BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Depois da pandemia do novo coronavírus, seriam necessários três anos para que o sistema financeiro voltasse a sua atual capacidade financeira, segundo o pior cenário de simulação divulgada nesta quarta-feira (29) pelo Banco Central.

Para tentar prever os efeitos da Covid-19 na economia, a autoridade monetária fez um dos testes de estresse mais severos realizados até hoje, segundo o Relatório de Estabilidade Financeira da autoridade monetária.

"Fizemos uma série de simulações envolvendo os setores mais afetados pela pandemia, uma análise de 1,6 milhão de empresas e 10 milhões de empregados. O impacto total mais severo seria de R$ 395 bilhões, dependendo da duração da crise. De qualquer forma, mostra que o sistema financeiro tem capacidade de absorver esse impacto", explica o diretor de Fiscalização do BC, Paulo Souza.

O diretor, no entanto, acredita que o impacto real será menor. "O que se percebe é que os efeitos não estão relacionados a fatores de gestão das empresas, os bancos e o governo têm interesse em contribuir, então o impacto será inferior, mas temos de estar preparados", ponderou.

A simulação leva em conta o pior cenário e mostra como os bancos reagiriam. A avaliação também considerou a rentabilidade das instituições em crises anteriores.

O estudo indicou a necessidade adicional de recursos de aproximadamente R$ 70 bilhões para os bancos voltarem a se enquadrar nos limites de capital regulatório, o equivalente a 7,2% do total do patrimônio do sistema financeiro.

No pior cenário, o índice de Basileia, usado para medir o nível de saúde financeira dos bancos, cairia de 19,5 para 15,3.

Segundo o documento, por um lado, o teste de estresse demonstrou que o sistema tem capacidade de recompor os níveis mínimos de capital, por outro, a capacidade de o sistema gerar novos créditos e sustentar o crescimento da economia ficaria temporariamente comprometida por conta do volume de provisões que seriam necessárias.

Provisão é o valor que o banco deve manter em caixa para assegurar as operações de crédito.

Os testes de estresse são realizados regularmente com base em cenários que levam em conta piora em indicadores como PIB (Produto Interno Bruto), emprego, inflação, taxa de juros, câmbio e riscos avaliados de forma independente, como crédito e desvalorização de imóveis.

À época da Operação Lava Jato, em 2015, foram realizados testes para prever potencial impacto de empresas envolvidas no sistema financeiro. "Os efeitos da operação eram de R$ 3,4 bilhões, o equivalente a 0,4% do patrimônio de referência do sistema. Diferente do que ocorre agora, envolvia corrupção e risco de imagem, o governo e os bancos não tinham como prestar auxílio naquele período", disse Souza.

A autoridade monetária tinha realizado um teste com base em dezembro de 2019, mas, com a mudança brusca no cenário por conta do avanço do vírus no Brasil, fez nova simulação específica para a Covid-19.

O teste mais recente supôs eventual queda na avaliação da qualidade do risco de crédito e possível inadimplência das empresas e dos trabalhadores dos setores econômicos mais afetados, o que indica necessidade de aumento expressivo de provisões.

O BC pontua, no entanto, que o atual nível de recursos do sistema financeiro e de provisões funcionam como amortecedores desses choques.

"O nível de liquidez [recursos disponíveis] dos bancos permaneciam adequadas em dezembro de 2019", analisou o diretor do BC. Ele ressaltou que, em índice que mede liquidez e tem de ficar acima de 1, os bancos brasileiros estavam acima de 2,5. No indicador estrutural, que mede se o banco tem condições de honrar compromissos no futuro, que também tem que ficar acima de 1, estava em 1,15.

Em 2019, houve aumento de financiamento das grandes empresas no mercado de capitais. Ao invés de pegarem empréstimo em instituição financeira, as companhias emitem títulos e captam recursos de investidores.

Com a pandemia, no entanto, o crédito bancário deve voltar a ser a principal fonte de financiamento para as grandes empresas, até que os mercados de capitais voltem ao normal.

O relatório mostra que, embora o crédito às famílias tenha crescido acima de um dígito durante todo o segundo semestre de 2019, com a pandemia, a tendência é que o ritmo de novos empréstimos caia nos próximos semestres. Para adequação das operações à capacidade de pagamento das pessoas, as renegociações, no entanto, devem aumentar.

Em dezembro do ano passado, o lucro dos bancos foi de R$ 118 bilhões e o lucro das instituições privadas alcançou 17% e as públicas foi de 15%. "A rentabilidade vinha aumentando em níveis reais", afirmou Souza.