SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Ao olhar para trás, o presidente do Santander no Brasil, Sergio Rial, concorda com a crítica de que os bancos foram rigorosos, restringindo o crédito e elevando os pedidos por garantias quando a pandemia do novo coronavírus se abateu sobre o país.

"Num primeiro momento, diante do primeiro choque, em março, com a chegada da pandemia com maior intensidade, eu acho que a crítica é válida", diz Rial.

E dá as razões: "A indústria financeira, como ocorre com outras empresas, tem a responsabilidade de usar os recursos da forma mais correta. Nossos depositantes esperam que o Santander, como qualquer outra instituição, adote os melhores níveis de governança".

Dito isso, ele afirma acreditar que, tirando problemas pontuais, esse momento já passou e novas linhas atendem pequenas e médias empresas.

Rial também vê certa transitoriedade no trabalho remoto. Até concorda que haverá uma reestruturação na organização do trabalho no pós-Covid-19, mas não identifica, como alguns pregam, o colapso dos escritórios.

"Tem coisa que você não faz em conferência pelo Zoom. Precisa de troca de emoção", afirma.

Mas há uma mudança que, segundo ele, não tem volta: a crescente cobrança pela adoção da agenda ambiental no mundo dos negócios, especialmente de investidores europeus.

"A Europa é um continente velho e rico. O dinheiro se acumulou durante anos, mas o propósito não é sempre o maior retorno no curto prazo, mas o melhor retorno com sustentabilidade ambiental", afirma.

Pergunta - Ao apresentar os resultados do banco, o sr. disse que o auxilio emergencial segurou a queda da renda e a retomada da economia na pandemia veio melhor do que o esperado. Mas quais são os indicadores que fazem o Santander acreditar que há consistência nesse cenário mais positivo para o longo prazo?

Sergio Rial - Falando primeiro de grandes e médias empresas. O fato de as Bolsas terem se recuperado mais depressa é um fato inusitado quando a gente vê o que aconteceu nas últimas crises.

Lá atrás, a recuperação das Bolsas internacionais levou entre um e dois anos para acontecer. Agora, foi diferente. Nasdaq já está praticamente em níveis pré-Covid. A nossa Bolsa já ultrapassou 100 mil pontos outra vez.

Na economia real, empresas que estão fazendo IPO [oferta de ações] ou follow on [termos em inglês para lançamento de ações].

Tem outro grande fator. O impacto do dólar na rentabilidade do agronegócio no Brasil. Esse é um ponto positivo super-relevante.

Dentro disso, faz diferença também a recuperação da China ter sido mais rápida. A ligação China, comércio internacional, aumento de safra e alta do dólar ajuda também a amenizar a queda do PIB [Produto Interno Bruto]. Outras commodities também.

Olha o preço do minério de ferro. Era inimaginável que estaríamos convivendo com minério de ferro acima de US$ 100 neste momento.

Enfim, nem 2020 vai ser tão ruim quanto se previu incialmente e, talvez, em 2021, não se cresça tão rapidamente como se imaginava. Dada a dimensão continental do Brasil, a retomada também se dá de maneiras diferentes.

Pergunta - Os bancos foram criticados por dificultar a liberação do crédito e exigir muitas garantias na pandemia, principalmente no começo. O que houve?

SR - Num primeiro momento, diante do primeiro choque, em março, com a chegada da pandemia com maior intensidade, eu acho que a crítica é válida.

A indústria financeira, como ocorre com outras empresas, tem a responsabilidade de usar os recursos da forma mais correta. Nossos depositantes esperam que o Santander, como qualquer outra instituição, adote os melhores níveis de governança.

Dito isso, o setor privado se organizou, com os bancos e com o governo, e colocamos alguns produtos no mercado, como o crédito da folha de pagamento.

Então, essa situação de represamento, que se dá no primeiro momento, se normaliza, seja pelas ações de liquidez que o Bacen [Banco Central do Brasil] tomou, seja pela formatação de novos produtos. Tanto que o ruído, passados dois meses, deixou de existir —o que não significa que não existam casos específicos.

Mas pequenas e médias precisam de crédito, e vamos além.

Na semana que vem, a gente vai fazer parte do lançamento de fundo para pequenas empresas com financiamento abaixo de 5% ao ano. Esse fundo vai ser lançado com o Renova Brasil, do Eduardo Mufarej, para empresas do estado de São Paulo num primeiro momento.

Fundos internacionais questionaram o governo brasileiro sobre a questão ambiental na Amazônia. Como tem sido para os bancos?

SR - Muito mais na Europa do que na América do Norte, há uma discussão em torno do Acordo de Paris. Há demandas fortes do consumidor europeu. A questão das mudanças climáticas é um tema sensível para as lideranças políticas lá.

O olhar europeu é rigoroso aí. Eles estão comprometidos com iniciativas sustentáveis, como adotar o uso de energias renováveis. Estão fazendo grandes investimentos, inclusive com subsídios, em transporte elétrico. Eles têm data para banir o diesel.

Portanto, nesse ambiente, os grandes fundos europeus têm uma preocupação muito grande em onde vão investir.

A Europa é um continente velho e rico. O dinheiro se acumulou durante anos, mas o propósito não é sempre o maior retorno no curto prazo, mas o melhor retorno com sustentabilidade ambiental.

Nós somos um banco europeu. Estamos inseridos nisso. Na questão das mudanças climáticas, alguns reguladores, inclusive, esperam posicionamentos das instituições financeiras em relação ao tema.

Exemplo: a gente acabou de ver as inundações em Veneza. Pesquisas científicas apontam evidências de isso ser um indicativo de efeito das mudanças climáticas.

Como ficam as hipotecas em regiões e em cidades que podem ter inundações? Qual vai ser a resposta da indústria de seguros?

Os acionistas nos bancos privados brasileiros também estão levando essas questões às direções das instituições financeiras. Não é um discussão para o trimestre. É uma discussão para os próximos 50 anos. E está sendo importante ver essa discussão mobilizar a sociedade de uma maneira não politizada.

Como assim?

SR - Não politizada no sentido de que transcende qualquer viés político. Isso é o certo. Não estamos falando em preservar a biodiversidade de uma maneira romântica, mas em ter uma agenda de desenvolvimento com preservação.

A aprovação do marco legal do saneamento é um avanço extraordinário na agenda ecológica. Não dá para fazer a preservação da Amazônia com esgoto não tratado.

Não dá para falar de Amazônia se São Paulo, a cidade mais rica do país, tem um rio Pinheiros poluído por causa de problemas com saneamento.

O Brasil tem as maiores reservas de água doce do planeta e boa parte dos brasileiros não pode apenas abrir a torneira de casa e beber água porque ela não está tratada adequadamente.

Os bancos no Brasil aderiram a iniciativa de retomada verde no pós-Covid, casada com a discussão da preservação da Amazônia. Dentro disso, quais negócios têm potencial?

SR - O setor privado precisa de uma agenda mais concreta na área. Primeiro, temos de fomentar culturas locais que já demonstram êxito. Palma, cacau, açaí. Não adianta falar em conservação da Amazônia sem apresentar um plano nesse sentido. Tem gente morando lá.

Também é importante um projeto de regularização fundiária. O título de propriedade estabelece a noção de responsabilidade. Terra sem dono fica à mercê de ataques de integridade ecológica.

A questão fundiária nem é tema de governo, é de Estado. E isso vai dar mais segurança para os bancos financiarem empreendedores nessas áreas.

Amazônia também tem muitos rios. Mas para que tenham navegabilidade, dependem de investimentos. É preciso pensar na malha hidroviária da região. Existe interesse empresarial nisso também.

Pelo que sr. está colocando existe interesse dos bancos em financiar esse potencial hidroviário?

SR - Sim, existe. Por último, há algo que a gente fala muito e faz pouco: a bioeconomia.

As pessoas falam que a Amazônia tem elementos extraordinários para fazer parte de projetos dessa economia, mas pouca coisa é concreta.

O açaí é extraído na Amazônia, mas processado fora dela. Elementos de cosméticos saem da Amazônia também, mas não vemos uma fábricas de cosméticos lá. Tudo acaba saindo de lá.

Precisamos discutir não apenas como se constrói a cadeia de pesquisa na região, mas também cadeias produtivas —sempre preservando, conservando, dentro de um projeto de desenvolvimento sustentável.

Como fica o pós-pandemia no mundo do trabalho na sua opinião?

SR - Trabalho remoto ou não remoto deixa de ser uma discussão. Tem seu papel e pode ser usado dentro de um determinado desenho de negócio. Funciona, mas não dá para generalizar.

Também ficou claro que o trabalho remoto, na execução, até pode ser mais eficiente do que o coletivo, onde há proximidade física.

Mas também ficou a demonstração de que o trabalho de criação por meio de uma tela é muito mais desafiador. A interação humana é o que gera o caos criativo.

Ou seja, na rotina, o trabalho remoto se provou na esteira de produção, mas, por meio de uma tela, não se consegue construir inovação, ao menos neste momento.

Trabalho remoto é um componente relacionado muito mais à redução de estrutura física, e não necessariamente capaz de compensar produtividade.

Quando o sr. diz redução de estrutura física fala de um número menor de escritórios?

SR - O trabalho remoto traz a luz que, talvez, a gente não precise de toda a infraestrutura que temos usado. Essa conversa veio. OK. Eu vejo isso também. Mas o ponto é a produtividade.

Precisamos ter cuidado para não confundir estar ocupado com ser produtivo. Acredito que o trabalho remoto vai ter o seu papel, mas não acredito, como alguns dizem, que ele vai colapsar os escritórios.

Vai existir menor demanda, sim. Mas não acredito na ideia de que exista um ganho estrutural permanente.

Tem coisa que você não faz em conferência pelo Zoom. Precisa de troca de emoção. A necessidade de estar conectado ao ethos cultural de uma empresa permanece.

Numa live, o sr. disse que talvez os funcionários, em caso de expansão do trabalho remoto, poderiam abdicar de alguns benefícios. O que exatamente o sr. estava propondo?

SR - Na live, estávamos em uma discussão sobre mapeamento de um tema, uma discussão de ideias, de vários ângulos, não era uma proposta.

Tanto que o Santander implementou o trabalho remoto, e não teve nada disso.

O comentário foi tirado de contexto, e foram feitas críticas. Eu também criticaria se fosse implementado dessa forma, porque o trabalho remoto hoje, na realidade, é outra coisa.

As pessoas não estavam preparadas para ele. A maioria não tinha cadeira, mesa, internet.

A funcionária que ia em casa, super-importante, deixou de ir porque não queremos que ela se contamine no transporte público. Os filhos não vão para escola. Você nem consegue passear com o cachorro.

A pessoa está vivendo isso, ouve aquilo e diz: esse presidente é completamente impessoal. Mas a última coisa que eu sou é impessoal.

O trabalho remoto está sendo construído, e as empresas precisam ser parte da construção de um trabalho remoto estruturado, pensado na dimensão humana.

Neste ano, começa a funcionar o PIX, o sistema de pagamento que promete ser um choque, digamos estruturante, para o sistema financeiro. Como vocês estão se preparando?

SR - Vai trazer mudança, mudança bem-vinda —e não estou sendo politicamente correto ao dizer isso. Temos as estruturas históricas de TED e DOC que permanecem, mas acho que temos de começar a dar ao consumidor brasileiro a possibilidade de fazer transações independentemente do dia e da hora.

Vou dar um exemplo concreto. Estamos num país em que as pessoas compravam veículos no fim de semana e não podiam sair com o veículo porque não tinham como consumar a transação da compra do veículo.

Vou fazer um comercial: o Santander foi o primeiro a permitir que as pessoas fossem a uma concessionária e pudessem fazer a transferência no fim de semana.

A indústria financeira não se organizou para os horários em que as pessoas compram e funcionam. Sábado e domingo são dias importantíssimos para pessoas, assim como a noite.