Passados quase sete meses do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil tenta acertar a rota econômica com uma política fiscal e monetária ainda permeada por altos e baixos. Enquanto o governo federal trava uma queda de braço com o Banco Central pela redução da taxa básica de juros e assusta o mercado com declarações polêmicas que afetam parceiros comerciais importantes, a inflação e o câmbio demonstram estar sob controle, a reforma tributária caminha para a desburocratização do sistema e o arcabouço fiscal, se não enxuga os gastos públicos, ao menos sinaliza uma preocupação em melhorar o controle das despesas e receitas do país.

“O Brasil não está maravilhoso, mas comparado com outros lugares do mundo, estamos bem. Não somos a Rússia, a Ucrânia, a Bielorrússia, a Venezuela, a Turquia. Não estamos em guerra, não temos uma inflação de 120%. Então, quando um investidor estrangeiro que tem US$ 100 bilhões para colocar em um mercado emergente, pega o mapa-múndi e vai olhar para o Brasil, a Índia e o México. O gringo fala ‘poderia ser muito pior’”, avaliou o economista Roberto Dumas, que acumula mais de 30 anos de experiência no mercado financeiro global, tendo atuado no banco dos Brics, na China, é autor de livros de referência sobre economia mundial e atualmente leciona economia internacional e economia chinesa em algumas das principais instituições de ensino na área econômica do país.

Dumas esteve em Londrina, na última quarta-feira (12), e a convite da Sisprime do Brasil e da Unimed Londrina realizou uma palestra na qual avaliou os cenários econômicos brasileiro e mundial. O evento aconteceu em comemoração ao Dia do Cooperativismo, celebrado neste mês.

Com uma inflação baixa, em 3,16%, e um câmbio em apreciação, cotado em torno de R$ 4,80, o Brasil se destaca entre os países em desenvolvimento. Mas a taxa Selic mantida há 11 meses pelo Copom (Comitê de Política Monetária) em 13,75% ao ano ainda é um desafio, assim como o cenário econômico externo, a começar pelos Estados Unidos, que enfrentam uma desaceleração, com reflexos em seus parceiros comerciais, dentre eles, o Brasil. “É importante deixar claro que política monetária tem que ser uma decisão técnica. Você não pode escrever #baixeojurosja. Até concordo que a taxa possa estar alta, mas eu não gostaria de discutir isso em um campo político”, disse Dumas.

Segundo o economista, a briga entre Lula e o Banco Central, presidido por Roberto Campos Neto, prejudicou a economia e atrasou a redução da Selic. “Na curva de juros de janeiro, o mercado já precificava uma queda na taxa entre janeiro e fevereiro. Só que na hora em que você começa a falar que a inflação não vai ser 3%, vai ser 4,5%, começa a falar em perda de autonomia do Banco Central, cria um ruído e a ancoragem da expectativa piora. Não importa se os dois lados estão brigando, mas estão exagerando.”

Neste momento, Dumas aponta que a alta taxa de juros pode ser explicada, em parte, como resultado de uma política fiscal expansionista iniciada ainda no governo de Jair Bolsonaro, que em 2022 aprovou a PEC Kamikaze, liberando os gastos do governo federal para a criação de benefícios sociais, e que seguiu com a PEC da Transição, do governo Lula. “É um curupira. Você quer andar para frente, mas o pé está para trás. O Banco Central tem que subir a taxa de juros porque a demanda está esquentando e ele faz muito bem”, afirmou o economista, que aposta no início de um movimento de retração da Selic a partir do próximo mês, chegando a 0,5% até o final do ano.

A disputa do governo pelo dinheiro com o setor privado também interfere na taxa de juros, assim como o que Dumas chama de “momento de alcoolismo” do país, vivido entre 1980 e 1994, e que deixou como resquício os preços administrados, que são os reajustes regulados pelo governo, sem interferência da lei da oferta e da demanda. “Cada vez que eu reajusto os salários ou as tarifas de água, luz, telefone, eu postergo a inflação de hoje para o ano que vem e a política monetária perde poder.”

Dumas também vê como problema do atual governo a facilidade com que Lula expressa publicamente suas opiniões sobre questões polêmicas. Criticar a dependência do mundo ao dólar, relativizar a democracia, sugerir que a Ucrânia, invadida pela Rússia em fevereiro de 2022, terá que ceder para chegar a um acordo de paz são alguns dos exemplos de falas recentes do presidente brasileiro que podem ter como efeito um impacto econômico negativo. “Há uma liturgia do cargo. Você não pode simplesmente chegar, abrir o microfone e falar o que pensa. Não há necessidade. Às vezes, o Lula exagera um pouco. Não é uma roda de samba, não pode falar o que quer.”

Entre falhas e atrasos, porém, Dumas aponta alguns avanços, como o arcabouço fiscal, que embora não reduza os gastos do governo e até permita aumento das despesas, serviu para tranquilizar o mercado após o presidente chamar o teto de gastos de “estupidez”. “É horrível que não haja cortes de gastos, mas é melhor do que nada. O mercado viu que a dívida do PIB (Produto Interno Bruto) vai subir, mas não vai explodir, e se acalmou. A curva de juros parou de subir.”

A reforma tributária é outra conquista do governo, aponta o economista, porque diminui a burocracia e acaba com a cumulatividade na cobrança de impostos e o reflexo é o aumento da produtividade na indústria, beneficiando ainda outros setores, como o de serviços. "Talvez, os mais ricos paguem mais porque são eles que mais consomem serviços, mas a reforma vai beneficiar a base da população porque os mais pobres são quem mais consomem produtos e bens”, disse Dumas. “Estávamos em um inferno na parte tributária. Melhorou, as exceções pioraram e agora tende a piorar mais ainda quando for para o Senado. Mas eu ainda tenho um ganho. O mercado vê que não vai ficar pior do que estava.”

MARCO LEGAL DO SANEAMENTO

O economista cobra mais atenção do governo para o marco legal do saneamento. Metade da população brasileira não tem acesso aos serviços de água e esgoto e se os efeitos imediatos são os prejuízos à saúde, a longo prazo as consequências afetarão a economia do país. “Saneamento é economia na veia. A falta de saneamento aumenta a ocorrência de doenças de crianças, como vômito e diarreia, e a recorrência dessas doenças prejudica a criança neurobiologicamente, afetando a capacidade intelectual e o aprendizado. Cuidar do saneamento é ajudar o meu futuro trabalhador a ter uma neuroplasticidade saudável e que consiga estudar, trabalhar e ser mais produtivo”, disse Dumas. “Ele (governo federal) está postergando o marco do saneamento. As estatais ficaram 30 anos e não fizeram e o governo está falando para deixar as estatais tentarem mais um pouco. Deixa para quem quer fazer e tem condição de fazer. Isso é uma política industrial.”

No cômputo geral, no entanto, o Brasil vai bem, afirmou o economista. “No começo do ano a gente esperava um cenário pior. O cenário piorou no mundo e aqui não ficou tão ruim. Não vamos crescer como a China, a 5%, mas devemos crescer entre 1,8% e 2%. O mercado está em lua de mel com o governo, mas os problemas existem e eles estão aparecendo. A gente precisa resolver ou essa lua de mel pode acabar.”