BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), Alexandre Barreto, afirmou, nesta sexta-feira (29), que a pandemia causada pelo coronavírus não é motivo para que o órgão conceda um "cheque em branco" para empresas que precisam se associar no enfrentamento da crise.

Nesta quinta-feira (28), os conselheiros do Cade aprovaram, por unanimidade, o pedido de oito empresas de bebidas e de alimentos para que possam fazer a distribuição de suas mercadorias em conjunto.

Batizado de NÓS, o grupo é formado por Ambev, Aurora, BRF, Coca-Cola, Heineken, Mondelez, Nestlé e PepsiCo.

Diante dos efeitos da pandemia, que fez reduzir o consumo e comprometeu o abastecimento, especialmente em pontos de venda mais distantes dos grandes centros, o grupo solicitou ao Cade que permitisse, excepcionalmente, o compartilhamento da logística de distribuição.

No pedido, afirmam que não podem "pensar apenas nos interesses individuais" em um momento de crise. "É a hora de nos unirmos por um único objetivo: ajudar o país a atravessar esse período com o menor impacto possível. Os pequenos varejistas são nossos parceiros e não podemos medir esforços para ajudá-los a superar essa crise", escreveram.

A parceria entre esses concorrentes irá contemplar mais de 300 mil pequenos comércios em todo o Brasil, que empregam cerca de 1 milhão de pessoas. Por meio de ao menos uma das empresas desse grupo, esse pontos de venda terão acesso aos produtos.

O acordo começa a vigorar na segunda quinzena de junho nos locais onde as prefeituras autorizarem a reabertura dos estabelecimentos e terá validade até o final de outubro deste ano.

A parceria poderá ser prorrogada se a pandemia se prolongar e, neste caso, as empresas terão de solicitar a extensão do prazo. Caberá ao conselho deliberar sobre o pedido.

Segundo os técnicos da Superintendência-Geral do Cade, porta de entrada dos pedidos das empresas na autarquia, não havia qualquer indício de coordenação entre as empresas, prática conhecida como cartel.

Não foram detectadas evidências de combinação de preços ou de acertos prévios de distribuição de volumes de produtos entre as empresas concorrentes.

Mesmo assim, as empresas concordaram em implementar políticas de prevenção de riscos antitruste. Estarão proibidas de fazerem comunicação comercial em conjunto ou de trocarem informações sensíveis sobre os pontos de venda.

O "cartel do bem", como foi chamado nos bastidores pelos técnicos do Cade, poderá ser punido caso haja qualquer indício de descumprimento do acordo.

"Não podemos dar um cheque em branco só porque enfrentamos uma pandemia", disse Barreto. "A excepcionalidade dessa medida não constitui imunidade antitruste. Não se está conferindo com a presente decisão imunidade [às empresas]."

O caso, no entanto, não é inédito. Na videoconferência, Barreto, e o superintendente-geral do Cade, Alexandre Cordeiro, afirmaram que o tribunal já tomou decisões desse tipo e que a legislação vigente prevê a possibilidade de associações dessa natureza.

Ambos criticaram um projeto de lei elaborado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli.

Aprovado pelo Congresso Nacional, a nova lei suspendeu os efeitos de diversas outras regras que regem relações privadas.

Proprietários de imóveis, por exemplo, não poderão despejar inquilinos por falta de pagamento durante a pandemia.

Essa lei também suspendeu os efeitos de alguns trechos da legislação do Cade, como o que trata da associação entre empresas (joint-ventures).

Barreto disse que o Cade foi consultado pelo presidente Jair Bolsonaro quando o projeto já estava em tramitação e que se posicionou contrariamente à redação inicialmente proposta.

Segundo ele, o texto não estabelecia um prazo para a vigência das associações, algo que poderia criar uma insegurança jurídica.

O presidente do Cade lembrou ainda os diversos projetos de lei que, devido à pandemia, tentam modificar marcos regulatórios "sem qualquer tipo de cálculo do impacto da medida". Nas telecomunicações, por exemplo, muitas leis estaduais já impuseram a obrigatoriedade das operadoras em manter a prestação do serviço mesmo sem o pagamento da fatura.

Além disso, a Lei do Cade, ainda segundo Barreto, já concede celeridade ao processo de decisão ao determinar prazos que não podem ser descumpridos sob pena de aprovação sumária do pedido das empresas.

"Agora, um pedido desse tipo [associação de empresas], que antes entraria como AC [Ato de Concentração], passa a ser registrado como PA [Processo Administrativo]", disse Barreto. Para ele, isso cria confusão e, na prática, não mudaria em nada o julgamento. "Hoje esses casos de associação são resolvidos em, no máximo, 13 dias."

O superintendente da autarquia, Alexandre Cordeiro, lembrou ainda que as decisões do Cade em momento de crise sempre foram rápidas.

Na votação do projeto de lei sobre o transporte individual por aplicativos, a autarquia se posicionou contrariamente como forma de colaborar na discussão.

Para o Cade, haveria dano à concorrência se houvesse restrições legais a essa modalidade de transporte no país.

Durante a paralisação dos caminhoneiros, em 2018, o tribunal também foi contrário à decisão do governo que, dentre diversos pontos da negociação, tabelou preços dos fretes.