PF cumpre mandados da Operação Daemon em Curitiba
Operação investiga grupo suspeito de desviar recursos investidos por clientes em negociações com criptomoedas
PUBLICAÇÃO
segunda-feira, 05 de julho de 2021
Operação investiga grupo suspeito de desviar recursos investidos por clientes em negociações com criptomoedas
Mie Francine Chiba - Grupo Folha
A PF (Polícia Federal) deflagrou na manhã desta segunda-feira (5) a Operação Daemon, que investiga grupo suspeito de desviar recursos investidos por clientes em negociações com criptomoedas. Segundo estimativa feita pelo administrador judicial do processo de recuperação judicial do grupo, o valor devido totaliza cerca de R$1,5 bilhão e diz respeito a mais de 7 mil credores.
Cerca de 90 policiais federais cumpriram, em Curitiba e Região Metropolitana, um mandado de prisão preventiva, quatro mandados de prisão temporária e 22 mandados de busca e apreensão, expedidos pela 23ª Vara Federal de Curitiba. Além disso, houve a decretação judicial de sequestro de imóveis e bloqueio de valores.
O grupo é acusado pela prática de crimes falimentares, de estelionato, lavagem de capitais, organização criminosa, além de delitos contra a economia popular e o sistema financeiro nacional. De acordo com o delegado Filipe Hille Pace, responsável pela operação, o líder deste grupo já foi investigado na Suíça e nos EUA.
Na manhã desta segunda-feira (5), a Polícia Federal prendeu o líder e sua esposa, o seu braço direito e sua esposa e uma pessoa que ajudou a dilapidar o patrimônio da empresa. Também sequestrou e apreendeu veículos de luxo, cujos valores somam cerca de R$ 2,5 milhões, e bens como joias, relógios e artigos de luxo, como bolsas de grife.
"Em uma mera análise fiscal de nota fiscal de investigados, os valores gastos com produtos, peças de roupa, bolsas, eram enormes", diz o delegado. "O dinheiro dos investidores estava sendo literalmente torrado de acordo com os desejos e a ganância dos responsáveis pelo esquema criminoso." Os bens apreendidos serão leiloados e os recursos revertidos às pessoas lesadas pela organização.
O grupo ganhou notoriedade no País nos anos de 2017 a 2019 pelo valor alcançado com a negociação de criptomoedas, cujo valor noticiado chegava a R$ 500 milhões por dia. "Isso era uma característica do grupo, que trazia a imagem de sucesso, de riqueza, de luxo com as operações. E isso se refletia no modo como se apresentavam os seus administradores e, em particular, o principal investigado, que era o líder do grupo e o líder dessa organização criminosa", afirma Pace.
Em 2019, porém, o grupo subitamente bloqueou os saques dos seus clientes nas plataformas, alegando ter sofrido um ataque hacker. Um inquérito então foi instaurado pelo Nuciber (Núcleo de Combate aos Cibercrimes), da Polícia Civil do Paraná, para apurar o caso. O inquérito, entretanto, não teve êxito, já que o grupo não cooperava com as investigações.
"Não foram encontrados indícios suficientes do hackeamento, então aquele inquérito foi arquivado e a mesma delegacia instaurou um inquérito para apuração de crime de estelionato contra a economia popular, pois os indícios eram muito fortes no sentido de que não era o grupo a vítima de um ataque, mas que o grupo teria cometido crimes contra os seus clientes", afirma Pace.
Quando a empresa começou a sofrer medidas de bloqueio de bens em decorrência de ações movidas pelas vítimas, e com a iminência de um novo inquérito que atribuiria culpa ao grupo pelo prejuízo das vítimas, uma manobra foi arquitetada e a organização iniciou processo de recuperação judicial. Assim, todas as ações cíveis contra a empresa foram sustadas.
Como garantia de que poderiam arcar com o prejuízo dos clientes, o grupo apresentou carteiras de criptomoedas em que havia indicação de constar 7 mil bitcoins. Assim o juízo reconheceu que a empresas poderia retomar suas atividades. Com outra exchange do mesmo grupo, a transação de moedas foi reiniciada, e novamente os clientes não tiveram acesso aos saques.
Mais tarde, descobriu-se que as carteiras apresentadas pela empresa ao juízo não eram dela. "Verificou-se que se tratava de outro instrumento ardiloso para enganar não só as vítimas, mas para enganar o poder judiciário", diz o delegado.
Durante o processo de recuperação judicial, o grupo também se desfez de patrimônio como veículos e joias, valendo-se de laranjas para movimentar os recursos. "Por esses fatos que não cessaram, de dilapidação de patrimônio, ocultação de recursos, préstimo de informações falsas, é que foram decretadas medidas de prisões na data de hoje (segunda-feira, 5). A Polícia Federal com essa operação busca não só consolidar ainda mais as provas de materialidade e de autoria dos crimes investigados, mas de alcançar a maior quantidade possível de bens para que eles sejam revertidos em proveito dos clientes para vítimas desse esquema criminoso que estamos investigando", explica Pace.
Promessa de rendimento alto e rápido atrai vítimas
Aproveitando-se da falta de conhecimento sobre o assunto e da ânsia de ganhar dinheiro fácil e rápido das pessoas, os criminosos estão usando as criptomoedas para aplicar golpes. "Hoje em dia é fácil buscar esse tipo de informação. Mas muita gente acaba sendo atraída pela promessa de alto rendimento, de ficar milionário da noite para o dia. Isso não existe", alerta o coordenador da Comissão de Direito Digital da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Londrina, Fernando Lourenço Roque.
Advogado especialista em Direito Digital em Curitiba, Márcio Stival afirma que recebe muitos clientes que caem no golpe da promessa de rendimento alto e rápido com criptomoedas. "O que mais tem atualmente são empresas de fachada para tentar angariar investidores e aplicar esse tipo de golpe. Elas atuam no mercado um tempo, ficam um ou dois anos se mostrando como uma empresa correta, e em um determinado período interrompem o funcionamento, os saques, e as pessoas acabam perdendo tudo o que investiram."
A orientação dos advogados para não cair nesse tipo de golpe é duvidar de empresas que vendem a promessa de ficar rico da noite para o dia. "Se a empresa estiver prometendo rendimentos absurdos, que não receberiam normalmente de empresa séria, dá para ficar alerta", diz Stival. Roque alerta ainda para empresas que prometem rendimento garantido. "Criptomoeda é um mercado de renda variável. Não tem como prometer rendimento fixo."
Checar se a empresa está vinculada ao Banco Central e se tem registro na CVM (Comissão de Valores Mobiliários) é outra orientação do advogado. "Também é interessante se atentar a questões como a Política de Proteção e Privacidade de Dados, se a empresa tem política antifraude descrita no site", ele continua.
Os advogados recomendam, ainda, verificar há quanto tempo a empresa está no mercado. Pesquisar rankings de exchanges realizados por institutos reconhecidos, e se a empresa já tem reclamações de outros clientes na internet também são boas práticas.
Afinal, reaver os valores investidos nesses casos pode ser desafiador. Por permitir transferências para qualquer pessoa do mundo e de forma rápida, os golpistas podem transferir os valores para outros países em questão de segundos, o que dificulta ainda mais a recuperação dos valores. "Eu tenho muitos casos de pessoas que entraram com ações, vejo colegas que ganharam ações, mas na hora de tentar reaver o dinheiro, não existem valores", conta Stival.

