Ex-deputado Luiz Carlos Hauly: “Há uma sabedoria de não taxar tanto o consumo”
Ex-deputado Luiz Carlos Hauly: “Há uma sabedoria de não taxar tanto o consumo” | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

Diminuir o peso dos tributos que recai sobre os mais pobres é uma das premissas da reforma tributária que está em tramitação no Senado, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 293, redigida pelo economista e ex-deputado federal londrinense Luiz Carlos Hauly (PSDB). Uma das medidas previstas no texto é zerar ou trazer próximo de zero a taxação de alimentos, medicamentos, saneamento básico, transporte urbano e educação.

No Brasil, segundo Hauly, os impostos cobrados sobre medicamentos e alimentos ultrapassam 30%, sendo que a média mundial não vai além de 7%.

O economista tem rodado o País defendendo seu projeto que concorre com outra PEC, a de número 45, em tramitação na Câmara, apresentada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP) e formatada pelo economista Bernard Appy (leia mais nesta edição). O governo federal deve apresentar uma terceira proposta, mas não há consenso entre a equipe econômica e o presidente Jair Bolsonaro (PSL) a respeito dela. O secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, quer uma reforma baseada em um único imposto sobre operações financeiras, parecido com a antiga CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira). Mas todas as vezes que ele faz a defesa desta proposta, é desautorizado por Bolsonaro.

Na última quinta-feira (16), Hauly fez uma apresentação da PEC 293, em palestra na Acil (Associação Comercial e Industrial de Londrina). Segundo ele, já foram mais de 170 encontros do tipo em todo o Brasil. Ele disse que uma das distorções do atual sistema tributário brasileiro é taxar consumo mais que renda e patrimônio. No País, metade do peso dos tributos recai sobre o consumo e apenas 21% sobre a renda. Nos Estados Unidos, é o contrário: só 17% sobre o consumo e 49% sobre a renda. Na média, os países da OCDE (clube das nações mais industrializadas do mundo) também tributam menos o consumo (32%) e mais a renda (34%).

O peso exagerado dos impostos no consumo faz com que a carga tributária pese muito mais sobre os pobres. Hauly apresentou dados, segundo os quais, os impostos têm peso de 54% na renda das famílias que ganham até dois salários mínimos. No outro extremo, os impostos levam apenas 29% da renda das que ganham mais de 30 salários mínimos.

“Há uma sabedoria de não taxar tanto o consumo”, diz Hauly. Além de poupar os mais pobres, quanto menos impostos sobre os produtos, menores os preços e maior a tendência de a economia se aquecer.

O tucano explicou, no entanto, que a PEC, embora retire impostos de determinados produtos, não vai alterar significativamente as divisões da carga tributária. “Para se fazer a realocação da carga tributária da base consumo para renda e ou patrimônio, será preciso uma lei infraconstitucional e não o texto constitucional”, explicou.

O projeto de lei, que ainda não existe, teria de aumentar as alíquotas de imposto de renda e reduzir as dos impostos sobre o consumo, de modo que a carga tributária total não aumente. Hoje, ela é de cerca de 34% do PIB (Produto Interno Bruto).

A proposta do ex-deputado prevê outro mecanismo capaz de promover justiça social, que é a devolução de todo imposto pago no consumo pelos mais pobres, aqueles que estão no Cadastro Único do governo federal e recebem benefícios sociais. Trata-se de um sistema parecido com o Nota Paraná. Na hora de fazer compra, o consumidor pede para inserir seu CPF na nota fiscal. E, posteriormente, vai resgatar os valores pagos em impostos.

OS IMPOSTOS

Imagem ilustrativa da imagem Proposta zera impostos de alimentos e medicamentos
| Foto: Folha Arte

A PEC 293 cria dois impostos principais, o IBS (Imposto sobre Operações com Bens e Serviço), de competência estadual, e o ISE (Imposto Seletivo), que será federal. E extingue oito: IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), PIS/Pasep (Programa Integração Social/Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público), Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social), Salário-Educação, Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) Combustíveis, ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), e ISS (Imposto sobre serviços).

O ISE incidirá somente sobre produtos específicos, como petróleo e derivados; combustíveis e lubrificantes; cigarros; energia elétrica e serviços de telecomunicações; bebidas; e veículos. Metade da alíquota da energia elétrica, dos combustíveis e das telecomunicações será cobrada no ISE e metade no IBS, que será administrado por um comitê gestor com auditores estaduais e municipais.

A proposta mantém o Imposto de Renda e incorpora a ele a CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido). Também mantém o ITR (Imposto Territorial Rural), que será cobrado pela Receita Federal e transferido para os municípios. O ITCMD (Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doações de Quaisquer Bens ou Direitos) passa a ser de competência federal, mas a receita é destinada aos municípios.

O IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores) passa a atingir aeronaves e embarcações, mas exclui veículos comerciais destinados à pesca e ao transporte público de passageiros e cargas. E mantém o IPTU (Imposto Predial, Territorial Urbano).

A PEC autoriza, ainda, a cobrança do INSS patronal no IBS, podendo até zerar a alíquota daquele imposto previdenciário na folha de pagamento. E ainda vincula parte das receitas do IBS como fonte de financiamento dos programas do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

PELO FIM DO MANICÔMIO TRIBUTÁRIO

Segundo Luiz Carlos Hauly, se não aprovar uma proposta consistente de reforma tributária, o País vai crescer apenas 1% no ano que vem. Segundo ele, a complexidade e as distorções do atual sistema, que tem cerca de 50 impostos, é responsável pelo baixo crescimento do PIB nas últimas décadas. “O que nós temos é um manicômio tributário”, declarou.

De acordo com o economista, o País tem R$ 480 bilhões de sonegação por ano e R$ 3 trilhões de dívida ativa acumulada porque o atual sistema é declaratório. “Eu declaro que vou pagar, mas no dia do pagamento, não pago. Espero o Refis (programa de refinanciamento)”.

Na PEC, está previsto um sistema on-line e bancário de cobrança. “O modelo de cobrança no ato da transação de compra e venda de bens e serviços, que incorporei na nossa PEC será eletrônico, elaborado pelo empresário Miguel Abuhab, de Santa Catarina”, contou. O empresário, segundo Hauly, vem desenvolvendo a metodologia de cobrança batizada de 5.0. “Cada empresa terá que ter uma conta bancária específica para o IBS e a tributação será no fluxo financeiro e não mais no fato gerador”, explicou.

O imposto é retido e repassado automaticamente para os três níveis de governo. “Será pago em cada etapa da cadeia produtiva do bem ou do serviço, gerando um crédito financeiro para ser deduzido na próxima etapa, sucessivamente até o consumidor final”, afirma o economista. “Vamos ganhar eficiência, aumentar a arrecadação, desafogar o Judiciário, reduzir o custo de fiscalização e acabar com a sonegação e a inadimplência. “

Ele prevê cinco anos de adaptação. “Em cinco anos, liquidamos a fatura. Mas se o Congresso quiser, dá para fazer na metade do templo.” Já a mudança da cobrança da origem para o destino, também prevista na PEC, será feita em 15 anos.

A reforma tributária começou a ser debatida na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado nesta segunda-feira (19). Além de Hauly, participaram o ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel; o diretor do Centro de Cidadania Fiscal, Bernard Appy; o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto; o deputado federal Luciano Bivar (PSL-PE) e o economista e professor Eduardo Giannetti.

Não há estimativa sobre quando a proposta será votada.

ENTENDAS AS DIFERENÇAS ENTRE AS PECS

As duas PECs que tramitam no Congresso, a 293 de Luiz Carlos Hauly, e a 45, do economista Bernard Appy, têm muitas semelhanças, mas também diferenças importantes. A 45 também institui o IBS, mas o novo imposto substitui apenas cinco dos atuais: PIS, CIMS, IPI, Cofins e ISS. A de Hauly substitui oito.


Outra diferença é que a proposta redigida pelo tucano prevê alíquota única do imposto para todo o Brasil, definida pelo Congresso Nacional. Já a concorrente permite aumento de carga sobre consumo. União, Estados e municípios terão autonomia para aumentar alíquotas em até 3% cada.


Durante o período de teste de um ano, segundo a proposta do ex-deputado londrinense, o IBS terá alíquota de 1% e, nos quatro anos seguintes, as alíquotas dos tributos atuais serão reduzidas anualmente em 20%, enquanto o IBS subirá na mesma proporção. Já a de Appy prevê teste de dois anos, com alíquota de 1%. E mais 8 anos de transição, quando as tarifas dos atuais impostos serão reduzidas em 10% a cada ano.


O sistema de cobrança on-line eletrônico está bem desenhado na PEC de Hauly e não é tratado na PEC concorrente. O tucano previu um Fundo de Equalização para compensar estados mais pobres. A outra PEC não trata dessa questão.