Preço alto desafia vendedores e consumidores do ‘sagrado’ cafezinho
Uma das principais vilãs da inflação da cesta básica no ano passado, a bebida deve ficar ainda mais cara em 2025, segundo os prognósticos dos especialistas
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segunda-feira, 27 de janeiro de 2025
Uma das principais vilãs da inflação da cesta básica no ano passado, a bebida deve ficar ainda mais cara em 2025, segundo os prognósticos dos especialistas
Lúcio Flávio Moura - Especial para a FOLHA

Em dois pontos tradicionais da Avenida Higienópolis, via em eterna reinvenção que ainda é a mais icônica de Londrina, um casal de comerciantes se orgulha de um fato inusitado: a tabela de preços do cafezinho e de todas as suas variáveis continua intacta.
Tanto a Holandesa Confeitaria, com 50 anos de história, quanto o Pátio San Miguel, que completa 30 agora em janeiro, usaram a mesma estratégia e seguraram o preço final do produto, tão decantado na história de Londrina, outrora sua capital mundial.
Afinal, a margem de cada xícara é bem razoável - um quilo de café coado rende 120 doses - e o volume de vendas é muito alto - a Holandesa vende 200 quilos mensais e o Pátio, 60.
Mas, no fundo, a tática é não desestimular aquelas escapadas típicas dos meios das manhãs e das tardes.
O cafezinho é um chamariz quase inigualável para ambos os negócios. Uma vez dentro da loja, há sempre uma boa chance do cliente se empolgar e realizar um outro consumo.
O certo é que tanto Rosemeyre Mastellini de Mello quanto o marido Alexandre Alves de Mello, conhecido como Padeiro, estão muito atentos às conversas sobre a carestia de alimentos, um assunto que entrou com força até mesmo no debate político.
Os suspiros indignados dos brasileiros ao passarem pelas gôndolas nas quais repousam os pacotes de café nos supermercados já estão se transferindo para os balcões, onde copos americanos e copos caninhas, xícaras grandes ou pequenas, já simbolizam a silenciosa crise de poder aquisitivo da classe média.

“Enquanto eu tiver margem para segurar, vou segurar. Porque no meu negócio temos muitos itens à venda. Quem depende mais da venda do café, a situação é outra”, compara Padeiro, que está comprando o produto do fornecedor com acréscimo de 80% em comparação com as notas emitidas seis meses atrás. “Quem subiu, conseguiu repassar no máximo 30%. Mais que isso assusta, perde o freguês”.
A visão pragmática de qualquer empresário nestes tempos de preço dos cafés nas alturas deve entrar em cena diante do cenário visto de binóculos pelos especialistas. Quase todos apostam que a indústria de torrefação vai continuar a reajustar a tabela e em 2025 o sagrado café nosso de cada dia vai chegar a preços inimagináveis um ano atrás. “Acho que do jeito que as coisas vão, aquele convite para tomar um cafezinho pode mudar para vamos tomar um refrigerante”, brinca Padeiro.
De acordo com alguns corretores ouvidos pela Folha, a saca de 60 Kg do café verde vendida em média a R$ 2,4 mil na penúltima semana de janeiro pode chegar a R$ 3 mil ao fim do semestre. Há quem calcule que no supermercado o preço médio do pacote torrado e moído pode chegar a até R$ 70,00, 35% a mais que o patamar atual.
Sob medida
Nas casas e nos ambientes profissionais, há reformas em velhos hábitos. A colher entra mais cautelosa para coletar o pó que viaja do pote ao coador ou à cafeteira.
“Confesso que antes eu desperdiçava uma quantidade razoável porque não me preocupava. Ficava sempre um resto no bule. Agora estou fazendo sob medida, não sobra nada”, conta a produtora cultural Nana Souza, fã da bebida desde que estudava no ensino médio, quando trabalhava de dia e precisava ficar disposta para as aulas noturnas. “A penúltima vez que comprei café estava R$ 5 reais mais caro do que eu costumava pagar, tomei um susto. Na última piorou, paguei R$ 22 no pacote”, conta.

Nana lembra que na associação que presta serviço, uma das medidas de corte de gastos foi cortar a compra do item no supermercado. Agora, os colaboradores fazem a famosa “vaquinha” para que os visitantes - e eles mesmos - ainda recebam o mimo, o carinho no paladar e na alma, considerado por todos indispensável mesmo nas tardes mais quentes do verão e de preços bem descongelados.
A demanda em alta e a oferta em baixa fez a cotação do café atingir seu pico histórico (US$ 3,4755 a libra-peso) nesta sexta-feira (24) na Bolsa de Nova York e os preços no mercado interno não param de subir. De acordo com pesquisa mensal da Abic (Associação Brasileira da Indústria do Café), o preço médio do café torrado e moído no varejo em dezembro de 2024 era de R$ 42,65 o quilo. No mesmo levantamento, o produto era vendido em dezembro de 2023 a R$ 31,04, alta de 37,4%.
“Coisa complicada”
A reportagem foi buscar na experiência de quem tem 50 anos de mercado, a explicação para esta novidade que está encurtando o intervalo entre o despertar e as agruras do custo de vida. O corretor Carlos Amaral, que também assessora empresas para exportação e para vendas internas, topa dar a entrevista sem antes fazer uma ponderação espirituosa ao repórter. “Rapaz, falar de mercado de café está igual a falar de política. É uma coisa muito complicada, difícil de interpretar diante de tantas variáveis”.
Porém, ele se arrisca. “No ano passado, tivemos uma seca e altas temperaturas, o que afetou a produtividade dos cafezais. Os grãos ficaram menores e outros tantos se perderam. As grandes indústrias não perceberam claramente a dimensão desta quebra e não se prepararam para o desabastecimento. Para piorar, o Vietnã, que é o maior produtor mundial de café robusta, sofreu com o mesmo problema e teve uma safra menor que a esperada. Para piorar mais ainda, os importadores intensificaram as compras, especialmente os europeus”, explica.
De acordo com Amaral, a movimentação incomum das vendas do Brasil para a União Europeia está relacionada ao novo regulamento do bloco, que passa a exigir em 2025 que os importadores provem que as commodities não estão provocando a destruição de áreas florestais.
“Temos 80% da safra já comercializada e ainda faltam cinco meses para o pico da próxima. A baixa oferta vai persistir. Mas não acredito que a cotação do café permaneça neste patamar a longo prazo. Em 2026, é muito provável que haja uma estabilidade entre oferta e demanda e um recuo nos preços”, avalia.

Para quem acredita que os cafeicultores estão capitalizados com a disparada dos preços, o corretor avisa. “Infelizmente, quase todos negociaram o produto na baixa. Poucos conseguiram se beneficiar com este novo patamar de valores”. Amaral lembra que quem arriscou mereceu ganhar. “Quem acreditou na alta, comprou e segurou o produto. O mercado do café é um jogo, com variáveis que podem fazer a cotação subir ou cair. Quem soube fazer melhor esta leitura, tem muitos méritos”, defende.
A experiência de Amaral diz que o consumo doméstico deve cair em 2025, mas num nível abaixo da queda de oferta, o que não será suficiente para regular a oferta e a demanda a curto prazo.
Cada vez mais café
A barista, consultora e ex-proprietária de cafeteria, Fernanda Correa, CEO da Rota do Café - Roteiros e Experiências, que trabalha com turismo e com cafés especiais há 10 anos, concorda com esta previsão e acredita que alguns consumidores talvez diminuam o número de cafezinhos durante o dia, mas a maioria não vai mudar os hábitos. “Quem vende não vai reajustar o preço de uma forma brusca, vai diluir a diferença ao longo do ano. As pessoas são apaixonadas por café, tanto que a segunda bebida mais consumida do mundo, atrás apenas da água, e vão continuar consumindo mesmo se tiver que pagar mais um pouco pela experiência”.
A demanda aquecida por café obriga safras cada vez maiores nos centros produtores, em especial o Brasil, maior fornecedor global da matéria-prima. O consumo na Ásia, especialmente da China, por exemplo, não para de crescer. No mercado interno, a bebida nunca foi tão consumida. De acordo com informações da Abic (Associação Brasileira da Indústria do Café ), o consumo per capita de café no Brasil mais que dobrou nos últimos 40 anos, alcançando 5,12 quilos no ano passado.
As exportações também vivem uma grande fase. O Brasil bateu o recorde anual em 2024, com o embarque de 50,443 milhões de sacas a 116 países, um crescimento em volume de 28% na comparação com 2023. O recorde anterior havia sido registrado em 2020 e foi superado em 12,8%.

