as regras regulatórias e tributárias, eu tenho que aplicar essa leitura neste momento em que eu estou fazendo o faturamento. Não tem como voltar atrás em outros meses. O que conta é a leitura atual", justifica.
ICMS As faturas de junho que vieram mais altas em razão do consumo registrado de março a maio podem conter ainda mais um item encarecedor: o ICMS. Pela lei estadual, a alíquota do imposto cobrado na conta de luz varia por faixas: para clientes residenciais que consomem até 90 kWh (quilowatts-hora) por mês fica isento; entre 91 e 200 kWh, a alíquota é de 12%. Acima de 201 kWh, o imposto é de 25%.
Por exemplo: uma família consumiu 150 kWh, mas, por causa da correção, teve um adicional de mais 100 kWh referentes aos meses anteriores. A alíquota que deveria ser paga pelo consumo real seria de 12%, mas, com a compensação, será de 25%.
Por meio de nota, a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo diz que não pode rever as alíquotas de ICMS que incidem sobre a conta de energia elétrica. "Isso exigiria uma mudança na legislação, feita por meio de projeto de lei aprovado na Assembleia Legislativa", diz a pasta.
Procon aponta erro da empresa O secretário especial de Defesa do Consumidor do estado, Fernando Capez, responsável pelo Procon-SP, considera que a Enel "errou ao se recusar a proceder a leitura" dos medidores. "Isso provocou um acúmulo na cobrança do mês de julho", aponta.
Capez diz que o órgão exigiu da Enel que parcelasse em 12 vezes as faturas com diferença de valores. "A Enel disse que só parcelaria para quem pedisse. Aí ela dificulta o acesso de quem quer fazer o pedido", diz.
Na visão do secretário, a postura da concessionária nesse caso fere o Código de Defesa do Consumidor. Por esse motivo, a empresa está sendo multada pelo Procon-SP em R$ 10,2 milhões.
O diretor da Enel confirma que o parcelamento só é feito para os consumidores que manifestem interesse. "É um caso de a gente respeitar a vontade de cada cliente. Muitos não querem parcelar", responde Santos. Segundo o porta-voz da concessionária, o pedido pode ser feito pelo site, telefone 0800, aplicativo ou até pelo canal oficial da empresa no WhatsApp. O valor pode ser dividido em até 12 vezes sem juros na fatura ou no cartão de crédito.
Sobre a multa, Santos diz que as equipes da Enel já estão em tratativas com o Procon-SP para prestar "todos os esclarecimentos".
Mesmo viajando, aposentada teve tarifa aumentada A aposentada Elizabete Silva da Rocha, 70, foi uma das clientes que tiveram problemas com a correção dos valores na conta de luz.
Ela relata que, no início de maio, foi para a casa de uma irmã no litoral paulista, onde ficou até junho. "Pensei que a conta viria zerada, mas em junho, veio a fatura de R$ 107", revela. Segundo Elizabete, a média paga por ela em meses normais varia entre R$ 30 e R$ 40.
Para corrigir o problema, ela diz ter tentado entrar em contato com a Enel pelo telefone, mas não conseguiu. Foi então que a aposentada resolveu ir a uma loja da concessionária, na zona leste de São Paulo. "Fiquei mais de uma hora na fila e o funcionário disse que estava certo", lamenta.
Problema semelhante foi enfrentado pela jornalista Mariana Riscala do Lago, 37. Em março, a conta dela veio no valor de R$ 92, por um consumo de 132 kWh. Entre abril e junho, pagou R$ 78 e, segundo a fatura, consumiu 115 kWh. Porém, em julho, a fatura cobrada foi de R$ 270,54, por 367 kWh.